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Tendência

Carlos Albuquerque13 de março de 2008

Com um partido ortodoxo cristão na coalizão de governo, holandeses restringem prostíbulos e "coffee shops", procuram alternativas para o aborto e eutanásia e permissão a juízes de paz a não celebrarem casamento gay.

Prefeitura fechou um terço dos bordéis no bairro das luzes vermelhas em AmsterdãFoto: AP

Além de tulipas e moinhos de vento, a Holanda ficou conhecida, nas últimas décadas, como um dos países mais liberais do mundo. Com o aborto legalizado e a maconha liberada para consumo próprio, os holandeses iniciaram o novo milênio com a legalização da eutanásia, da prostituição e do casamento gay.

Os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 e os assassinatos do político populista Pim Fortuyn por um ativista de extrema esquerda, em 2002, e do diretor de cinema Theo van Gogh por um fanático muçulmano, em 2004, deixaram marcas indeléveis na liberal cultura holandesa, também caracterizada pelo afluxo migratório de africanos e árabes.

A partir de fevereiro de 2007, a União Cristã (CU), partido ortodoxo protestante relativamente jovem, passou a fazer parte da grande coalizão de governo composta por social-democratas do Partido do Trabalho (PvdA) e comandada por democrata-cristãos do Apelo Democrata Cristão (CDA). Desde então, a União Cristã tem sido o motor das reformas à política social liberal holandesa.

Entre elas, está a restrição da localização dos coffee shops (cafés onde é permitida a venda e consumo de maconha e haxixe), fechamento de bordéis-vitrines no tradicional bairro das luzes vermelhas de Amsterdã, redução da eutanásia e do aborto e permissão a juízes de paz de não celebrarem o casamento gay, caso tenham objeções morais contra este.

Negócio pesado com drogas leves

'Coffee shop' em Amsterdã: futuro incertoFoto: AP

Na Holanda, maconha e haxixe são considerados drogas leves. O álcool é droga pesada. No entanto, o negócio com drogas leves está ficando cada vez mais pesado no reino de Beatrix. Existem cerca de 700 coffee shops em todo o país. Há dez anos, este número era o dobro. A cidade de Roterdã deverá fechar 27 de seus 62 "coffee shops" até janeiro de 2009. Todos os coffee shops num raio de 250 metros de uma escola de ensino médio deverão desaparecer.

A prefeitura de Haia também quer seguir o exemplo de Roterdã. Em Maastricht, visitantes de coffee shops têm que deixar, desde o ano passado, impressão digital e cópia da identidade. Os dados são armazenados por 48 horas, evitando assim que comprem mais do que os cinco gramas de maconha permitidos diariamente.

Amsterdã não dará mais novas licenças para coffee shops, mas não vê necessidade de introdução das novas regras. "Queremos primeiro saber o que o governo quer de nós. Queremos ver estatísticas que justifiquem que uma regra de distância é sensata", explica um porta-voz da prefeitura.

Se a regra de 250 metros fosse aplicada em Amsterdã, cerca de 90% dos 240 coffee shops da cidade fechariam. "O tráfico de rua se tornaria, nesta cidade, um problema enorme e incontrolável", afirma o porta-voz.

Luzes piscam há mais de 100 anos

De Wallen deverá seduzir outro tipo de clientelaFoto: flickr / antoine_guerre

Apesar da posição liberal, o prefeito de Amsterdã, o trabalhista Job Cohen, decidiu fechar boa parte dos bordéis-vitrine do bairro das luzes vermelhas, conhecido como De Wallen pelos holandeses. O bairro é um dos mais antigos e pitorescos de Amsterdã, mas ficou conhecido por suas casas de striptease e prostitutas que se oferecem nos bordéis-vitrine. Ainda que a prostituição só esteja legalizada desde 2000, as luzes vermelhas piscam há mais de 100 anos.

Segundo o prefeito de Amsterdã, muito mudou desde a lei aprovada em 2000: "A lei foi feita para a prostituição por livre vontade. Hoje, escuta-se somente sobre tráfico humano, exploração e outras atividades criminosas".

