Aperto de mão em Verdun e lágrimas no réquiem para o falecido François Mitterrand: Na França, Helmut Kohl é visto como personificação do bom alemão. Mas nem sempre as relações franco-alemãs foram livres de conflito.
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"Helmut Kohl, um francófilo?" Quando o político democrata-cristão Helmut Kohl sucedeu ao social-democrata Helmut Schmidt, em 1° de outubro de 1982, não somente o jornal francês Le Monde indagou com preocupação sobre o futuro das relações franco-alemãs. Naquele momento, o conservador Kohl era um desconhecido para os franceses.
Somente a sua origem da região do Palatinado, que faz fronteira com a França, foi digna de menção positiva pelo redator do jornal, que localizou politicamente o novo chefe de governo alemão como pró-ocidental, interessado principalmente nas boas relações com os EUA e a Otan. Naquela ocasião, ninguém podia imaginar que precisamente esse político iria entrar para história como amigo dos franceses.
Mesmo assim, Helmut Kohl deixou claro, logo após sua eleição, o quão importante para ele seria manter um bom relacionamento com o país vizinho. A sua primeira viagem internacional o levou à capital francesa. Uma viagem bastante complicada, já que François Mitterrand, um socialista, estava à frente do Palácio do Eliseu e seu programa avesso à economia de mercado pouco tinha a ver com as convicções do político alemão.
No entanto, tais diferenças político-partidárias nunca exerceram um papel decisivo nas relações entre os dois estadistas. O que se deve também ao fato de ambos os políticos terem acordado desde o início nos pontos mais importantes – principalmente na necessidade de uma integração europeia mais profunda.
Símbolo da reconciliação franco-alemã
Uma pequena prova da estreita aliança que iria se formar posteriormente entre dois parceiros aparentemente tão diferentes foi dada pelo político socialista francês no Bundestag, câmara baixa do Parlamento alemão, somente poucas semanas após Kohl assumir o poder em Berlim. Em discurso perante os deputados alemães, Mitterrand defendia a exigência de Kohl com vista ao estacionamento de mísseis Pershing II em território alemão – fornecendo assim munição para a campanha eleitoral recém-iniciada por Kohl contra o Partido Social Democrático (SPD).
Num local especialmente simbólico, pôde-se ver em setembro de 1984 quão estreitas eram as relações entre os dois políticos já nos primeiros anos do mandato de Kohl. O chanceler federal alemão foi a Verdun para lembrar os mortos das duas Guerras Mundiais. Ali, o pai de Kohl havia lutado na Primeira Guerra Mundial e Mitterrand, na condição de jovem soldado, havia sido ferido na Segunda Guerra.
Sob a chuva, os dois estadistas silenciosamente de pé diante das fileiras intermináveis de sepulturas, Mitterrand estendeu a mão em direção do antigo chanceler federal alemão, que espontaneamente a segurou.
Motor da unificação europeia
A imagem dos dois estadistas segurando silenciosamente as mãos um do outro ficou para história franco-alemã como um grande gesto de reconciliação – e está até hoje consagrada na memória coletiva dos franceses. Em seu livro de memórias, Kohl escreveu mais tarde sobre aquele momento: "Meus sentimentos são difíceis de descrever. Eu nunca havia me sentido tão perto de nossos vizinhos franceses. Fui dominado pelo gesto espontâneo do presidente francês."
Na opinião dos historiadores, Kohl e Mitterrand se encontraram finalmente no antigo campo de batalha de Verdun. Nos anos seguintes, a dupla garantiu por meio de diversas iniciativas um maior aprofundamento da integração europeia. Também as relações entre os dois países atingiram um novo patamar. Em 1987, os dois políticos concordaram sobre a criação de uma brigada franco-alemã. Atualmente com cerca de 6 mil soldados, essa primeira organização militar binacional foi montada poucas semanas antes da queda do Muro.
Por seus passos corajosos, os dois estadistas foram condecorados conjuntamente com o Prêmio Internacional Carlos Magno, em 1988.
Aceitação de clara liderança francesa
Foi o ano de 1989 que marcou um ponto baixo nas relações franco-alemãs. Diante da queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, Mitterrand reagiu com relutância e cautela. Embora os seus assessores tivessem lhe aconselhado viajar para Berlim, o presidente francês preferiu ficar longe daquele grande palco da história mundial.
