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Vale do Reno

Assis Mendonça

Durante séculos, o rio Reno foi caminho natural para viajantes pela Europa central. Às margens do rio foram construídos inúmeros castelos e fortalezas. Os núcleos de colonização romana deram origem a importantes cidades.

O Reno e a LoreleyFoto: Illuscope

Por muito tempo, o Reno foi palco de transações comerciais em grande volume, de política internacional e de guerras. Os viajantes que passavam pelo vale renano raramente viajavam por prazer e a beleza da região demorou a ser descoberta.

As primeiras descrições de viagens pelo Reno, que deram origem ao chamado "romantismo renano", remontam aos séculos 17 e 18, quando uma viagem à Itália, cruzando o Vale do Reno, passou a fazer parte da formação cultural dos nobres do norte da Europa.

Cena da ópera 'Siegfried', de Wagner, na Semperoper de Dresden, com Deborah Polaski (esq.) no papel de Bruennhilde e Alfons Eberz como SiegfriedFoto: AP

A partir do final do século 18, o Reno foi descoberto por um número cada vez maior de poetas, músicos e escritores alemães, tornando-se um tema constante da literatura germânica. Antigas lendas, envolvendo cavaleiros medievais, dragões, sereias e duendes, foram registradas literariamente pela primeira vez. As lendas renanas tiveram sua consagração na ópera através de Richard Wagner, com a quadrilogia O Anel do Nibelungo, que reúne as obras Ouro do Reno, As Valquírias, Siegfried e Crepúsculo dos Deuses.

Disputa teuto-francesa

Também politicamente importante, o rio Reno representou durante muito tempo o ponto central das discórdias entre franceses e alemães. Indiferentemente de que fossem monarquistas ou revolucionários, os franceses reivindicaram durante décadas o Reno como fronteira oriental do seu país. No correr da história, ao cabo de guerras e tratados, a margem esquerda do rio mudou várias vezes de nacionalidade.

O surgimento do turismo no Vale do Reno deveu-se em grande parte às descrições de viagens feitas por escritores de diversas nacionalidades. Assim, Lord Byron escreveu Childe Harold’s Pilgrimage depois de visitar a região em 1816. E, como conseqüência, multidões de ingleses invadiram pouco tempo depois o Vale do Reno, numa constante peregrinação turística só interrompida em épocas de guerra.

Leia a seguir sobre o vinho do Reno.

Tradição vinícola

Os turistas que acorreram ao Vale do Reno, desde o século 19, em busca do romantismo da paisagem, descobriram imediatamente a boa qualidade do vinho produzido na região e que até então era exportado em grandes quantidades, principalmente para a Inglaterra, mas sem maiores indicações de origem. Quando muito, o vinho era registrado como "Bacharacher", em alusão à cidade que sediava então o comércio do vinho renano, a pequena Bacharach.

Colheita da uva em Rheingau, a região de RüdesheimFoto: DW

A incrementação do turismo motivou, a partir do século 19, o surgimento da preocupação de identificar de maneira mais específica o vinho engarrafado, com o nome exato do produtor e da área de produção, da safra e da qualidade do vinho.

A cultura vinícola às margens do Reno remonta à época da dominação romana, quando porém não chegou a alcançar importância. Só a partir do século 6º é que ela começa a estender-se em área e crescer em importância, passando a representar a principal atividade econômica da região, por volta do século 11. Já nessa época, começaram a ser exportadas grandes quantidades de vinho para a Inglaterra.

Vinho branco renano

O vinho do Reno é essencialmente vinho branco, mas isto não foi sempre assim: inicialmente, a maior parte do vinho produzido na região era tinto e só aos poucos é que o vinho branco foi se firmando como um produto tipicamente renano. A partir daí, a produção de vinho tinto foi desaparecendo aos poucos, resistindo apenas no Vale do Ahr, um afluente do Reno, e na região da cidade de Assmannshausen, além de uma outra área em Ingelheim, a nordeste de Mainz. Nos últimos anos, contudo, nota-se uma tendência de retomada da produção de vinho tinto.

A vinicultura de exportação atingiu seu apogeu antes do início do turismo, no século 18. Hoje, o consumo do vinho na própria região de produção e na Alemanha em geral é tão alto que apenas um volume relativamente pequeno sobra para a exportação, apesar dos progressos alcançados em termos de produtividade. Na Idade Média, produziam-se 20 hectolitros de vinho em cada hectare de vinhedo. Hoje, a média é de aproximadamente 100 hectolitros por hectare.

A prova de vinho é uma das atrações em qualquer visita turística ao Vale do RenoFoto: dpa

O trecho vinícola do Reno alemão está situado principalmente entre as cidades de Mainz e de Colônia, com o aproveitamento intensivo de todas as encostas de morro à margem do rio para a plantação de vinhedos. O vinho produzido é muito controlado pelas autoridades alemãs, principalmente no que diz respeito à classificação da sua qualidade.

