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HistóriaBrasil

Há 90 anos, Brasil tinha seu primeiro horário de verão

3 de outubro de 2021

Instituída por Getúlio Vargas em 1931, mudança de horário só passou a ser adotada de forma constante a partir de 1985. Dois anos após extinção da medida por Bolsonaro, crise hídrica motiva discussões sobre retomada.

Homem mexe em ponteiros de grande relógio
Especialistas divergem sobre eficácia do horário de verão para economia de energia nos dias de hojeFoto: picture-alliance/ZUMA Wire/D. Oliveira

Com apenas três justificativas, bastante simples e concisas, o então presidente Getúlio Vargas instituiu pela primeira vez o horário de verão no Brasil há exatos 90 anos, em 3 de outubro de 1931.

Publicado dois dias antes, o decreto de número 20.466 enumerava que a adoção do regime se devia aos fatos de que "a hora de economia de luz no verão pode ser adotada com grande proveito para o erário público"; "a prática dessa medida, já universal, traz igualmente grandes benefícios ao público, em consequência da natural economia da luz artificial"; e "a execução dessa providência consiste apenas em avançar de uma hora os ponteiros dos relógios".

Então, das 11h da manhã do dia 3 de outubro daquele ano até o dia 31 de março do ano seguinte, todo o território nacional esteve em horário de verão.

Depois disso, até os anos 1980, a medida foi inconstante, com a adoção da mudança ocorrendo de forma esparsa, em anos específicos. Até que, do verão de 1985 ao de 2018, tornou-se praxe — sendo finalmente regulamentada pelo decreto 6.558, de 2008, sob o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Sem adentrar em justificativas, o texto da lei apenas normatizava que "a hora de verão" deveria ocorrer a partir do terceiro domingo do mês de outubro, até o terceiro de fevereiro. Com uma exceção: "no ano em que houver coincidência entre o domingo previsto para o término da hora de verão e o domingo de Carnaval, o encerramento da hora de verão dar-se-á no domingo seguinte".

Extinção do horário de verão

Entretanto, o próprio modus operandi da vida contemporânea suscitou argumentos sobre a real eficácia, para os dias atuais, dessa mudança nos relógios. Seja pela atual configuração dos ambientes de trabalho, praticamente independentes da iluminação natural e com aparelhos como ar-condicionado ligados o tempo todo, seja pelas novas tecnologias, com lâmpadas de LED que consomem pouquíssima energia, especialistas passaram a pesar se a economia pequena obtida com a adoção do horário específico valia diante do custo social.

E, no Brasil polarizado dos últimos anos, o embate também chegou à seara política. Ainda na campanha eleitoral, o atual presidente Jair Bolsonaro defendeu extinguir o horário de verão. E realmente o fez, pelo decreto 9.772, de abril de 2019.

O assunto parecia encerrado. Mas, na maior crise hídrica dos últimos tempos, quando qualquer economia parece bem-vinda, o tema voltou à baila. Em setembro, o Ministério das Minas e Energia chegou a solicitar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) um estudo sobre a medida.

Uma pesquisa recente do Datafolha constatou que 55% dos brasileiros são favoráveis à volta do horário de verão, frente a 38% contrários. Nos bastidores, há pressão de setores do empresariado pela adoção do modelo, frente ao receio de que o Brasil, profundamente dependente de energia oriunda de matriz hidrelétrica, enfrente apagões em breve.

Porém, na última quinta-feira (30/09), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o governo não retomará o horário de verão. Em entrevista durante a inauguração de uma termelétrica, ele disse que o mesmo "não se faz necessário".

Prós e contras

Entre especialistas ouvidos pela DW Brasil, não há um consenso. Para o economista Nivalde de Castro, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em um cenário de crise energética, "qualquer que seja a redução do consumo ajudará a evitar a necessidade de impor cortes seletivos no horário de maior demanda, justamente ao anoitecer".

Esse período é considerado de pico porque é quando há uma confluência entre os consumos comercial e industrial — cujas atividades ainda não cessaram — e o doméstico — com a chegada das pessoas a suas casas e o uso de chuveiros elétricos, lâmpadas e aparelhos em geral.

"Nesse momento qualquer redução de demanda é ultraimportante, e o horário de verão permite, em média, uma economia de 3% de consumo de energia elétrica", afirma o economista.

Já o físico Fábio Raia, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que a eventual economia proporcionada pelo horário de verão é "irrisória" e não justifica os transtornos sociais causados pela medida.

"Quando o horário de verão foi adotado pela primeira vez, a energia era rara, cara e escassa. E os meios de produção contavam muito com a iluminação natural, as pessoas trabalhavam em fábricas com a luz natural vinda das janelas", pontua.

"Hoje, a retórica de economizar energia segue válida, mas se tornou algo irrisório. Lâmpadas de LED têm baixíssimo consumo. Casas, lojas e indústrias ficam fechadas, têm vidros escuros, ar condicionado… Dentro desses lugares você nem sabe se é dia ou noite lá fora, nenhum escritório grande trabalha com janelas abertas."

Raia diz que a questão virou mais um "posicionamento político do que uma discussão energética". "Economia de energia hoje se faz com outras políticas, de outras maneiras, e não com o horário de verão", comenta.

Ele reconhece, contudo, que a vantagem da adoção do formato ainda existe quando se pensa em deslocar o horário de pico.

Esse é o principal ponto defendido pelo economista Diogo Lisbona Romeiro, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Porque o que acontece é que nesses momentos em que há uma demanda maior, as hidrelétricas precisam funcionar em suas capacidades máximas.

"Como os reservatórios estão muito baixos [por causa da estiagem histórica], esvaziados, as hidrelétricas acabam gastando mais água para gerar o mesmo potencial [de energia], já que com menos queda d'água elas estão menos produtivas", explica. Ao reduzir esse consumo simultâneo, deslocando o horário de pico, o mecanismo "reduz a ponta, respondendo ao desafio atual que é reduzir o nível de esvaziamento dos reservatórios".

"Mas o horário de verão não vai resolver [o problema], não vai salvar a crise. [Se restabelecido] seria mais uma medida adicional. Que poderia ter alguma contribuição, ainda que pequena", enfatiza o economista.

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