O candidato do PT parecia intimidado na noite da eleição, diante da onda conservadora que atinge o Brasil. Será que ele já jogou a toalha ou ainda terá forças para virar o jogo, questiona o colunista Thomas Milz.
Anúncio
Nos dias anteriores à eleição, a onda política pró-Bolsonaro era palpável. A foto de Bolsonaro estava em todos os lugares, em bandeiras, santinhos e adesivos. Já dos outros partidos e candidatos, pouco se via. Era como se o coelho assustado olhasse hipnotizado para a serpente, incapacitado de se mexer.
Um clima de medo também era palpável, tanto quanto eu nunca experimentara antes de uma eleição nos 20 anos em que estou aqui. Uma conhecida me contou que, no caminho para a padaria, foi ameaçada por cinco jovens com camisetas do Bolsonaro porque ela vestia um top vermelho.
E no avião, no sábado, um senhor idoso usando uma camiseta do Lula foi ameaçado por outro passageiro, que disse que logo ele também iria parar na cadeia. No aeroporto, os motoristas de táxi aplaudiam os passageiros que chegavam com camisas do Bolsonaro. E, em todos os lugares, eu via fisiculturistas com as camisas escuras e tatuagens – será que eles são seguidores de Bolsonaro?
Fernando Haddad também parecia intimidado quando apareceu diante da imprensa na noite da eleição. Será que seus assessores não lhe disseram para sorrir para a multidão, como fazia valentemente sua vice, Manuela D'Ávila? E para que fizesse um discurso agressivo, no qual se dirigisse aos eleitores do centro do espectro político? Em vez disso, Haddad gaguejou de forma peculiarmente insegura. Ele visita o ex-presidente Lula da Silva com tanta frequência, será que não pode pegar lá nenhuma dica para discursos inflamados?
Diante da forte rejeição de Lula entre os que não são simpatizantes do PT, Haddad deveria se abster de visitar seu mentor em Curitiba nesta segunda-feira. O sinal seria devastador: Haddad, o fantoche. O que seus conselheiros dizem sobre isso? Não seria agora o momento certo de fazer um mea culpa junto com um estrondoso chamado ao ataque? Ou será que Haddad não tem, dentro do PT, liberdade para desenvolver seu próprio perfil, que precisa ir além das fronteiras políticas do PT para poder vencer?
Ainda mais surpreendente do que a contenção de Haddad, no entanto, foi a apresentação do próprio triunfante Bolsonaro. Ou melhor: a não apresentação. Podia ser esperada, frente ao excelente resultado, uma aparição festejada diante de seguidores entusiasmados. Em vez disso, Bolsonaro postou na internet um vídeo caseiro mal iluminado, onde leu um texto sem graça por 15 minutos.
Em tom quase de choro, queixou-se das injustiças do mundo, incluindo supostas manipulações nas urnas, que lhe teriam custado a vitória. Ele acusou o PT de Haddad de dispor de bilhões para a próxima campanha e do apoio de grandes setores da imprensa. Discursos de vitória soam bem diferentes disso.
Enquanto isso, seu guru da economia, Paulo Guedes, estava sentado ao lado dele com cara de tédio. A intérprete de libras à sua esquerda até deu um certo tom de comicidade ao vídeo pouco inspirado. O que era aquilo? Ou será que nem mesmo ações de marketing tão ruins como essa afetam Bolsonaro?
Se de fato ocorrerem debates na televisão entre Bolsonaro e Haddad, o perigo é que tenhamos uma tragédia midiática, e isso justamente quando seria necessário – pelo menos para o campo de Haddad – motivar e mobilizar os 30 milhões de brasileiros que no domingo não votaram em nenhum candidato para que se desloquem às urnas em 28 de outubro. Pois nesses eleitores resta aquela que talvez seja a única chance de Haddad de virar o jogo.
Ou Bolsonaro já ganhou, mesmo – isso ao menos explicaria a falta de entusiasmo de Haddad. A ver.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
----------------
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp |
Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.