Você já ouviu falar da berlinense Christa Reinig? Não se preocupe. Mesmo entre os alemães ela é pouco conhecida. Colunista Ricardo Domeneck presta pequena homenagem à autora e explica por que ela deveria ser mais lida.
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Depois de conhecermos os escritores mais famosos de um país, é sempre um prazer se lançar à caça daqueles pequenos tesouros que muitas vezes ficam escondidos em sebos. No Brasil, após ler os maiores romances de João Guimarães Rosa, Clarice Lispector ou Graciliano Ramos, foi um prazer ir descobrindo autores através de amigos ou empoeirados a esmo por livrarias, como estavam na década de 1990 os livros de Hilda Hilst, Lúcio Cardoso ou Manoel Carlos Karam.
Tenho tido ótimas descobertas aqui na Alemanha nos últimos tempos, e já comentei aqui o trabalho de Horst Bienek, por exemplo. Outra excelente descoberta foi Christa Reinig (1926-2008). Ela não é completamente desconhecida, e seu trabalho pode ser encontrado em antologias. A autora viveu na Alemanha Oriental, onde teve seu trabalho encorajado por Bertolt Brecht, mas não demorou para que ela entrasse em conflito com o regime comunista do país. Em 1964, após ter sua viagem negada vários vezes, a autora conseguiu ir a Bremen para receber o Bremer Literaturpreis (Prêmio de Literatura de Bremen). A autora não retornaria à Alemanha Oriental, estabelecendo-se em Munique.
Várias publicações seguiram-se então em seu novo país, a Alemanha Ocidental. Romances, contos, ensaios, poemas. Os primeiros que li parecem-me algo único na poesia alemã: poemas curtos, diretos e sardônicos. Alguns são como entradas em um diário:
Montag
Meine durstigen Finger
baden in deinem Haar
ziehen überflüssige sheitel
als wären da läuse
Segunda-feira
Meus dedos sedentos
banham-se no seu cabelo
repartem a esmo os fios
como se houvesse lêndeas
São textos líricos, mas com aquela dose de humor que encontramos em poetas brasileiros como Oswald de Andrade ou Angélica Freitas. Soa tudo tão próximo e familiar. Fiquei me perguntando se seria justamente este humor o que incomoda os alemães? Será o fato de vir de uma mulher, e lésbica? Afinal, este lirismo com dose de sátira pode ser encontrado em homens como Bertolt Brecht e Thomas Brasch. Não importa. Eu pretendo seguir lendo Christa Reinig. E recomendo seus poemas minimalistas e fortes, até mesmo para os que estão aprendendo alemão.
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Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
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Dez clássicos da literatura alemã
De "Fausto" à "História sem fim", de Thomas Mann a Günter Grass, a literatura alemã inclui obras para todos os gostos. Selecionamos dez.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Endig
"Fausto"
Dividido em duas partes, o poema trágico de Johann Wolfgang von Goethe, de 1808, "Faust – eine Tragödie" é considerado uma das obras-primas da literatura alemã. Insatisfeito com a própria vida e sedento de conhecimento, o cientista Heinrich Fausto acaba fazendo um pacto com o diabo, Mefisto, prometendo-lhe sua alma. Na foto, a tragédia é interpretada pelos atores Bruno Ganz e Robert Hunger-Bühler.
Foto: picture-alliance/dpa/Expo_2000
"A Montanha Mágica"
Uma das obras mais conhecidas de Thomas Mann, "Der Zauberberg", de 1924, é considerado um retrato da sociedade europeia antes da Primeira Guerra Mundial. O romance aborda a estadia do jovem Hans Castorp, oriundo de uma tradicional família de Hamburgo, num sanatório, nos Alpes suíços, de 1907 a 1914. O romance foi transformado em filme pelo diretor Hans W. Geissendörfer, em 1982 (foto).
Foto: imago/United Archives
"O tambor"
"Die Blechtrommel", de 1959, trouxe reconhecimento internacional ao futuro Nobel Günter Grass e projeção à literatura alemã do pós-guerra. O romance pertence à chamada "Trilogia de Danzig", que lida com a culpa da Alemanha pelo nazismo e a memória do Terceiro Reich. A versão para o cinema da obra, dirigida por Volker Schlöndorff, foi a primeira produção alemã do pós-Guerra a conquistar um Oscar.
Foto: ullstein - Tele-Winkler
"O perfume"
O bestseller de Patrick Süskind, "Das Parfum – Die Geschichte eines Mörders" foi publicado em 1985 e, em 2006, ganhou versão cinematográfica (foto). A história se passa na França no século 18 e tem como protagonista Jean-Baptiste Grenouille, cujo próprio corpo não tem cheiro, mas que é dotado de um olfato fora do comum. Obcecado em criar o perfume perfeito, ele se transforma num assassino.
Foto: picture-alliance/dpa
"O lobo da estepe"
O clássico "Der Steppenwolf" foi publicado por Hermann Hesse (foto) em 1927. Em plenos anos 1920, em Zurique, o protagonista Harry Haller vive uma crise existencial em meio à devastação do pós-guerra e descreve a si mesmo como "o lobo da estepe". Ao conhecer Hermínia, ele começa a ver o mundo de outra maneira. O livro foi o primeiro de Hesse a ser traduzido para o português, em 1935.
Foto: picture-alliance/Sven Simon
"Os bandoleiros"
O drama de Friedrich Schiller "Die Räuber", de 1781, tem como tema as tramas criminosas da nobreza, mais especificamente a rivalidade entre os irmãos Karl e Franz von Moor. Os dois brigam pelo reconhecimento do pai, concorrem pela mesma mulher e lutam por poder e influência. O clássico acaba de ser adaptado para o cinema no ano passado (foto), codirigido por Pol Cruchten e Frank Hoffman.
Foto: Coin Film Francois Fabert
"A honra perdida de Katharina Blum"
"Die verlorene Ehre von Katharina Blum" foi publicado pelo Nobel de Literatura Heinrich Böll em 1974. O autor tematiza a imprensa sensacionalista e suas possíveis consequências por meio da história da dona de casa Katharina Blum e do assassinato do jornalista Werner Tötges. O romance foi adaptado para o cinema em 1975 (foto), sob a direção de Volker Schlöndorff e Margarethe von Trotta.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library
"O Leitor"
"Der Vorleser", publicado por Bernhard Schlink em 1995, gira em torno do amor de Michael Berg, de 15 anos, por Hanna, 21 anos mais velha. Numa espécie de ritual romântico, ela sempre lhe pede que leia para ela. Até que Hanna desaparece. Anos depois, Michael a reconhece entre os acusados num processo para julgar crimes do nazismo. O romance transformou-se em filme em 2008 (foto).
Foto: Studio Babelsberg AG
"A história sem fim"
"Die unendliche Geschichte", publicado por Michael Ende em 1979, não pode faltar nas estantes das crianças na Alemanha. Todas conhecem as aventuras do jovem Bastian no país Fantasia, que ganharam projeção internacional desde que "A história sem fim" chegou aos cinemas, em 1984 (foto). O romance fascina não somente o público infantil, mas também adulto.
Foto: picture-alliance/dpa
"Contos de Grimm"
A coletânea dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm "Kinder- und Hausmärchen" foi publicada entre 1812 e 1858, e é considerada a obra alemã mais disseminada no mundo, depois da Bíblia de Lutero. Incluindo clássicos como "Rapunzel", "Chapeuzinho Vermelho" (foto) e "Branca de Neve", os contos já foram traduzidos para mais de 160 idiomas e inspiraram filmes, peças de teatro, desenhos animados e quadrinhos.