Eurocético Geert Wilders tem resultado muito aquém do esperado, e legenda do premiê Mark Rutte se mantém como principal força no Parlamento. Eleição era vista como termômetro do sentimento nacionalista na Europa.
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O comparecimento às urnas na Holanda foi tão alto nesta quarta-feira (15/03) que algumas seções eleitorais tiveram de permanecer abertas após as 21h, horário previsto para o encerramento da votação. Cerca de 78% dos 13 milhões de holandeses aptos a votar decidiram participar de uma eleição parlamentar considerada histórica.
Um dos eleitores de última hora foi Bob Gros, em Haia. "Eu vim correndo porque achei que era a minha obrigação", disse. Gros votou no liberal Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), do atual primeiro-ministro Mark Rutte, e se disse aliviado que, apesar de perdas, o chefe de governo pode continuar no cargo. O PVV alcançou 21,3% dos votos e deve somar 33 assentos no Parlamento, oito a menos do que tinha, mas permanece a principal força política do país.
Menos motivos para festejar tem o populista de direita Geert Wilders. Apesar de ter conquistado cinco assentos a mais do que na última legislatura (20 no total), seu partido PVV ficou muito aquém das expectativas, com apenas 13,1% dos votos.
Wilders não se pronunciou após o mau resultado, apenas escreveu no Twitter: "Vocês ainda não viram tudo". Mais tarde, disse a repórteres: "Não alcancei minha meta na eleição, mas vencemos mesmo assim porque temos mais assentos do que antes".
O partido cristão-democrata CDA, de centro, e o liberal de esquerda D66 conseguiram ampliar consideravelmente sua presença no Parlamento, alcançando 12,4% e 12,1%, respectivamente. E a Esquerda Verde (GL) – cujo líder Jesse Klaver foi comparado ao premiê canadense, Justin Trudeau –, chegou a quadruplicar seus assentos, somando 9%.
O perdedor mais claro foi o parceiro de coalizão do premiê, o Partido Trabalhista (PvdA). Os social-democratas foram massacrados nas urnas: de 25% dos votos na eleição anterior, restaram menos de 6%. Os eleitores culpam o PvdA pela reforma política dos últimos anos, que resultou em cortes significativos no sistema de bem-estar social.
Termômetro europeu
O resultado relativamente ruim dos populistas de direita na Holanda pode ter efeito sobre partidos semelhantes em outros países da Europa. A França escolhe seu próximo presidente em abril, e a populista de direita Marine Le Pen deve estar no segundo turno, marcado para maio. Em setembro vão às urnas os alemães, e o partido eurocético Alternativa para a Alemanha (AfD), que atacou a política migratória da chanceler Angela Merkel, pode conquistar suas primeiras cadeiras no Parlamento.
A vitória de Rutte contou com apoio involuntário do presidente americano, Donald Trump, e do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. De acordo com diversos analistas da televisão holandesa, a liderança caótica de Trump nos Estados Unidos espantou possíveis eleitores de Wilders, e os ataques de Erdogan nos últimos dias deram a Rutte a oportunidade de se apresentar como um estadista sereno e firme.
Coalizão majoritária precisa de quatro partidos
Mas, apesar de ter conseguido barrar os populistas de direita, não será fácil para Rutte compor um governo. Ele precisará do apoio de outros três partidos para formar uma coalizão majoritária, e uma parceria entre VVD, CDA, D66 e GL seria algo absolutamente novo na Holanda.
Para Wilders resta apenas a oposição. Todos os grandes partidos deixaram bem claro que jamais aceitariam uma coalizão com o PVV.
Nem tudo é um mar de tulipas na Holanda
Os holandeses vão às urnas em eleições legislativas. E justamente nesse país pacato e admirado por sua atitude liberal e economia próspera, os populistas de direita ameaçam se afirmar como legenda mais forte.
Foto: Fotolia/samott
País-modelo da Europa?
Tendo como marcas registradas os bucólicos moinhos de vento e campos de tulipas, a Holanda, membro fundador da União Europeia, é um país florescente, com crescimento econômico estável, orçamento equilibrado, baixo desemprego e clima social liberal. Mas nas próximas eleições, entre os favoritos está justamente o populista de direita Partido para a Liberdade (PVV). Como se explica tal fato?
