Helmut Kohl e a Rússia: entre a distância e uma nova era
Roman Goncharenko (ca)16 de junho de 2017
Quatro chefes de Estado soviéticos e um russo foram contemporâneos do mais longevo chanceler federal alemão. Com Mikhail Gorbatchov, ele fez história. Mas o seu melhor amigo no Kremlin era outro.
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"Helmut Kohl se posicionou contra um isolamento da Rússia", comentou o jornal russo ligado ao governo "Rossiyskaya Gazeta", em Novembro de 2014. Na época, com a publicação do seu novo livro Aus Sorge um Europa (Por Preocupação com a Europa, em tradução livre), o antigo chanceler federal alemão havia voltado novamente a ser destaque na mídia russa.
Em seu último livro, Kohl escreveu que a exclusão da Rússia do grupo das maiores nações industriais G8, devido à anexação da Península da Crimeia, seria "um fato decisivo e opressivo". Em 1998, foi ele próprio quem impôs a adesão da Rússia ao grupo informal.
Mas, depois de quase duas décadas de sua saída do governo em Berlim, raramente lhe foi concedida tanta atenção na Rússia quanto em novembro de 2014. Ainda que Kohl, em seus 16 anos de governo, tenha vivenciado mais chefes de Estado em Moscou do que qualquer outro chanceler federal antes e depois dele, há toda uma geração que conhece "o chanceler federal da Reunificação" somente dos livros de história.
Distanciamento na Guerra Fria
Quando Helmut Kohl foi eleito chanceler federal pelo Bundestag, câmara baixa do Parlamento alemão, em 1° de novembro de 1982, a relação entre Moscou e Bonn era tensa. Desde 1979, a decisão da Otan de instalar mísseis nucleares na Europa e o avanço soviético no Afeganistão comprometiam as relações entre o Leste e o Ocidente.
Desde 1964, Leonid Brezhnev estava à frente da União Soviética como líder do Partido Comunista. No entanto, ele morreu poucas semanas depois de Kohl assumir o poder. O primeiro chefe do Kremlin, que Kohl conheceu como chanceler federal, foi o sucessor de Brezhnev, Yuri Andropov, chefe do serviço de inteligência KGB.
Eles se reuniram em Moscou, em julho de 1983, sem que o encontro tenha levado a nenhuma distensão. Quando o Bundestag aprovou a instalação de mísseis nucleares americanos na Alemanha, em novembro de 1983, teve início um período de distanciamento entre os dois países, explicou em entrevista à Deutsche Welle Andreas Wirsching, copresidente da Comissão de Historiadores Russo-Alemães e diretor do Instituto de História Contemporânea em Munique.
O fato de Andropov morrer em 1984 e Tchernenko assumir o controle do Kremlin pouco mudou o resfriamento de relações. Uma aproximação aconteceu somente quando Mikhail Gorbatchov assumiu a liderança do partido em 1985.
Comparação com Goebbels
Mas, inicialmente, foi o próprio Kohl quem freou essa aproximação por meio de um escândalo: em outubro de 1986, ele declarou à revista americana Newsweek que não via Gorbatchov como um liberal, mas como um "líder comunista moderno" que entendia de relações públicas. E acrescentou: "Goebbels [ministro da Propaganda de Hitler] também entendia algo de relações públicas."
Isso enfureceu Moscou, que cancelou planejadas visitas de políticos alemães ocidentais. "Um ponto baixo nas relações entre Kohl e Gorbatchov", disse o historiador Wirsching. Mas o escândalo não se tornou público na então União Soviética. "Ele passou totalmente despercebido", explicou Vladislav Belov, diretor do Centro de Estudos da Alemanha na Academia de Ciências de Moscou. A nova e livre política de informação de Gorbatchov, a Glasnost, foi introduzida somente mais tarde.
O avanço em Bonn e Archys
Somente quando Kohl visitou Gorbatchov na capital russa em 1988, o problema parece ser esquecido lentamente. Em entrevista à DW, Belov afirmou que o avanço, no entanto, aconteceu apenas um ano mais tarde em Bonn: "Eu suspeito que, durante sua visita em junho de 1989, Gorbatchov tomou uma decisão fundamental quanto a uma mudança qualitativa nas relações com a República Federal da Alemanha."
Para Belov, quando o Muro de Berlim caiu em novembro do mesmo ano, Gorbatchov estava disposto a tal. Embora isso nunca tenha sido confirmado pelo ex-líder russo, uma coisa é certa: a União Soviética não se intrometeu. E mais ainda: em julho de 1990, Kohl e Gorbatchov selaram rápida e surpreendentemente a reunificação das antigas Alemanha Ocidental e Oriental – rápido demais, na opinião de Belov e muitos outros na Rússia atual. Eles acusam Gorbatchov de ter presenteado e não negociado a Reunificação.
