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Há 60 anos, golpe derrubava premiê iraniano Mohamed Mossadegh

Thomas Latschan (md)19 de agosto de 2013

Orquestrada pela CIA, destituição de chefe de governo eleito democraticamente é considerada por historiadores semente da desconfiança mútua que caracteriza até hoje o relacionamento entre EUA e Irã.

Foto: Tarikhirani.ir

Para os Estados Unidos, o Irã é "um regime fundamentalista com ambição de ter a bomba atômica" e "parte do eixo do mal". Já para Teerã, Washington é sede do "grande Satã ateu" e "a raiz de todos os males". Poucas relações entre duas nações são tão carregadas como a existente entre Irã e EUA: a desconfiança mútua é profunda. Os motivos dessa inimizade remetem à Revolução Islâmica de 1979. Já em 1953, os Estados Unidos intervieram na política iraniana pela primeira vez, com consequências que repercutem até hoje no Oriente Médio.

Medo do comunismo

No entanto, logo após a Segunda Guerra Mundial os laços entre as duas nações eram bastante amistosos. A prestigiada revista Time chegou até a eleger o primeiro-ministro iraniano Mohamed Mossadegh "Homem do Ano de 1951", por ter ousado nacionalizar a exploração de petróleo no Irã, até então em mãos britânicas.

Mossadegh chegou a ser considerado "homem do ano" pela "Time"

A medida suscitou também elogios de personalidades políticas norte-americanas. "Na época, havia nos EUA grande simpatia pelos movimentos anticoloniais de libertação no Terceiro Mundo", recorda Jürgen Martschukat, professor de história dos Estados Unidos na Universidade de Erfurt. "Mossadegh foi até tratado como uma espécie de Benjamin Franklin iraniano", ressalta.

Já os britânicos, que dominavam a exploração petrolífera do país desde o início do século 20, se mostraram menos entusiasmados. A Anglo-Iranian Oil Company (AIOC) fornecia ao Império enormes lucros ano após ano. "O petróleo iraniano foi literalmente roubado pelos britânicos durante décadas", acusa Bahman Nirumand, jornalista iraniano baseado em Berlim. "O Irã só recebia uma pequena compensação financeira pelo petróleo que os britânicos exploravam."

Por isso, desde o final dos anos 1940, os políticos de Teerã exigiam veementemente uma distribuição mais equitativa dos dividendos. Mas o Reino Unido se mostrava irredutível, insistindo no cumprimento dos lucrativos contratos. Quando Mohamed Mossadegh foi eleito primeiro-ministro, em 1951, a situação se agravou. Em seu primeiro ato oficial, ele rescindiu unilateralmente, em 20 de março de 1951, o contrato com a AIOC e nacionalizou a indústria do petróleo.

Londres reagiu com indignação, ameaçando com uma invasão e pedindo ajuda a Washington. Mas o governo do presidente Harry S. Truman, rejeitou o pedido. Embora os britânicos fossem aliados, Washington não tinha interesse em continuar enfraquecendo Teerã. O medo era grande de que o Irã caísse nos braços da União Soviética. Além disso, Truman era da opinião que a atitude inflexível dos britânicos colaborara para agravar a situação.

CIA e o golpe

A posição dos EUA mudou quando Dwight D. Eisenhower sucedeu Truman no final de 1952. Iranianos e britânicos haviam negociado sem sucesso durante dois anos, a situação entrara num impasse, o clima era hostil. O Reino Unido impusera um embargo total ao petróleo iraniano. A economia do país estava arrasada; forças radicais, como o partido comunista Tudeh, ganhavam cada vez mais popularidade.

Churchill e Eisenhower são tidos como os mandantes do golpeFoto: Monty Fresco/Topical Press Agency/Getty Images

No governo Eisenhower, anticomunistas linha-dura tomaram as rédeas da administração: John Foster Dulles assumiu como secretário de Estado e seu irmão, Allen, era chefe da CIA. Eles viam com preocupação os acontecimentos no Irã, e consideravam Mossadegh mesmo um "lunático", que, com seu curso de confrontação, poderia colocar nas mãos dos russos o país rico em petróleo.

