Há 80 anos começava o Levante do Gueto de Varsóvia
Rosalia Romaniec
19 de abril de 2023
Primeiro levante contra os nazistas começou em 19 de abril de 1943, quando centenas de judeus confinados no gueto de Varsóvia resolveram enfrentar as tropas alemãs.
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Krystyna Budnicka tinha 11 anos de idade quando testemunhou o Levante do Gueto de Varsóvia, capital da Polônia. Ela não chegou a ver as lutas, mas sentiu os efeitos no próprio corpo. "Lá em cima, tudo estava pegando fogo, por isso a terra no abrigo subterrâneo ficava tão quente que nós tínhamos que escapar a toda hora para a canalização de esgoto, para nos refrescarmos."
"Durante vários dias, corremos para lá e para cá pelo tunelzinho no canal imundo onde cadáveres às vezes apareciam boiando. Quando os alemães notaram que os canais eram usados como rota de fuga, passaram a atirar assim que as cabeças apareciam para fora dos bueiros", lembra Budnicka, hoje com 91 anos.
Caçula de oito filhos, ela foi batizada Hena Kuczer. Seus dois irmãos mais velhos foram mortos nas câmaras de gás do campo de Treblinka, durante as grandes deportações de judeus de 1942. O pai, que era carpinteiro, decidiu não mais assistir inativo aos horrores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
"Junto com os filhos homens que haviam restado, ele começou a construir um abrigo debaixo do porão da nossa casa", conta a sobrevivente do Holocausto. Lá, escondeu a família, no início de 1943. O esconderijo era ligado à canalização por um túnel, e inicialmente também dispunha de eletricidade e água corrente. A família esperava um dia escapar pelos esgotos com vida .
Depois que os dois irmãos mais velhos foram deportados, os outros quatro irmãos de Krystyna passaram a cuidar da família. Com frequência eles deixavam o abrigo, apoiavam o levante e arranjavam algo para comer. Um dia, dois dos rapazes saíram do canal na hora errada e foram fuzilados.
Sobre os revoltosos, a senhora polonesa conta: "Eles lutavam, não tanto pela própria vida, mas mais pela dignidade de todos nós. Os alemães queriam privar a nós, judeus, da condição de humanos. Esse levante mostrou que eles não conseguiram."
Poder de decidir sobre a própria morte
O gueto de Varsóvia foi instituído em 1940, no bairro judaico da capital polonesa. Até 400 mil judeus viviam ali até a onda de deportações para os campos de extermínio, dois anos mais tarde. Depois das deportações, apenas cerca de 60 mil pessoas ficaram na área cercada por muros.
Mas, nos primeiros meses de 1943, Heinrich Himmler – então ministro do Interior do regime nazista – ordenou a dissolução definitiva do gueto.
Até então, a maior parte dos judeus se opunha à resistência armada, entre outros por motivos religiosos. Porém, quando as últimas deportações em massa estavam prestes a começar, centenas de jovens decidiram lutar.
No dia 19 de abril de 1943, as tropas alemãs encontraram resistência inesperada quando entraram no gueto. Os jovens judeus sabiam que sua situação não tinha saída, pois faltavam-lhes armas, comida e apoio. Mesmo assim, resistiram durante três semanas, entregando-se a uma luta renhida. Quando, no início de maio, os nazistas cercaram o quartel dos insurgentes, estes cometeram suicídio coletivo.
"Eles queriam poder decidir a forma como iam morrer", explica Zygmunt Stępiński, diretor do Museu da História dos Judeus Poloneses em Varsóvia. Para os combatentes do gueto, sua morte era um manifesto político. "Eles queriam mostrar que os judeus são capazes de se defender, que haviam organizado o primeiro de todos os levantes armados contra os nazistas", acrescenta Stępiński.
Krystyna Budnicka confirma que essa luta foi um símbolo importante, pois em seguida os judeus de outros guetos menores também se opuseram aos opressores.