Foto: NBTC Holland Marketing
O grande simplista
No mundo globalizado, os problemas sociais, políticos e econômicos se tornam cada vez mais complexos, o que deixa muitos desorientados e perplexos. Essa é a grande chance de populistas como a Frente Nacional da França ou a Alternativa para a Alemanha. Na Holanda, quem vai à caça de votos com respostas simples para questões complexas é Geert Wilders e seu PVV.
Foto: SHK
Promessas mal cumpridas
Ao assumir a chefia de governo da Holanda em 2012, o liberal Mark Rutte comprometeu-se a promover a recuperação econômica e aumentar a prosperidade. E cumpriu essa promessa: os dados básicos da economia são inegavelmente positivos. O problema é que muitos holandeses das classes média e baixa não percebem diretamente qualquer melhora: sua situação de vida não é melhor do que cinco anos atrás.
Foto: Getty Images/AFP/F. Florin
Perda de confiança galopante
Rutte prometera, por exemplo, não mais investir verbas no saneamento das dívidas de outras economias nacionais da União Europeia. Mas pouco após sua posse, aprovou o pacote de resgate econômico para a Grécia. A partir daí, a perda de confiança se instaurou. Mais tarde, o governo ainda elevou para 67 anos a idade de aposentadoria e cortou benefícios sociais.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Hoppe
Boom para quem?
Em breve os holandeses notaram que eram eles próprios que arcavam com o crescimento econômico nacional, sendo forçados a aceitar cortes no salário-desemprego e na assistência de saúde. O boom deixa os cidadãos insatisfeitos: o desemprego caiu, porém, mesmo tendo trabalho, muitos não ganham o suficiente para manter seu padrão de vida.
Foto: Reuters/M. Kooren
"Nosso barco está cheio!"
Em tais circunstâncias, reflexos nacionalistas vêm à tona – até mesmo na Holanda, cujo posicionamento fundamentalmente liberal há anos tem sido um modelo para muitos europeus. Também os holandeses passaram a se opor ao acolhimento de refugiados, num reflexo que vem a calhar para populistas de direita como Geert Wilders, sendo lenha na fogueira xenófoba, antieuropeia e anti-islâmica.
Foto: Getty Images/AFP/P. van de Wouw
Populistas unidos
No dia em que Donald Trump assumiu a presidência dos EUA, o PVV de Wilders liderou as sondagens pela primeira vez. E manteve essa posição desde então, com oscilações mínimas. Pesquisas sugerem que o PVV conseguirá 16% dos votos, seis pontos a mais que em 2012. O VVD (de 26% para 16%) do premiê Rutte e o social-democrata PvdA (de 24% para 8%), por outro lado, despencam.
Foto: DW/T.Lageman
Medo dos forasteiros
Estrangeiros, e sobretudo os muçulmanos, são alvo constante para Wilders. Não há praticamente uma aparição pública sua sem a advertência de que em breve o país estará "islamizado". Da mesma forma como, nos Estados Unidos, Donald Trump responsabiliza os mexicanos por tudo o que há de ruim, Wilders ataca regularmente os "marroquinos", que a seu ver não têm lugar na Holanda.
Foto: Getty Images/AFP/A. Johnson
Visibilidade indesejada
As casas de oração são expressão visível da presença muçulmana na Europa, e muitos simplesmente não querem mais vê-las. Wilders se aproveita desse reflexo, reivindicando a "proibição nacional de mesquitas". Inimigo tanto da "ideologia islâmica" quanto do euro, ele questiona a UE como um todo. Paralelamente, promete aos eleitores melhor previdência na terceira idade e aumento das aposentadorias.
Foto: Getty Images/AFP/B. Maat
Precisamos nos defender!"
Geert Wilders inegavelmente capitaliza o clima de insatisfação e insegurança na Holanda. Até hoje tem sido raro no país legendas extremistas conseguirem concretizar nas urnas os bons resultados nas sondagens. Mas por enquanto parece ressoar o argumento populista, de que em breve o país não precisará de diques só para se defender das águas do Mar do Norte, mas também dos forasteiros e refugiados.