Só em Berlim, trens que partiram da plataforma 17 da estação Grunewald levaram 50 mil pessoas para os campos de concentração. Uma testemunha que escapou do terror luta para manter viva a memória do Holocausto.
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Horst Selbiger se preparou longamente para o discurso que fará nesta quarta-feira (19/10) para os convidados da cerimônia que lembra o início das deportações de judeus para os campos de concentração nazistas. Ele falará diante de inúmeras celebridades, entre elas o presidente do Bundestag (Parlamento alemão), Norbert Lammert.
Selbiger, de 88 anos, conhecia pessoalmente muitas das pessoas que foram enviadas para a morte a partir da chamada plataforma 17, em Berlim. Entre elas estão amigos próximos e muitos parentes. Ele e seus pais tiveram sorte, pois não foram deportados.
Para preparar seu discurso, Selbiger viajou de Berlim até o destino dos primeiros "transportes para o Leste", a cidade de Lodz, na Polônia – chamada de Litzmannstadt durante a ocupação nazista na Polônia. "E, então, tudo voltou à memória", conta Selbiger em seu pequeno apartamento em Berlim. "É incrível a brutalidade com que esses nazistas agiam e levavam, às câmaras de gás, pessoas que eram completamente inocentes."
"Reassentamento"
A deportação sistemática de judeus da Alemanha para o Leste começou em meados de outubro de 1941. Ou seja, meses antes da Conferência de Wannsee, onde o assassinato sistemático de judeus foi meticulosamente planejado.
Nos documentos oficiais dos nazistas sobre a deportação, eles descrevem a medida eufemisticamente como "reassentamento", "evacuação" ou "transferência". Na verdade, as pessoas eram levadas ao encontro da morte, aos guetos, aos campos de concentração pela então companhia ferroviária alemã, a Deutsche Reichsbahn. No início, elas eram transportadas em velhos vagões ferroviários; mais tarde, em vagões superlotados usados para transportar gado.
O primeiro transporte de Berlim deixou a estação de trem Grunewald em 18 de outubro de 1941, a partir da plataforma 17. Eram 1.089 crianças, mulheres e homens que foram deportados para a então Litzmannstadt. O terror nazista vitimou, ao todo, 50 mil judeus de Berlim.
Memória como missão
Hoje, a antiga estação é um memorial nos arredores da capital. É neste lugar que Selbiger fará o seu discurso. "A plataforma 17 é, para mim, o lugar de onde emanava todo o sofrimento. Nós, crianças, sabíamos mais do que os adultos. Sabíamos, no mais tardar desde 1941, que os judeus estavam sendo mortos como se fossem parasitas."
Os adultos, relata Selbiger, queriam enganar a si mesmos. Mas Selbiger – então com 13 anos – e seus colegas de escola observavam já havia muito tempo como os judeus eram deportados. "Nós, crianças, sabíamos o que acontecia muito antes dos adultos."
Selbiger nasceu em 1928 em Berlim. Sua mãe não era judia, mas ele foi educado religiosamente por vontade do pai. Selbiger frequentou uma escola judaica até ela ser fechada. A partir de 1942 foi obrigado a fazer trabalhos forçados. Em fevereiro de 1943 foi preso e escapou por pouco – assim, como seus pais – da deportação para Auschwitz.
Há anos, Selbiger é voluntário e dá palestras, trabalhando para manter viva a memória do Holocausto. Ele foi cofundador da organização de autoajuda Child Survivors Deutschland – Crianças que sobreviveram à Shoah. "Foram deportadas e assassinadas 61 pessoas com o sobrenome Selbiger. Entre elas, o meu primeiro amor. E todas essas pessoas pedem para que a história delas seja contada. E é isso que vou fazer enquanto eu puder", afirma.
O Memorial do Holocausto
Artístico, abstrato, imponente. O monumento lembra, desde 10 de maio de 2005, que foi em Berlim que o extermínio dos judeus europeus foi planejado e organizado. Hoje, ele é uma atração turística popular.