Reunificação comprada?
Por outro lado, há a tese de Kohl ter comprado a Reunificação por prometer a Gorbatchov assumir os custos da retirada do contingente de 500 mil soldados soviéticos estacionados na antiga Alemanha Oriental. Ex-oficiais soviéticos ainda hoje são gratos a Helmut Kohl: graças ao chanceler federal, os militares soviéticos receberam os seus soldos em marco alemão ocidental até a retirada em 1994. Isso lhes possibilitou o acesso a artigos de luxo ocidentais como máquinas de lavar, sistemas de áudio ou carros.
Além disso, bancos alemães ocidentais e o governo alemão ajudaram com empréstimos bilionários a economicamente abalada União Soviética desde o fim da década de 1980. Mas, mesmo que a forte economia da República Federal da Alemanha tenha ajudado nas negociações políticas, Wirsching considera a tese da "Unidade comprada" errada: "Na época, o pré-requisito foi a mudança política no cenário internacional."
Amizade com Yeltsin
Até o final, no entanto, Kohl e Gorbatchov não conseguiram superar certa distância. Quanto à relação entre o chanceler federal da Alemanha reunificada e Boris Yeltsin, o caso foi diferente. Com o primeiro presidente russo, desenvolveu-se uma verdadeira amizade masculina. Em julho de 1993, os dois suaram juntos numa sauna no Lago Baikal.
"A química entre Kohl e Yeltsin funcionou", disse o especialista moscovita Belov. A Alemanha ajudou a Rússia nos tempos difíceis depois do desmantelamento da União Soviética. Por tal, a Rússia deveria ser grata à Alemanha, afirmou Belov. Mas na historiografia russa, Kohl aparece, em primeira linha, como aquele que reunificou a Alemanha.
A trajetória política de Helmut Kohl
Ele governou a Alemanha ao longo de 16 anos, mais do que qualquer outro chanceler federal. A queda do Muro de Berlim e a Reunificação são os pontos altos da carreira política de Helmut Kohl, que completa 85 anos.
Foto: picture-alliance/dpa
O pai da Reunificação
Ele governou a Alemanha de 1982 a 1998, mais tempo do que qualquer outro chanceler federal. A queda do Muro de Berlim e a Reunificação são os pontos altos da carreira política de Helmut Kohl.
Foto: dapd
Nos passos de Adenauer
Kohl entrou para a União Democrata Cristã (CDU) em 1946, quando era um estudante secundarista de 16 anos. Foi eleito deputado estadual da Renânia-Palatinado em 1959, aos 29 anos, e virou líder da bancada aos 33. Em 1966, tornou-se presidente estadual da CDU. A foto de 5 de janeiro de 1967 mostra Kohl e o primeiro chanceler federal do pós-Guerra, Konrad Adenauer, na festa de seus 91 anos, em Bonn.
Foto: picture alliance / dpa
Governador aos 39 anos
Em 1969, com a renúncia do então governador da Renânia-Palatinado, Peter Altmeier, Kohl foi eleito seu sucessor. Ele comandaria o estado até dezembro de 1976, e o cargo não seria o auge de sua carreira política. A foto é de 1971, ano em que a CDU obteve a maioria absoluta no parlamento regional.
Foto: Imago
Em família
A família foi muito importante para a formação da imagem pública de Kohl. Ele costumava passar suas férias de verão com a esposa e os filhos sempre no mesmo lugar, no lago Wolfgangsee, na Áustria. Esta foto é de 1974, e mostra Kohl ao lado da esposa Hannelore e dos filhos Peter (d) e Walter (e) na residência da família, em Oggersheim.
Foto: imago/Sven Simon
Kohl na chancelaria federal
Em 1973, Kohl se tornaria presidente nacional da CDU. Mas ele ainda não tinha atingido sua grande meta: a chancelaria federal. Foi só em 1982, quando divergências entre social-democratas e liberais levaram ao fim da coalizão que sustentava o então chanceler federal Helmut Schmidt, que Kohl finalmente conseguiu alcançar seu objetivo. Na foto, de 1º de outubro de 1982, Schmidt parabeniza o sucessor.
Foto: picture-alliance/dpa
Chanceler federal por 16 anos
Kohl foi três vezes reeleito para a chancelaria federal, ocupando o cargo ao longo de 16 anos, de 1982 a 1998. Ele permaneceu na presidência da CDU, para a qual havia sido eleito em 1973, até 1998. A partir de 2000, passou a ser o presidente de honra do partido. A foto é de 11 de setembro de 1989, quando Kohl foi reeleito para a presidência da CDU.
