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HistóriaEuropa

Há cem anos, Bruxelas vivia incerteza sobre fim da guerra

8 de novembro de 2018

Situação ao fim da Primeira Guerra Mundial era caótica, e rebeldes alemães chegaram a ocupar de fato o poder. Do armistício ao retorno do rei passaram-se vários dias, como relembra uma exposição no Museu BELvue.

População de Bruxelas após o fim da Primeira Guerra
População de Bruxelas lutou para sobreviver após o fim da Primeira GuerraFoto: Belgisches Nationalarchiv

"A guerra acabou mesmo?" Em 11 de novembro de 1918, corriam novamente boatos pela cidade ocupada de Bruxelas: os alemães foram finalmente derrotados, dizia-se, e um armistício poderia ser assinado. Mas, no centro da cidade, na prefeitura, na estação ferroviária sul, os disparos continuavam em muitas ruas. Ainda se combatia.

Ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo. Os ocupantes alemães censuraram a imprensa belga. Havia apenas alguns jornais clandestinos. As notícias vazavam através da mídia estrangeira, como a holandesa, por exemplo. Mas, até se ter a certeza de que a guerra havia terminado, passaram-se dias.

Na exposição Bruxelas, novembro de 1918, o Museu BELvue, na capital belga, mostra através de fotos históricas, filmes e documentos como os belgas viveram o caos dos dias após o fim da Primeira Guerra Mundial.

Soldados revolucionários e moral contido

Entre 9 e 15 de novembro de 1918, os soldados alemães em Bruxelas começaram a lutar entre si. Com a queda do Império Alemão, os rebeldes entre os soldados alemães proclamaram a revolução também na Bélgica. No domingo, 10 de novembro, fundaram um "Conselho de Soldados" para governar a cidade. Mas os oficiais e soldados leais ao imperador não aderiram à ideia, dispararam contra os antigos camaradas e ficaram aguardando ordens de Berlim, que jamais vieram.

"Era uma situação muito estranha", diz Chantal Kesteloot, do Arquivo Estatal belga. "Até 14 de novembro, a cidade ficou nas mãos do Conselho de Soldados. Ela não foi liberada pelas tropas aliadas, mas pelos soldados alemães que se rebelaram." Os revolucionários do Conselho de Soldados tentaram até se aliar à população belga, mas os habitantes de Bruxelas haviam sofrido muito durante os quatro anos de ocupação alemã. Eles estavam morrendo de fome e de frio, diante da escassez de alimentos e carvão naqueles dias gelados de novembro.

"Não foi uma euforia, como seria de se esperar", observa Kesteloot. "As pessoas ficaram dentro de casa porque tudo era muito confuso". Não houve festas nem júbilo pelas ruas enquanto os alemães ainda se encontravam em Bruxelas. Os últimos partiram de trem, e só o fizeram quando os Aliados entraram na cidade, em 16 de novembro, cinco dias após o armistício.

Só no dia seguinte, um domingo, os Aliados libertaram da prisão o prefeito Adolphe Max. E só quando ele pôde falar à multidão, na Praça do Mercado, diante da histórica prefeitura renascentista, ficou finalmente claro: a guerra acabou. "Foi uma alegria, como se a Bélgica se tivesse vencido a Copa do Mundo", comenta a curadora do museu BELvue. As pessoas ousaram alçar novamente a bandeira da Bélgica.

Rei Alberto 1º encenou retorno triunfal à capital belgaFoto: Belgisches Nationalmuseum

O rei não retorna de imediato

Também o rei Alberto 1º precisou de tempo para voltar. Por quatro anos, ele comandara seu Exército, resistindo firmemente na região oeste da Bélgica, que não fora ocupada pelos alemães. Pensando em sua imagem, o monarca queria uma entrada triunfante em Bruxelas. "O rei retornou em 20 ou 21 de novembro. A marcha triunfal foi organizada para o dia 22. Tratava-se de um ato simbólico, para libertar oficialmente Bruxelas e a Bélgica", explica Kesteloot.

Assim, houve algum tempo para preparar a cerimônia, os primeiros monumentos e memoriais foram construídos a toque de caixa. Milhares de espectadores de todo o país acorreram a Bruxelas a pé ou em carroças puxada a cavalo. A exposição no museu BELvue mostra, entre outras coisas, imagens de duas equipes de filmagem que registraram a entrada do rei em celuloide, para a posteridade.

Alberto montava um cavalo branco para que se pudesse distingui-lo facilmente dos demais cavaleiros, montados em cavalos escuros. Capa de uniforme e elmo de aço eram sua marca registrada. O rei, adorado pelos seus súditos, anunciou reformas democráticas no próprio 22 de novembro.

Foi introduzido o direito de voto igualitário, segundo o princípio "um homem, um voto". Alberto 1º foi o primeiro monarca belga que permitiu ser acompanhado constantemente pela imprensa, reconhecendo a importância do filme como novo veículo para propaganda. Durante a guerra, deixou que o Exército fosse acompanhado por duas equipes de filmagem. No entanto, era proibido mostrar combates ou soldados mortos.

Memorial em Bruxelas lembra pombos-correios empregados no front de batalhaFoto: DW/B. Riegert

Para sobreviventes, a gripe espanhola

Cem anos atrás, cerca de 700 mil pessoas habitavam Bruxelas e arredores, sem contar quase 100 mil refugiados, expulsos dos campos de batalha no norte da França e em Flandres. "Para alguns, ajudar os refugiados era uma obrigação patriótica, pois isso era visto como uma forma de resistência aos alemães", explica Kesteloot. "Mas havia também muita gente que reagia aos refugiados com hostilidade e xenofobia."

Alimentar e abrigar tanta gente foi uma dificuldade constante, durante meses. O abastecimento de alimentos funcionou na capital até meados de 1920, com cartões de racionamento e gestão estatal. "A população estava muito mais fraca do que em 1914. Mas Bruxelas não tinha sido destruída como outras cidades da Bélgica, que sofreram fortes danos devido aos combates; lá não houve combates pesados."

Para além das consequências da guerra, Bruxelas e toda a Bélgica combatiam um inimigo invisível: a gripe espanhola. No mundo inteiro, o vírus atacou pelo menos 25 milhões de pessoas entre 1918 e 1920. Em Bruxelas foram milhares de vítimas, muito mais do que os mortos na cidade por causa da guerra.

O vírus – que apesar do nome não veio da Espanha, mas foi supostamente trazido para a Europa por soldados americanos – não encontrou obstáculos para se espalhar entre uma população debilitada. Até hoje não se sabe por que a doença foi quase sempre fatal, especialmente para os jovens entre 18 e 28 anos.

"Para os pais, era difícil aceitar que seu filho tivesse sobrevivido quatro anos nas trincheiras ou numa cidade ocupada para, de repente, morrer de gripe em Bruxelas", comenta a curadora, que também estudou diários de soldados e suas famílias.

Apenas em Bruxelas, 300 nomes de ruas em memória de batalhas ou heróis de guerra recordam a Grande Guerra, como ela é chamada na Bélgica devido ao grande número de mortos. Existem dezenas de monumentos, entre outros, em memória de ferroviários caídos ou dos pombos-correio usados como mensageiros no front durante a Primeira Guerra.

Belgas de origem alemã ou alemães que viviam na Bélgica mesmo bem antes da guerra foram deportados ou expulsos. Para eles começou, como diz o título de um livro, "a guerra depois da guerra".

 

 

Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.
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