Há 40 anos, italiano concluía a 1ª escalada solo do Everest
20 de agosto de 2020Em agosto de 1980, em plenas monções – período em que montanhistas costumam evitar o Monte Everest por causa das fortes chuvas – Reinhold Messner viajou para o Tibete para executar mais um projeto ambicioso no lado norte da enorme formação geográfica. Após ter escalado a montanha mais alta do mundo com o austríaco Peter Habeler em 1978 pelo lado sul, no Nepal – a primeira subida realizada sem cilindros de oxigênio –, o alpinista italiano decidiu que agora faria o mesmo por conta própria.
Na tarde de 20 de agosto de 1980, no terceiro dia de escalada, ele atingiu o pico, aos quase 8.850 metros – mais rastejando do que caminhando. "Eu estava mais exausto do que jamais estive em minha vida", lembra Messner quatro décadas depois, em entrevista à DW. "Eu estava tão exausto no cume que simplesmente me deixei cair na neve. Felizmente, depois de ofegar por uma hora – mais não foi –, tive forças para me levantar e voltar a descer."
Quando Messner voltou ao acampamento a cerca de 6.400 metros, no dia seguinte à sua façanha, sua então namorada, a canadense Nena Holguin, mal o reconheceu. "Parecia um bêbado descendo pelo desfiladeiro, e não o mesmo homem que havia saído quatro dias antes", escreveu Holguin em seu diário. "Ele olha para mim com lágrimas nos olhos. Seu rosto está amarelo, seus lábios estão rachados e franzidos."
No limite – física e mentalmente
No dia da chegada ao pico – exatamente quando Messner havia deixado a barraca e a mochila em seu último acampamento, a 8.220 metros – o tempo havia mudado: névoa havia levantado e começava a nevar levemente. "De repente, tive medo de perder o senso de direção", lembra Messner. "Se, ao descer, eu não tivesse reencontrado minha trilha, teria me perdido lá em cima. Tentei então avançar um pouco mais rápido."
Mas isso não funcionou devido à baixa pressão parcial de oxigênio. Na área do cume do Everest, o oxigênio só é pressionado para os pulmões com um terço da pressão ao nível do mar. "Então, por um lado, havia a preocupação de que isso seria perigoso, por outro lado, o ar rarefeito me freava”, conta Messner, hoje com 75 anos.
E isso sem mencionar a tensão psicológica de se estar sozinho na montanha: "Tudo se resume à incapacidade de compartilhar preocupações e medos. É difícil de suportar, porque nós, humanos, não fomos feitos para ficar sozinhos."
A subida solo de Messner no Everest – durante as monções, sem máscara respiratória e em uma rota parcialmente nova - foi celebrada como um marco no alpinismo no Himalaia. "Minha ida sozinho ao Nanga Parbat [no verão de 1978] foi mais importante", diz Messner, "porque foi o primeiro passo rumo a essa dimensão de fazer 8 mil metros completamente sozinho."
O solo no Everest foi apenas o ponto culminante de sua carreira de alpinista de altitudes elevadas. Em seguida, ele se apressou em escalar todas as 14 montanhas do mundo com mais de 8 mil metros de altura. Em 1986, Messner se tornou a primeira pessoa a realizar tal proeza - e em todas as vezes, sem utilizar cilindros de oxigênio.
Poucos alpinistas solitários
Tentativas semelhantes de escalar o Monte Everest tal como fez Messner, sozinho em uma montanha desolada, foram poucas. E nenhuma delas foi bem-sucedida. No inverno passado, Jost Kobusch voltou pela crista oeste do Everest, a uma altitude de cerca de 7.400 metros.
"É fácil anunciar a maior aventura de todos os tempos, mas já saber de antemão que não passará de uma tentativa ridícula", criticou Messner em alusão ao alemão de 28 anos. Kobusch, segundo Messner, não tinha o preparo necessário e, acima de tudo, não tinha experiência para sobreviver ao Everest sozinho no inverno, avalia. "Ele tinha pouca ou nenhuma ideia do que estava realmente fazendo."
O fato de só ter havido algumas poucas tentativas solo na montanha mais alta da Terra também se deve ao fato de que o alpinismo por lá mudou fundamentalmente nas últimas quatro décadas. Até o início dos anos 1980, apenas os melhores alpinistas do mundo iam ao Everest para percorrer rotas novas e complicadas.
Entretanto, o Monte Everest se transformou numa montanha comercializada, escalada mais de 10 mil vezes. Alguns alpinistas profissionais também o escalaram sozinhos, diz Messner, mas na rota normal, preparada para os clientes pagantes das expedições comerciais: "Nas encostas, 50 pessoas à frente, 100 pessoas atrás. Isso não é solo."
Impacto da pandemia
Em 2020, porém, ano do coronavírus, o Monte Everest estava quase tão solitário quanto na época da escalada solo de Messner, há 40 anos. Apenas uma expedição chinesa teve permissão para subir no lado norte sino-tibetano, enquanto a montanha foi completamente fechada no lado sul, no Nepal, devido à pandemia. Messner não acredita que isso terá um efeito duradouro no alpinismo no Everest.
"Os xerpas precisam desse trabalho porque ganham dinheiro com isso. E o governo cobra taxas pelas licenças de escalada", diz o alpinista mais famoso do mundo atualmente. “A pressão vai crescer, assim como a demanda das operadoras de turismo para poder fretar o Everest. E com ela, também a oferta vai voltar a subir. As conveniências no acampamento de base e acima dele vão aumentar. Isso significa que mais e mais pessoas poderão subir no telhado do mundo. "
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