Foto: picture-alliance/Wolfram Steinberg
Monumento incomum
Normalmente, monumentos celebram heróis de uma nação. O Memorial do Holocausto de Berlim é exatamente o oposto. Ele é, como afirmou o famoso escritor Martin Walser, em 2011, "o primeiro monumento construído por um povo em memória de seus crimes". A construção recebe diariamente milhares de pessoas e fica 24 por dia aberto ao público.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Obra de arte imponente
Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas assassinaram seis milhões de judeus. O genocídio é considerado o maior crime da história. "É um enorme monumento. Ele faz juz ao crime que se destina a lembrar. E o mais incrível é que ele é uma obra de arte", disse Walser. Na foto, é possível ver, ao fundo, a Potsdamer Platz.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Stache
Como um campo ondulado
Em meados de 1998, foi apresentado o modelo para o memorial nas proximidades do Portão de Brandemburgo. Antes, houve uma concorrência. Quatro projetos foram escolhidos. Entre eles, o de um campo repleto de blocos de concreto, do arquiteto americano Peter Eisenman. O então chanceler alemão, Helmut Kohl, achou a ideia a melhor e se empenhou pela sua construção.
Foto: picture-alliance/dpa
O nascimento da ideia
A ideia para o Memorial do Holocausto nasceu em 24 de agosto de 1988, durante um painel de discussão em Berlim Ocidental. A jornalista Lea Rosh reivindicou a construção de um memorial na cidade. Sem a dedicação dela, o monumento não existiria. Ela fez do projeto seu objetivo de vida. Na foto, Rosh faz um discurso durante a inauguração simbólica das obras do monumento, em janeiro de 2000.
Foto: picture-alliance/Berliner_Zeitung
No coração de Berlim
A construção, no centro de Berlim, demorou vários anos. O monumento, de grandes dimensões, entre Reichstag, Portão de Brandenburgo e a Potsdamer Platz, é uma tarefa hercúlea. Ele foi construído em uma área de 19 mil metros quadrados, contendo 2.710 blocos de concreto, dispostos simetricamente. Todos eles ocupam a mesma área, mas têm diferentes alturas. Os custos foi de 27 milhões de euros.
Foto: picture-alliance/dpa
O Stonehenge de Berlim
O monumento se tornou uma atração turística. Todos os anos, centenas de milhares de turistas mergulham no mar de blocos de concreto, muitos deles judeus de diferentes países. O Memorial do Holocausto é um dos lugares mais visitados da capital alemã.
Foto: picture-alliance/Wolfram Steinberg
Detalhes sobre o Holocausto
Sob o campo de blocos de concreto, está um centro de informação. O museu complementa a forma abstrata da lembrança expressada pelo monumento. A exposição permanente dá nomes e rostos às vítimas, mostra destinos individuais e de famílias, suas vidas, sofrimento e morte. Não há imagens dramáticas. O terror se desenrola nas mentes dos visitantes.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Grimm
Solidão e desorientação
O quanto mais fundo a pessoa entra no labirinto ondulante, mais aumenta a sensação de desorientação existencial. O visitante perde a noção de lugar. No meio de Berlim, é possível se estar infinitamente longe de tudo. A pessoa pode se sentir solitária, ameaçada, abandonada. É uma tentativa de transmitir a sensação, em escala menor, que a maioria das vítimas do Holocausto experimentou.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Spata
O arquiteto
Peter Eisenman (82 anos), autor do memorial, se diz satisfeito que o monumento seja tão bem recebido, que crianças brinquem de se esconder, que jovens façam selfies e casais se beijem. Ele não tinha intenção de criar "um lugar sagrado". Ele também gosta do fato de que o memorial seja tão abstrato. "As pessoas não pensam nem em um campo de concentração ou sequer em algo terrível", ressalta.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen
Convite à reflexão
"Não é possível organizar a forma como as pessoas se lembram do Holocausto", diz Peter Eisenman. Alguns vêm com flores, outros rezam, se sentam nos blocos, brincam, riem ou refletem. Em Berlim, todos são livres para decidir como querem se lembrar do Holocausto. O memorial está sempre aberto e livre. A lembrança também.