Sobrevivente de Auschwitz, o ex-ministro do Exterior da Polônia Władysław Bartoszewski classifica a resistência no gueto de Varsóvia como "um levante romântico", numa referência à determinação desesperada dos jovens revoltosos. Ele diz ter por eles o mais alto respeito e admiração, pelo fato de haverem "preferido morrer com a arma na mão a serem transportados para os campos de extermínio".
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Balanço do horror
O encarregado da repressão da revolta foi Jürgen Stroop, o comandante da SS, organização paramilitar nazista. Em maio de 1943, ele relatava que "56.065 foram capturados e comprovadamente liquidados".
Apenas poucos sobreviveram – entre eles a menina Krystyna Budnicka. Ela sobreviveu nove meses com a família no esconderijo. Em setembro do mesmo ano, seu irmão Rafal conseguiu ajuda para a família junto à organização clandestina Zegota, que salvou muitos judeus do extermínio.
Por fim, Krystyna e seu irmão mais novo escaparam do canal. Seus pais e irmã deveriam segui-los, mas os adultos estavam esgotados demais para escalar para fora do abrigo subterrâneo. Assim permaneceram na canalização, com a promessa de se juntar aos filhos mais tarde. A segunda filha optou por ficar com eles.
Porém, não foi possível realizar uma segunda tentativa de fuga, e os três morreram no esconderijo. Várias famílias polonesas deram guarida à pequena Hena Kuczer até o fim da guerra. De uma delas, ela recebeu o nome Krystyna Budnicka, que manteve até hoje, como única sobrevivente entre os dez membros de sua família.
A difícil relação judaico-polonesa
Krystyna celebra todos os anos o 19 de abril, junto com um pequeno grupo de pessoas, no Memorial pelos Heróis do Levante do Gueto de Varsóvia. Lá, ela acende uma vela – afinal, não existe nenhuma sepultura que ela possa visitar para homenagear a família. Mas neste ano será diferente. Depois de 80 anos, um grupo de historiadores encontrou o local onde seu pai construiu o esconderijo e de onde a menina de apenas 11 anos fugira pelo canal.
Naquele pequeno beco, pontualmente para o 80º aniversário do levante, será erguida uma lápide para as vítimas da família Kuczera.
Budnicka honra com prazer a memória das vítimas do gueto. Até porque, na Polônia comunista, havia pouco espaço para relembrar os mortos judeus. O papel deles na história era tratado como tabu, até mesmo instrumentalizado politicamente. Também por isso a própria Krystyna Budnicka silenciou durante décadas.
Hoje, tudo está em transformação, as relações judaico-polonesas são discutidas de forma mais intensa do que nunca. No aniversário de 70 anos do levante, foi inaugurado o Museu da História dos Judeus Poloneses. Ele fica diante do Memorial pelos Heróis do Levante, na região do antigo bairro judaico.
Uma vez que os nazistas arrasaram o gueto após a supressão da revolta, quase não sobraram resquícios para recordar os acontecimentos. Terminada a Segunda Guerra Mundial, lá foi construído um conjunto residencial para operários.
Para além do Holocausto
O Museu da História dos Judeus Poloneses torna o passado deles mais tangível. São discutidas também questões controversas como: por que as vítimas não receberam mais apoio do exterior? Os insurgentes até foram equipados com armas, mas isso não bastou, nem de longe, dizem historiadores e sobreviventes. Eles advertem, no entanto, contra uma visão excessivamente simplista da situação na época, e alertam para que não se esqueça o apoio efetivamente prestado.
"Sem poloneses corajosos, eu não teria sobrevivido", resume Krystyna Budnicka. E lembra que ajudar judeus na Polônia acarretava penas mais severas do que em outros países da Europa: não era só quem prestava assistência que corria riscos de ser fuzilado, mas também suas famílias.
Budnicka se alegra pelo grande museu estar localizado em meio ao antigo bairro judaico, num registro tanto da história nacional dos judeus quanto do Levante do Gueto de Varsóvia. "O assunto aqui vai além do Holocausto. Trata-se de numerosos judeus que eram poloneses excepcionais, e que há milhares de anos também deixam suas marcas no país."
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
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1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.