Os vinhateiros mais importantes ou as cooperativas vinícolas mantêm adegas, onde servem seu próprio vinho e, às vezes, ministram cursos sobre tipos e qualidades de vinhos. A prova de vinho numa dessas adegas é, para a maior parte dos turistas que visita o Vale do Reno, um dos pontos altos da viagem pela região.

Na cidade de Rüdesheim, a viela denominada Drosselgasse é um dos centros de tais adegas e constitui uma das maiores atrações turísticas do Reno.

Leia a seguir: as lendas do Reno

As estórias: lendas do Reno

Cada ruína, cada castelo e até mesmo alguns acidentes geográficos em torno do Reno são motivo de lendas, que inspiraram os poetas alemães desde tempos remotos. A mais conhecida de todas as lendas do Reno é a da Loreley.

Num penhasco à margem direita do rio, situado entre as cidades de Sankt Goarshausen e Kaub, morava Loreley, uma sereia de beleza incomparável e longos cabelos dourados. Nas noites de lua cheia, a Loreley entoava um irresistível canto que fazia os navegantes esquecerem o leme, num enlevo fatal, que conduzia seus barcos invariavelmente contra as rochas existentes naquele perigoso trecho do rio.

Assim sucedeu também com o filho do conde do Palatinado, Ronald, que apaixonado pelo canto da sereia teve o mesmo fim de outros navegantes. Irado pela morte do filho, o conde enviou tropas ao penhasco, com ordens de aprisionar a sereia e lançá-la do alto do rochedo ao rio, uma queda à qual seria impossível sobreviver.

O Reno e a LoreleyFoto: Illuscope

Com grande esforço, os soldados do conde escalaram o penhasco, encontrando a sereia calmamente sentada, penteando os cabelos com um pente dourado. Ao saber das intenções dos soldados, a Loreley tomou seu colar de pérolas, lançando-o ao rio. Imediatamente levantou-se de lá uma enorme onda, sobre a qual a sereia baixou lentamente ao leito do Reno. Loreley nunca mais foi vista, mas seu canto continuou a ser ouvido durante muito tempo, nas noites claras de lua cheia.

O arcebispo cruel

Outra lenda muito conhecida é a que envolve a Mäuseturm ("torre dos camundongos"), uma pequena fortaleza construída dentro do rio, em frente à cidade de Bingen, pelo arcebispo Hatto, de Mainz. Ela servia como posto de recolhimento de pedágio dos navios que viajavam pelo Reno.

Hatto era conhecido por sua crueldade e por sua avareza, recolhendo impostos altíssimos de seus súditos. Quando, certa vez, uma catástrofe natural destruiu grande parte da colheita da região, o arcebispo mandou recolher o que sobrara da produção agrícola, trancando tudo em seus silos e deixando a população à míngua.

Uma multidão de famintos dirigiu-se então ao seu palácio para implorar por um pouco de comida. O arcebispo mandou que fossem a um celeiro, onde encontrariam toda a comida que desejassem. Quando todos se entraram no celeiro, Hatto mandou que se trancassem as portas e ateasse fogo ao celeiro.

Ao fundo, a cidade de Bingen e à direita, no meio do rio, a Mäuseturm; à esquerda, as ruínas da fortaleza EhrenfelsFoto: dpa

Das cinzas surgiram, porém, multidões de camundongos que perseguiram o arcebispo, invadindo seu palácio, comendo tudo o que encontravam e atacando as pessoas. Em pânico, Hatto fugiu para a Mäuseturm, onde acreditava estar a salvo, pois a fortaleza encontra-se no meio do rio. Enganou-se, porém: os camundongos o seguiram até lá e o devoraram.

Além dessas lendas, inúmeras outras ilustram a história dos castelos, fortalezas e penhascos à margem do Reno, como a lenda do dragão de Drachenfels; dos castelos dos irmãos inimigos, perto de Bornhofen; do arco de Roland e, principalmente, do tesouro do nibelungo, que inspirou Richard Wagner nas obras do ciclo renano.

Leia a seguir: Como viajar pelo Reno

Três formas de conhecer

A parte mais interessante do Vale do Reno está situada entre as cidades de Mainz e de Colônia e pode ser percorrida de três formas: de trem, barco ou automóvel. O percurso de trem acompanha as margens do rio, oferecendo ao turista uma paisagem deslumbrante. Mas é preciso ter cuidado na escolha da conexão: somente os trens suburbanos e de baixa velocidade é que fazem esse percurso antigo. Os trens de alta velocidade entre Colônia e Frankfurt viajam hoje por um novo trecho ferroviário, distante do Reno.

Nas duas margens do Reno pode-se viajar de trem ou de automóvelFoto: DB

De automóvel, pode-se percorrer a margem do rio, de ambos os lados, passando-se por inúmeras cidadezinhas pitorescas. O motorista terá, porém, que abrir mão da degustação do vinho renano: neste ponto, o controle é rigoroso na Alemanha, havendo punição drástica para quem dirige alcoolizado, ainda que levemente alcoolizado.