"Eles chegaram à conclusão de que não era possível resolver com Mossadegh aquela situação complicada", afirma o historiador Jürgen Martschukat. Os EUA ainda continuavam rejeitando uma intervenção militar no Irã. "A administração Eisenhower, no entanto, estava disposta a atuar com meios diferentes dos da administração Truman." Foi quando a CIA entrou no jogo.

No verão de 1953, a inteligência dos EUA lançou em Teerã a Operação Ajax. A CIA subornava políticos, oficiais e clérigos, incitando-os a fazer oposição a Mossadegh. Ao mesmo tempo, convenceu o xá Reza Pahlavi a destituir Mossadegh por decreto. Em 19 de agosto ocorreu, diante residência privada do primeiro-ministro, uma batalha de rua entre seus partidários e adversários seus.

"Nós nos surpreendemos ao ver as pessoas que protestavam contra Mossadegh", recorda Bahman Nirumand, que testemunhou o golpe de perto, como estudante em Teerã. "Havia entre eles quadrilhas de marginais assassinos e gente pobre da zona sul da cidade, que havia sido subornada com dinheiro." Quando os militares, fiéis ao xá, intervieram, Mossadegh foi derrubado, e a experiência democrática no Irã teve um fim abrupto.

Revolução islâmica

"Já durante o golpe, havia suspeita de que ele não fora organizado pelos iranianos", ressalta Nirumand. Rapidamente a suspeita virou certeza, pois o xá recebeu apoio maciço dos EUA. A nacionalização da indústria petroleira foi revertida: metade das receitas do petróleo passaram a ser destinadas ao Irã, a outra metade, a um consórcio de 17 empresas, a maioria americanas e britânicas.

Provas dos ressentimentos antiamericanos nas ruas de TeerãFoto: picture-alliance/dpa

O xá Reza Pahlavi estabeleceu uma ditadura, com apoio militar, financeiro e de pessoal dos Estados Unidos. "Havia na época mais de 10 mil consultores americanos no Irã", lembra Bahman Nirumand. "Eles praticamente dominaram o país durante 25 anos."

O xá foi derrubado no início de 1979 pela revolução islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini. "A lembrança de Mossadegh esteve foi muito presente durante os protestos", afirma Martschukat. Em meio às manifestações contra o xá, em 1978, muitos manifestantes empunhavam retratos do ex-primeiro-ministro. E quando, no final de 1979, iranianos invadiram a embaixada dos EUA em Teerã, tomando 52 diplomatas ocidentais como reféns, o lugar tinha um grande poder simbólico: naquele edifício fora tramado o golpe contra Mossadegh.

Desconfiança recíproca

"A derrubada de Mossadegh deixou um trauma, sentido até hoje na sociedade do Irã", crê Bahman Nirumand. Ele atribui ao sentimento popular após a destruição da democracia iraniana pela CIA, grande parte do sucesso da propaganda antiamericana dos mulás no país, mesmpo 60 anos depois do golpe. "Os ativistas muçulmanos do Irã tocam no assunto até hoje e dizem 'simplesmente não dá para confiar nos americanos'."

Xá Reza Pahlavi com sua esposa, Soraya: soberano influenciado pela CIAFoto: picture alliance/Keystone

Por outro lado, a invasão da embaixada em 1979 solidificou para Washington a imagem do Irã como um inimigo dos Estados Unidos", considera o especialista Martschukat. Na sequência, os EUA e o Irã têm cultivado de tal forma a antipatia mútua, que negociações diretas entre os dois países são até hoje quase impossíveis.

A curto prazo, o golpe de 1953 foi de grande benefício para os norte-americanos, ao garantir aos EUA, por 25 anos, a lealdade do xá e o acesso quase irrestrito às reservas de petróleo iranianas. Mas a longo prazo, o golpe provou ter sido um grande erro. "Nós, historiadores, somos relativamente unânimes quanto a isso", assegura Martschukat.

No início de 1950, os EUA eram populares não só no Irã, mas em todo o Oriente Médio. "Como um Estado que se tinha libertado de seu status de colônia em relação à Europa, os EUA serviam como um modelo." Até o país decidir derrubar uma democracia, por interesses puramente econômicos, e substituí-la por uma ditadura. "Nesse ponto, os EUA certamente cometeram um erro", conclui o historiador.

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