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EsporteEuropa

Hooligans da Croácia: neonazistas ou provocadores infantis?

Srecko Matic
15 de junho de 2024

Na Eurocopa 2024, a Alemanha recebe torcedores de todo o continente, entre eles dezenas de milhares da Croácia. Os ultras do país têm histórico de comportamento violento, até homicídio. Um problema isolado ou europeu?

Torcedores do Dinamo Zagreb celebram vitória de seu time no campeonato croata de 2023-24
Bad Blue Boys, do Dinamo Zagreb celebram vitória de seu time no campeonato croata de 2023-24Foto: Marko Lukunic/PIXSELL/picture alliance

Michalis Katsouris morreu aos apenas 29 anos de idade. Como noticiou a imprensa grega em 8 de agosto de 2023, segundo dados da polícia, na noite anterior ele recebera diversas facadas. Levado para o hospital, não resistiu aos ferimentos graves.

A tragédia se desenrolou antes da partida classificatória para a Champions League entre AEK Athens e Dinamo Zagreb, campeão da primeira liga da Croácia. Os golpes que resultaram numa hemorragia fatal em Katsouris ocorreram durante confrontos entre hooligans de ambos os times.

Perante os vídeos que circularam na internet, mostrando as batalhas campais entre os gregos e os croatas, o sociólogo especializado em comportamento de torcidas Dino Vukušić, do Instituto de Ciências Políticas Ivo Pilar, de Zagreb, comenta, chocado: "Foi um precedente. Era a primeira vez que um grupo de torcedores croata se envolvia num incidente assim trágico, mortal."

Na realidade, os 200 Bad Blue Boys (BBB), os ultras do Dinamo Zagreb, não tinham permissão para estar em Atenas, da mesma forma que nenhum grupo de hooligans estrangeiro. Logo em seguida ao crime, cerca de 100 ultras croatas foram presos.

"Bem depressa ficou claro que alguma coisa não estava certa. Pois os Bad Blue Boys têm um código de honra que proíbe terminantemente o porte de armas brancas", explica Vukušić. As investigações não foram longe: até dezembro de 2023, todos os suspeitos haviam sido liberados, e até hoje se desconhece o autor do homicídio.

Homenagem a torcedor morto Michalis Katsouris no estádio do AEK AthensFoto: Dimosthenis Kamsis/AP Photo/picture alliance

A morte de Katsouris chocou a cena esportiva da Europa. O presidente da União das Associações Europeias de Futebol (Uefa), Aleksandar Čeferin, conclamou à luta contra o "câncer" do hooliganismo: "O problema não é só grego, mas europeu", comentou o esloveno numa coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis: "Precisamos eliminá-lo."

Vukušić confirma: "Praticamente todo fim de semana, em algum lugar da Europa, temos algum choque brutal, em geral com consequências ainda mais graves. Mas a coisa foi apresentada como um problema exclusivamente croata." Na verdade, tal violência é típica da subcultura das torcidas, explica o especialista: ela tem suas regras e determinados rituais, e quase não faz diferença se se trata dos Bálcãs ou do oeste europeu.

De cantos racistas à suástica no gramado

Fato é que, em geral, os ultras croatas têm péssima fama. Quando, durante uma classificatória para a Eurocopa na Noruega, em março de 2015, um grupo deles chamou a atenção por entoar cantos racistas, a Uefa decretou que a próxima partida da Croácia contra a Itália, em Split, se realizaria sem público.

Na noite antes do jogo, desconhecidos usaram uma substância química para queimar uma gigantesca cruz suástica no gramado. Como punição, a seleção croata perdeu pontos, além de amargar multa de 100 mil euros e mais duas "partidas-fantasma".

Ultras do Hajduk Split devastaram estádio após derrota para o Dinamo Zagreb em abril de 2024Foto: Zvonimir Barisin/PIXSELL/picture alliance

Os Bad Blue Boys estão entre os hooligans de pior fama da Europa. Em 2022, antes do jogo do campeão croata Dinamo Zagreb contra o AC Milan, pela Champions League, eles marcharam pelo centro da italiana Milão exibindo a saudação da organização fascista croata Ustaše, que é idêntica à dos nazistas alemães, com o braço direito levantado.

No ano seguinte, durante uma partida da primeira liga da Croácia, entre o NK Rudes e o Hajduk Split, uma bandeira de guerra do Império Alemão, da época nazista, decorava a arquibancada da torcida local, com o número-código "88" bem visível. Como o algarismo 8 representa a oitava letra do alfabeto, H, para os iniciados "HH" equivale à saudação nazista "Heil Hitler", cujo emprego na Alemanha é passível de punição.

E em abril de 2024, ultras do Hajduk Split invadiram o gramado e devastaram o estádio de Poljud, após o time perder para o Dinamo Zagreb na semifinal do campeonato croata.

Os hooligans do Dinamo Zagreb cultivam uma inimizade especial em relação ao Hajduk Split, o outro principal clube do país. É comum haver choques violentos entre os respectivos grupos de ultras BBB e Torcida. Durante a Euro 2024, na Alemanha, contudo, não há esse perigo, pois os integrantes do Torcida, do Hajduk, se opõem à seleção nacional, liderada por Luka Modrić, e se recusam a torcer por ela.

"BBB têm código de honra que proíbe terminantemente porte de armas brancas", afirma especialista em comportamento de torcidasFoto: Igor Kralj/PIXSELL/picture alliance

Extremismo ou mera provocação infantil?

Apesar de todos os incidentes, o jornalista esportivo Aleksandar Holiga, da emissora croata Telesport, desaconselha generalizações, pleiteando uma abordagem mais diferenciada. "Esses símbolos e escândalos são vistos em diversos países, e em diferentes contextos. Eles têm, sim, uma dimensão política, afinal são exibidos publicamente. No entanto, na maioria dos casos, se trata de provocações infantis, de mau gosto, totalmente deslocadas."

Os grupos de torcedores não são homogêneos, nem do ponto de vista político, nem de outros posicionamentos, prossegue o jornalista: eles seriam simplesmente um corte transversal da sociedade, não devendo, portanto, ser estigmatizados.

A noite fatídica em Atenas poderia ter significado também uma cesura para o futebol croata: em reação, o governo prometeu medidas imediatas, falou-se de novos projetos para torcedores, iniciativas educativas e trabalho de prevenção mais intenso.

Desde então, contudo, pouco aconteceu, critica Vukušić: "Falta diálogo, acima de tudo. Na Croácia, quase não há comunicação entre os torcedores, os clubes e a polícia. Muitos problemas não teriam acontecido se, de antemão, as partes tivessem se sentado juntas e definido o transcorrer do dia da partida. A Bundesliga alemã tem encarregados para as torcidas, essa seria uma boa ideia."

Em geral, na Croácia falta confiança nas instituições estatais, aponta o sociólogo: muitas vezes a polícia age com brutalidade desproporcional, provocando reações violentas dos hooligans – e é preciso finalmente acabar com isso.

"Há esboços de solução. Primeiro precisamos aprovar uma lei moderna para os torcedores; é preciso definir claramente o que é proporcionalidade por parte da polícia. A gente precisa entender o que é uma partida de futebol e quais regras de comportamento obedece. Futebol não é teatro, futebol é uma série de rituais."

Mas é também é preciso processar o trágico capítulo de Atenas. Para que um incidente assim nunca mais se repita.