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Haroldo de Campos, poeta da "transcriação"

pc19 de agosto de 2003

Falecido aos 73 anos (16/08/2003), Haroldo de Campos foi poeta, crítico, ensaísta e tradutor. Seu nome está ligado tanto à literatura brasileira quanto à alemã.

O nome de Haroldo de Campos está intimamente relacionado à Poesia Concreta, o movimento literário surgido nos anos 1950, que colocou a poesia brasileira no cenário internacional.

Mais do que um movimento literário, o concretismo – como é conhecida a Poesia Concreta – foi um processo de renovação artística reunindo também artistas plásticos e músicos. No Brasil, cristalizou-se com a criação do grupo Noigrandes (1952), reunindo, além de Haroldo de Campos, seu irmão Augusto de Campos e poetas como Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald.

Nos países de língua alemã, o concretismo está associado aos nomes de Ernst Jandl, Heinz Gappmayr, Gerhard Rühm, ao grupo de Stuttgart em torno de Max Bense, Helmut Heissenbütel e Reinhard Döhl.

A palavra, a imagem e o som

A revista Invenção, lançada em São Paulo nos anos 60, cristalizou as idéias radicais de toda uma geração: romper com o lirismo sentimental para valorizar a palavra, a imagem e o som. A poesia se aproxima tanto da música, quanto das artes plásticas. O exemplo emblemático é a "música concreta", movimento musical lançado em Paris, no final da década de 40, pelo compositor e teórico francês Pierre Schaeffer.

A poesia, no final das contas, está entre a pintura e a música, afirmou Haroldo de Campos. Os poemas concretas ampliam a semântica do texto, valorizam a palavra nas suas dimensões espaciais (distribuição na página), tipográficas (letras e cores) e fonéticas (som). Tudo isso contribui para constituir o sentido.

Em 1964, Haroldo de Campos veio a Stuttgart lecionar literatura brasileira contemporânea. Essa estadia estreitou os laços com os poetas e filósofos alemãs. Escreveu, por exemplo, ensaios sobre o poeta alemão Kurt Schwitters (1887-1948), um dos pioneiros da poesia sonora, e sobre Max Bense (1910-1990), filósofo, matemático e semioticista alemão.

A tradução como transcriação

A tradução é um dos aspectos mais importantes da obra de Haroldo de Campos. Ele traduziu, grandes nomes da literatura mundial, como Goethe (do alemão), Ezra Pound, James Joyce (do inglês), Maiakovski (do russo), Mallarmé (do francês), Dante (do italiano) e Octavio Paz (do espanhol).

Suas traduções incluem poesia chinesa, japonesa, grega e textos em hebreu. Recentemente, publicou uma nova tradução da Ilíada de Homero, após dez anos de trabalho.

A tradução, segundo Haroldo de Campos, é muito mais do que transportar o texto de um idioma para outro. Elementos da estrutura do poema, como o ritmo e as combinações sonoras (rimas, assonâncias, etc), são muitas vezes mais importantes do que a semântica das palavras.

Por isso, não basta traduzir o sentido as palavras: é preciso recriar o texto, restituir sua estrutura original em outro idioma. A tradução vira assim uma "transcriação", na concepção de Haroldo de Campos.

Leia, por exemplo, esses dois poemas de Brecht, transcriados por Haroldo de Campos:

Die Maske des Bösen

An meiner Wand hängt ein japanisches Holzwerk,
Maske eines bösen Dämons, bemalt mit Goldlack.
Mitfühlend sehe ich die geschwollenen Stirnadern,
andeutend: wie anstrengend es ist, böse zu sein.

A máscara do mal

Na minha parede, a máscara de madeira
de um demônio maligno, japonesa –
ouro e laca.
Compassivo, observo
as túmidas veias frontais, denunciando
o esforço de ser maligno.

Epitaph für Maiakowki

Den Haien entrann ich
Die Tiger erlegte ich
Aufgefressen wurde ich
Von den Wanzen.

Epitáfio

Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade

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