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Helmut Schmidt: palavras claras e determinação até o fim

Jeanette Seiffert (md)10 de novembro de 2015

Inflexibilidade com os terroristas da RAF rendeu a Helmut Schmidt a imagem de chanceler enérgico e determinado, e suas opiniões continuaram sendo ouvidas na sociedade alemã mesmo muitos anos após ele deixar o poder.

Foto: picture alliance / Istvan Bajzat

Ele permaneceu até o último momento um homem de palavras claras e mesmo assim – ou talvez justamente por causa disso – foi mais admirado do que qualquer outro: o ex-chanceler federal Helmut Schmidt costumava liderar as listas dos políticos mais populares da história recente alemã, apesar de seu ar muitas vezes presunçoso e arrogante.

No meio da crise da dívida na União Europeia, durante uma entrevista na televisão, ao ser perguntado sobre a gestão de crise da chanceler federal Angela Merkel, ele respondeu: "Tenho que hesitar por um longo tempo até que uma resposta diplomática me venha à mente".

Schmidt não tinha papas na língua, e seus comentários se tornaram mais ácidos depois que deixou a vida política. "Políticos são assim, dizem uma coisa, depois a outra", reclamou certa vez. A situação da Alemanha? "A Alemanha, no meio deste pequeno continente, está numa situação de merda." A política da UE para a crise na Ucrânia? "Uma infantilidade geopolítica." Barack Obama, um grande presidente? "Eu não assinaria embaixo disso."

Schmidt fazia críticas frequentes à evolução da União Europeia, ao surgimento de uma sociedade multicultural na Alemanha e à missão da Bundeswehr no Afeganistão, e todos esses comentários lhe asseguravam um grande respeito entre a população.

Schmidt (e) se destacou como secretário do Interior em Hamburgo durante a enchente de 1962Foto: picture-alliance/dpa

Inflexibilidade no caso RAF

Muitos alemães lembram de Schmidt especialmente como o homem que enfrentou de forma determinada o terrorismo da RAF em 1977. O ponto máximo desse terrorismo foram os sequestros do empresário alemão Hanns-Martin Schleyer e de um avião da Lufthansa na capital somali, Mogadíscio. O objetivo de ambos os atos era pressionar pela libertação de terroristas da RAF de prisões alemãs, mas Schmidt se mostrou inflexível.

Ele quis "comprovar a capacidade do Estado de proteger seus cidadãos contra ameaças", afirmou mais tarde, ao explicar sua posição de não ceder às exigências dos terroristas. Para ele, explicou, o mais importante era manter a confiança dos cidadãos na tarefa de proteção que cabe ao Estado. "E isso implicava não libertar terroristas", disse Schmidt.

Numa ação extremamente arriscada, Schmidt ordenou que o avião da Lufthansa fosse libertado por uma unidade especial da polícia alemã. Se reféns tivessem morrido nessa ação, Schmidt teria renunciado ao cargo de chanceler, foi dito mais tarde. Esse foi o ponto alto de uma carreira política que começara com a entrada no Partido Social Democrata da Alemanha (SPD), um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial.

A reputação de competente gestor de crises era anterior ao caso RAF e remontava aos tempos em que Schmidt era secretário do Interior na cidade-Estado de Hamburgo, sua terra natal: em 1962, ele usou a Bundeswehr para lidar com os estragos causados por uma enchente devastadora na cidade.

Homem de ação

Depois disso, sua carreira política teve uma ascensão rápida. Em 1964, Schmidt se tornou líder da bancada parlamentar do SPD. Após a formação da primeira coalizão entre SPD e o Partido Liberal Democrata (FDP), o então chanceler Willy Brandt o nomeou ministro da Defesa, em 1969. No cargo, sua autoridade como especialista em segurança cresceu ainda mais.

Quando Brandt renunciou, em 1974, Schmidt se tornou seu sucessor quase natural. Como admitiria anos mais tarde, ele estava ciente desde o início que aquele não era um cargo fácil. "Willy Brandt havia criado expectativas incrivelmente altas no povo alemão", afirmou. A crise do petróleo de 1973 e a recessão que se seguiu tornaram impossível cumprir essas expectativas, avaliou.

Schmidt (d) aparece em público poucos dias depois da ação de libertação dos reféns em MogadíscioFoto: picture-alliance/dpa

Schmidt, porém, enfrentou os problemas com energia e determinação, firmando-se como um intransigente homem de ação. Isso se refletiu não só nos sucessos espetaculares contra o terrorismo, como a libertação dos reféns em Mogadíscio, mas também na sua firmeza em questões econômicas. E mesmo que Schmidt não tenha conseguido melhorar significativamente a situação econômica, ele logo angariou uma – meio a sério, meio na brincadeira – reputação de "economista de gabarito internacional" no país e no exterior. Os eleitores alemães, de qualquer forma, depositaram sua confiança nele em duas eleições – em 1976 e 1980.

Sua relação com o próprio partido, o SPD, nunca foi totalmente livre de atritos ao longo desses anos. Schmidt era tido como um representante da ala direita da social-democracia, que às vezes ignorava decisões do partido. Esse confronto se tornou evidente no fim dos anos 70 e começo dos 80, durante as discussões sobre o estacionamento de novos mísseis nucleares americanos na Alemanha.

Schmidt era a favor e enfrentou a resistência que se formou não só dentro de seu partido, mas também nas ruas, em grandes manifestações populares. O chanceler chamou a resistência de ingênua. "Àqueles que querem substituir um desarmamento contratual por um desarmamento unilateral, devo dizer que a experiência histórica mostra que a incapacidade unilateral não impede de forma alguma a agressão vinda da potência superior", argumentou na época.

O SPD só aprovou a ideia sob grande hesitação e voltou a alterar sua posição oficialmente após Schmidt perder uma moção de confiança em 1982, quando foi obrigado a deixar o cargo.

A razão para o fim do governo Schmidt foi a "virada" do FDP – o parceiro de coalizão do SPD –, que se uniu à coalizão de governo com os democrata-cristãos. O FDP justificou sua troca de posição com mudanças fundamentais nas políticas econômica e social. Para Schmidt, isso era inaceitável. Ele acusou o FDP de querer "um afastamento do Estado social democrático em direção a uma sociedade do salve-se quem puder".

Distanciamento do SPD

Nos anos seguintes, Schmidt se retirou do cenário político, tornou-se coeditor do semanário Die Zeit e fez palestras sobre questões políticas e econômicas, em vários países.

Schmidt em 2014: sempre popular na AlemanhaFoto: Getty Images/P. Lux

Ele se distanciou do novo comando do SPD. Apenas em casos excepcionais – como na campanha de Gerhard Schröder, em 1998 –, ele se dispôs a participar de eventos para o partido.

Em 2011, depois muito tempo sem dar palpites sobre as lideranças do partido, Schmidt surpreendeu o público ao atestar a seu parceiro de partidas de xadrez Peer Steinbrück a capacidade de assumir o governo da Alemanha com a frase "esse é capaz".

Mais tarde, ele explicou que disse essa frase logo após a morte de sua esposa, Loki. "Eu estava sob a impressão de que talvez não pudesse dizer isso em um ano por não estar mais vivo. Então, eu disse o que pensava. E isso vale ainda hoje."

Pouco tempo depois, ele fez um discurso altamente aclamado durante um congresso do SPD em Berlim – após 12 anos de ausência. Apesar de tudo, Helmut Schmidt permaneceu até a morte um social-democrata convicto.

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