Foto: picture alliance/Martin Athenstädt
Gesto de reconciliação
Esta foto, que mostra Kohl ao lado do primeiro-ministro da França, François Mitterrand, correu mundo. Ela foi tirada em 22 de setembro de 1984, durante um evento para celebrar a reconciliação franco-alemã, perto do cemitério de Verdun, onde estão enterrados soldados que morreram na batalha de 1916. Ao se darem as mãos, os dois líderes criaram uma forte imagem de unidade e reconciliação.
Foto: ullstein bild/Sven Simon
Queda do Muro
Kohl foi literalmente surpreendido pela queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. Ele estava em viagem pela Polônia quando os cidadãos da Alemanha Oriental invadiram a fronteira interna alemã, com a anuência dos guardas do lado oriental. Kohl interrompeu imediatamente sua visita à Polônia. Na foto, de 10 de novembro de 1989, ele é cercado por berlinenses na avenida Kurfürstendamm.
Foto: picture-alliance/dpa
Negociações com a União Soviética
Na foto Kohl (d) aparece junto com Mikhail Gorbatchov (centro), e o ministro alemão do Exterior, Hans-Dietrich Genscher (e), durante uma visita ao Cáucaso, em 15 de julho de 1990, para discutir a reunificação alemã. Durante uma caminhada com Gorbatchov, Kohl obtivera do então chefe do Kremlin a aprovação da reunificação do país e da retirada das tropas soviéticas da Alemanha Oriental.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo entre as Alemanhas
Na presença do chanceler da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière (esq. atrás) e do chanceler federal Helmut Kohl (centro atrás), os ministros da Finanças da Alemanha Ocidental e Oriental, Theo Waigel (dir.) e Walter Romberg (esq.), assinam, em 18 de maio de 1990, o acordo que abriria caminho para a Reunificação.
Foto: picture-alliance/dpa
Chanceler da Reunificação
A Reunificação alemã, em 3 de outubro de 1990, foi o ponto alto da carreira de Helmut Kohl. Ele entraria para a história como o "chanceler da Reunificação". Na foto, Kohl aparece ao lado da esposa Hannelore, do ministro do Exterior Hans-Dietrich Genscher (e) e do presidente Richard von Weizsäcker (d).
Foto: picture-alliance/dpa
Paisagens florescentes
No início dos anos 1990, Kohl é festejado pelos alemães-orientais como promotor da Reunificação. É dessa época a famosa expressão "paisagens florescentes", que ele usou para se referir ao futuro imediato da antiga Alemanha Oriental. A foto mostra o então chanceler cercado por admiradores em Leipzig, durante uma campanha eleitoral, em 14 de março de 1990.
Foto: picture-alliance/dpa
Mentor da primeira chanceler
Sem Kohl, o sucesso da atual chanceler federal alemã, Angela Merkel, é praticamente inconcebível. Foi ele que apoiou a política oriunda da Alemanha Oriental no início da sua carreira nacional, escolhendo-a para ser ministra da Família e, mais tarde, do Meio Ambiente. A foto é de 16 de dezembro de 1991, quando Merkel era ministra da Família.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma era
Em setembro de 1998, a CDU perdeu as eleições parlamentares, o que abriu caminho para o primeiro governo de uma coalizão entre social-democratas e verdes. A foto mostra uma cerimônia de despedida para Kohl, em Berlim, com honras militares.
Foto: picture-alliance/dpa
Escândalo de caixa dois
Em 1999, a imagem de Kohl é duramente atingida por um escândalo de doações ilegais para campanhas eleitorais da CDU ao longo dos anos 1990. O partido vira as costas para Kohl, e a primeira a fazê-lo é Merkel, sua protegida. Na foto, de dezembro de 1999, Kohl deixa mais cedo uma entrevista coletiva sobre o caso. Ao fundo, o presidente da CDU, Wolfgang Schäuble, e a secretária-geral Angela Merkel.
Foto: picture-alliance/dpa
Relação rompida
Kohl acabou admitindo que sabia das doações, mas se recusou a dar o nome dos doadores, anônimos até hoje. O processo contra Kohl foi arquivado em troca de uma multa milionária, e ele se afastou da política. Merkel tentou várias vezes se reconciliar com seu antigo mentor, que rejeitou todas as tentativas de aproximação. A foto mostra os dois na festa de 75 anos de Kohl, em Berlim, em 2005.