A forma ideal de viajar pelo Reno é num dos barcos da companhia Köln-Düsseldorfer que, de abril até outubro, sobem e descem o rio em intervalos regulares. Os barcos viajam lentamente, permitindo observar e fotografar com calma a paisagem das duas margens.

Cidades interessantes

Monumento a Johannes Gutenberg na sua cidade natal, MainzFoto: DW

Independentemente da forma escolhida para viajar, existem algumas cidades à margem do Reno em que vale a pena interromper o percurso para conhecê-las mais detalhadamente.

O melhor roteiro tem início em Mainz e vai até a cidade de Colônia. Mainz – a cidade de Gutenberg, o inventor da tipografia – é a capital do estado da Renânia-Palatinado e foi uma das primeiras arquidioceses na Alemanha. Foi fundada pelos romanos, que a elevaram à categoria de município e capital provincial no século 3º. Além do Museu de Gutenberg, vale a pena visitar a catedral, em estilo românico, com vitrais de Marc Chagall.

Rüdesheim

A Drosselgasse em Rüdesheim é um passeio obrigatório para qualquer turista que visite a região do Reno MédioFoto: dpa

A cidade de Rüdesheim é um dos pontos mais turísticos do Vale do Reno, registrando um grande movimento durante quase todo o ano. A maior atração da cidade é a viela já citada, a Drosselgasse, onde estão restaurantes e adegas, invariavelmente animados por pequenas orquestras e onde a atmosfera de baile é uma constante.

Em Rüdesheim, pode-se tomar o teleférico que leva ao alto da montanha onde está o monumento de Niederwald, erigido para comemorar a vitória alemã sobre os franceses na guerra de 1870-1871 e a unificação da Alemanha por Bismarck. O monumento está a 225 metros sobre o Reno, oferecendo uma vista magnífica do rio e da região adjacente.

Leia a seguir: Povoados vinícolas e grandes centros

Pequenas cidades vinícolas

Assmannshausen, além de ser uma pitoresca cidade renana, é balneário termal com fontes de água mineral radioativa gasosa. Nesta cidade também se produz um vinho tinto de reconhecida qualidade.

Um dos povoados mais bonitos às margens do Reno é, sem dúvida, a cidadezinha de Bacharach, com uma história de mais de mil anos. Séculos atrás, a cidade floresceu como sede de comércio do vinho da região. Ainda hoje, conserva o ar romântico da arquitetura de épocas passadas, com casas de enxaimel e ruelas estreitas.

Sankt Goarshausen (ao fundo) e a fortaleza de Katz, em primeiro planoFoto: dpa

De Sankt Goarshausen, cidadezinha fundada em 1324 e que ainda tem partes intactas do seu antigo muro, pode-se visitar a fortaleza de Katz e o penhasco da Loreley, onde existe um anfiteatro no qual são realizados concertos e festivais open air de música pop ou rock.

Historicamente importante, a cidade de Boppard ainda conserva resquícios de seu passado como sede da corte de reis francos. Boppard é pitoresca na sua paisagem e arquitetura. A igreja de São Severo, em estilo românico tardio, e o convento de Marienberg, fundado em 1125, são dois pontos que valem a pena serem visitados.

Os maiores centros urbanos

Koblenz: a confluência entre os rios Mosela (ao fundo) e Reno (em primeiro plano)Foto: dpa

A cidade de Koblenz está localizada na confluência dos rios Reno e Mosela, sendo um importante centro na região. Koblenz remonta à época romana, tendo sido escolhida pelos arcebispos da região, na Idade Média, como cidade residencial. A partir de Koblenz, pode-se subir o rio Mosela de navio: uma excursão fantástica, que oferece lindas paisagens, cidades pitorescas e bom vinho. Especialmente recomendáveis são visitas a Cochem e a Trier.

Bonn, que foi capital da República Federal da Alemanha durante mais de 40 anos, oferece como atrações turísticas a Casa de Beethoven (o filho mais ilustre da cidade), além de inúmeros museus na região da chamada Museumsmeile – o Museu Alexander König, a Casa da História, o Museu de Arte de Bonn e a Bundeskunsthalle, cujas exposições temporárias têm renome em todo o país.

A imponente catedral gótica da cidade de ColôniaFoto: Bilderbox

Colônia (seu nome alemão é Köln) é a cidade que ficou conhecida por sua água-de-toalete e pela catedral gótica, que é uma das mais bonitas do mundo. Colônia é uma das maiores metrópoles alemãs, oferecendo uma enorme quantidade de atrações de todo tipo. Conhecida como um centro das artes, a cidade dispõe de um grande número de museus de prestígio internacional.

Em Colônia é indispensável também uma visita noturna ao bairro histórico da cidade, às margens do Reno, com seus inúmeros restaurantes e bares típicos, muitos deles com música ao vivo, especialmente nos fins de semana.

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