O assim chamado Projeto 1012, devido ao código postal da área, prevê a substituição de bordéis, lanchonetes e lojas de suvenir da tradicional área da cidade por restaurantes chiques, ateliers e galerias de arte. Em setembro de 2007, cerca de um terço das famosas vitrines do centro de Amsterdã desaparecera com a venda de uma grande rede de bordéis.

Luxo sim, sexo não

Uma imobiliária adquiriu 18 estabelecimentos com 51 vitrines por cerca de 25 milhões de euros do barão do sexo Charlie Geerts, conhecido como "O Gordo". Acusado de não cumprir com os padrões estabelecidos pela prefeitura, ele desistiu da batalha judicial de mais de um ano e vendeu seus estabelecimentos.

No final de janeiro de 2008, cerca de 20 designers convidados a se mudarem para De Wallen apresentaram suas coleções ao longo de um dos canais da área de prostituição. Prostitutas se alternam agora com manequins trajando bolsas e roupas de luxo.

A prefeitura da cidade previu uma data limite para verificar o sucesso do projeto. Os designers têm um ano para trazer uma nova dinâmica para a área e seduzir uma nova clientela para o bairro das luzes vermelhas. Por isto, as camas dos antigos bordéis não foram retiradas e podem voltar ao seu velho uso, caso o projeto falhe.

Estrangeiros sim, juízes de paz não

Para romancista, Holanda de Spinoza acabouFoto: DW

Algumas das novas medidas do governo de coalizão da Holanda são, em alguns pontos, bastante paradoxais. Numa época em que o consumo de maconha e haxixe por adolescentes diminui em toda a Europa, mas que o consumo alcoólico atinge proporções alarmantes, prefeituras holandesas proíbem coffee shops próximos a escolas. Os mesmos estabelecimentos podem continuar a existir se optarem pela venda, por exemplo, de bebidas alcoólicas.

Após a morte de Theo van Gogh, autoridades holandesas passaram a exigir de imigrantes provas de conhecimento da língua e comprometimento com instituições da cultura liberal do país, como, por exemplo, o casamento gay. Por outro lado, juízes de paz holandeses que tenham objeção contra o casamento de pessoas do mesmo sexo são, agora, liberados da obrigação de realizá-lo.

Modificações urbanas como no bairro das luzes vermelhas, em Amsterdã, já foram realizadas, no passado, em outros tradicionais bairros boêmios e de artistas, como o Soho de Nova York, o Marais de Paris e o Mitte de Berlim. O resultado é uma estrutura urbana por vezes irreal, pois os responsáveis pelo seu charme foram embora e o bairro foi entregue à especulação imobiliária yuppie.

Imprensa americana

O romancista holandês Leon de Winter explicou ao jornal The Harald Tribune que as mortes de Theo van Gogh em 2004 e de Pim Fortuyn em 2002 marcaram o fim da Holanda de Erasmo e Spinoza. Seus assassinatos mostraram os efeitos cumulativos de duas forças que balançaram as bases da sociedade civil holandesa nos últimos 40 anos: a revolução cultural e sexual dos anos de 1960 e 1970 e o afluxo de trabalhadores muçulmanos durante os anos de prosperidade.

Segundo o diário The Washington Post, a Holanda estaria passando pela mesma metamorfose que o resto da Europa Ocidental. Grandes afluxos de negros, árabes e muçulmanos estão mudando a compleição social de uma sociedade branca e cristã, lutando contra a perda de identidade. Os medos são exacerbados pelo alarme de organizações criminosas que teriam infiltrado o país com prostituição e drogas.

The Washington Post afirmou ainda que haveria um desconforto em torno da globalização, já que os holandeses não conseguem mais controlar o próprio país. Citando o professor de história contemporânea na Universidade de Amsterdã James C. Kennedy, o jornal explicou que "existe um espírito mais conservador no país interessado em colocar limites e se certificar que as coisas estão sob controle".

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