Quando o socialista decidiu visitar até mesmo Berlim Oriental em dezembro de 1989, impunha-se a impressão de que a França queria bloquear a Unidade Alemã. Na ocasião, François Mitterrand declarou que a nova liderança da antiga Alemanha Oriental podia "contar com a solidariedade da França para com a República Democrática Alemã". No final, foi o compromisso de Kohl com a fronteira ocidental polonesa e sua anuência à união monetária europeia que fizeram Mitterrand abandonar a atitude hesitante frente à Reunificação alemã.
O fato de Kohl, na segunda metade de seu mandato, não ter tentado impor abertamente à França o aumento de poder de seu país reunificado é visto com grande apreço no Palácio do Eliseu. O historiador Kohl sabia das sensibilidades do poder de liderança política no continente. Citando o antigo chanceler federal alemão Konrad Adenauer, Kohl costumava dizer que antes de se curvar diante da bandeira alemã, ele saudava duas vezes a bandeira tricolor francesa.
O fim de uma amizade política
A dimensão da coordenação e da confiança no trabalho conjunto entre Helmut Kohl e François Mitterrand ficou clara em 1995, após a mudança de poder em Paris. O fato de Jacques Chirac, um presidente que dividia com Kohl a mesma família partidária, estar à frente do Palácio do Eliseu não trouxe nenhum impulso novo às relações entre os dois países. Pelo contrário: somente quando o social-democrata Gerhard Schröder subiu ao poder na Alemanha, a dupla franco-alemã passou novamente a trabalhar em uníssono.
Na medida em que é possível falar de amizade entre políticos, com a morte de Mitterrand, em 8 de janeiro de 1996, pode-se dizer que Kohl havia perdido um amigo. As lágrimas que lhe vieram aos olhos na cerimônia em memória do falecido estadista francês na Catedral de Notre Dame, em Paris, fazem parte, além de Verdun, da imagem que ficará na memória dos franceses de um chanceler federal alemão, para quem a relação com a França sempre foi uma preocupação sincera.
A trajetória política de Helmut Kohl
Ele governou a Alemanha ao longo de 16 anos, mais do que qualquer outro chanceler federal. A queda do Muro de Berlim e a Reunificação são os pontos altos da carreira política de Helmut Kohl, que completa 85 anos.
Foto: picture-alliance/dpa
O pai da Reunificação
Ele governou a Alemanha de 1982 a 1998, mais tempo do que qualquer outro chanceler federal. A queda do Muro de Berlim e a Reunificação são os pontos altos da carreira política de Helmut Kohl.
Foto: dapd
Nos passos de Adenauer
Kohl entrou para a União Democrata Cristã (CDU) em 1946, quando era um estudante secundarista de 16 anos. Foi eleito deputado estadual da Renânia-Palatinado em 1959, aos 29 anos, e virou líder da bancada aos 33. Em 1966, tornou-se presidente estadual da CDU. A foto de 5 de janeiro de 1967 mostra Kohl e o primeiro chanceler federal do pós-Guerra, Konrad Adenauer, na festa de seus 91 anos, em Bonn.
Foto: picture alliance / dpa
Governador aos 39 anos
Em 1969, com a renúncia do então governador da Renânia-Palatinado, Peter Altmeier, Kohl foi eleito seu sucessor. Ele comandaria o estado até dezembro de 1976, e o cargo não seria o auge de sua carreira política. A foto é de 1971, ano em que a CDU obteve a maioria absoluta no parlamento regional.
Foto: Imago
Em família
A família foi muito importante para a formação da imagem pública de Kohl. Ele costumava passar suas férias de verão com a esposa e os filhos sempre no mesmo lugar, no lago Wolfgangsee, na Áustria. Esta foto é de 1974, e mostra Kohl ao lado da esposa Hannelore e dos filhos Peter (d) e Walter (e) na residência da família, em Oggersheim.
Foto: imago/Sven Simon
Kohl na chancelaria federal
Em 1973, Kohl se tornaria presidente nacional da CDU. Mas ele ainda não tinha atingido sua grande meta: a chancelaria federal. Foi só em 1982, quando divergências entre social-democratas e liberais levaram ao fim da coalizão que sustentava o então chanceler federal Helmut Schmidt, que Kohl finalmente conseguiu alcançar seu objetivo. Na foto, de 1º de outubro de 1982, Schmidt parabeniza o sucessor.
Foto: picture-alliance/dpa
Chanceler federal por 16 anos
Kohl foi três vezes reeleito para a chancelaria federal, ocupando o cargo ao longo de 16 anos, de 1982 a 1998. Ele permaneceu na presidência da CDU, para a qual havia sido eleito em 1973, até 1998. A partir de 2000, passou a ser o presidente de honra do partido. A foto é de 11 de setembro de 1989, quando Kohl foi reeleito para a presidência da CDU.
Foto: picture alliance/Martin Athenstädt
Gesto de reconciliação
Esta foto, que mostra Kohl ao lado do primeiro-ministro da França, François Mitterrand, correu mundo. Ela foi tirada em 22 de setembro de 1984, durante um evento para celebrar a reconciliação franco-alemã, perto do cemitério de Verdun, onde estão enterrados soldados que morreram na batalha de 1916. Ao se darem as mãos, os dois líderes criaram uma forte imagem de unidade e reconciliação.
Foto: ullstein bild/Sven Simon
Queda do Muro
Kohl foi literalmente surpreendido pela queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. Ele estava em viagem pela Polônia quando os cidadãos da Alemanha Oriental invadiram a fronteira interna alemã, com a anuência dos guardas do lado oriental. Kohl interrompeu imediatamente sua visita à Polônia. Na foto, de 10 de novembro de 1989, ele é cercado por berlinenses na avenida Kurfürstendamm.
Foto: picture-alliance/dpa
Negociações com a União Soviética
Na foto Kohl (d) aparece junto com Mikhail Gorbatchov (centro), e o ministro alemão do Exterior, Hans-Dietrich Genscher (e), durante uma visita ao Cáucaso, em 15 de julho de 1990, para discutir a reunificação alemã. Durante uma caminhada com Gorbatchov, Kohl obtivera do então chefe do Kremlin a aprovação da reunificação do país e da retirada das tropas soviéticas da Alemanha Oriental.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo entre as Alemanhas
Na presença do chanceler da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière (esq. atrás) e do chanceler federal Helmut Kohl (centro atrás), os ministros da Finanças da Alemanha Ocidental e Oriental, Theo Waigel (dir.) e Walter Romberg (esq.), assinam, em 18 de maio de 1990, o acordo que abriria caminho para a Reunificação.
Foto: picture-alliance/dpa
Chanceler da Reunificação
A Reunificação alemã, em 3 de outubro de 1990, foi o ponto alto da carreira de Helmut Kohl. Ele entraria para a história como o "chanceler da Reunificação". Na foto, Kohl aparece ao lado da esposa Hannelore, do ministro do Exterior Hans-Dietrich Genscher (e) e do presidente Richard von Weizsäcker (d).
Foto: picture-alliance/dpa
Paisagens florescentes
No início dos anos 1990, Kohl é festejado pelos alemães-orientais como promotor da Reunificação. É dessa época a famosa expressão "paisagens florescentes", que ele usou para se referir ao futuro imediato da antiga Alemanha Oriental. A foto mostra o então chanceler cercado por admiradores em Leipzig, durante uma campanha eleitoral, em 14 de março de 1990.
Foto: picture-alliance/dpa
Mentor da primeira chanceler
Sem Kohl, o sucesso da atual chanceler federal alemã, Angela Merkel, é praticamente inconcebível. Foi ele que apoiou a política oriunda da Alemanha Oriental no início da sua carreira nacional, escolhendo-a para ser ministra da Família e, mais tarde, do Meio Ambiente. A foto é de 16 de dezembro de 1991, quando Merkel era ministra da Família.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma era
Em setembro de 1998, a CDU perdeu as eleições parlamentares, o que abriu caminho para o primeiro governo de uma coalizão entre social-democratas e verdes. A foto mostra uma cerimônia de despedida para Kohl, em Berlim, com honras militares.
Foto: picture-alliance/dpa
Escândalo de caixa dois
Em 1999, a imagem de Kohl é duramente atingida por um escândalo de doações ilegais para campanhas eleitorais da CDU ao longo dos anos 1990. O partido vira as costas para Kohl, e a primeira a fazê-lo é Merkel, sua protegida. Na foto, de dezembro de 1999, Kohl deixa mais cedo uma entrevista coletiva sobre o caso. Ao fundo, o presidente da CDU, Wolfgang Schäuble, e a secretária-geral Angela Merkel.
Foto: picture-alliance/dpa
Relação rompida
Kohl acabou admitindo que sabia das doações, mas se recusou a dar o nome dos doadores, anônimos até hoje. O processo contra Kohl foi arquivado em troca de uma multa milionária, e ele se afastou da política. Merkel tentou várias vezes se reconciliar com seu antigo mentor, que rejeitou todas as tentativas de aproximação. A foto mostra os dois na festa de 75 anos de Kohl, em Berlim, em 2005.