Médicos de uma UTI na capital da Espanha contam como chegaram ao seu limite físico e emocional durante a pandemia. Muitos ainda não se sentem recuperados – e já temem nova onda de infecções após as festas de fim de ano.
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2020 foi um ano difícil. Mas quão difícil, talvez a médica Carmen Gijón só tenha se dado conta agora. A espanhola ainda tem alguns dias de folga antes de voltar ao trabalho na unidade de terapia intensiva de um hospital no norte de Madri. Já se passou um certo tempo desde que o local foi repentinamente atingido pela primeira onda da pandemia de coronavírus, em março. A experiência, porém, ainda está sendo processada. Naquela época, ela e seus colegas precisaram lutar pela sobrevivência de seus pacientes num constante clima de desespero, frustração e impotência.
Gijón estava presente quando o coronavírus levou inúmeras pessoas de suas vidas. De uma hora para outra, ela via seus pacientes desaparecerem de suas camas em sacos de cadáveres. Alguns deles eram idosos, outros tinham acabado de se tornar pais. Alguns até pareciam que iriam sobreviver. Muitos morreram na presença apenas de médicos da UTI, pois as condições estritas raramente permitiam que um parente estivesse no leito de morte.
"Todos os dias eu chorava no caminho de casa"
Ao se lembrar desses momentos, a médica intensivista de 38 anos tenta conter as lágrimas. Em blocos de oito dias consecutivos e com apenas um dia de folga entre eles, ela e seus colegas trabalharam incansavelmente até o verão, dando o máximo de si. Gijón conta que, todos os dias, chorava no caminho de casa e, com isso, colocava tudo para fora. Mais tarde, exausta, tinha noites de sono agitado.
"Às vezes não sei como conseguimos aguentar tudo isso. A primeira onda foi literalmente uma batalha", lembra a médica. Atualmente, muitos de seus colegas precisam de apoio psicológico e, em alguns casos, até de medicamentos, a fim de encontrar tranquilidade novamente. Mesmo aqueles considerados "muito fortes" ficaram traumatizados. No verão, quando o número de infecções diminuiu, houve uma pequena trégua. Mas os leitos de terapia intensiva voltaram a ficar lotados em setembro, e Gijón mais uma vez se viu exausta física e mentalmente.
Mais mortes após as festas de fim de ano
Para a médica intensivista Laura Sanz, isso tudo é um tapa na cara, sobretudo após a experiência do início do ano. Ela acredita que o vírus saiu de controle novamente devido a medidas muito brandas e ao comportamento individual de cada um, e não descarta uma nova onda.
Outros médicos também calculam que ainda haverá muitas mortes por covid-19, especialmente após as festas de Natal. Na Espanha, dependendo da região, poderão se reunir de seis a dez pessoas durante o feriado. Resta saber se todos irão obedecer a regra e também manter distância, usar máscaras e garantir a ventilação dos ambientes.
"A esta altura, todos já sabem o que é preciso fazer. É uma questão de responsabilidade", diz Sanz. Às vésperas das festas de fim de ano, cada vez mais famílias vêm à sua clínica em Madri para serem testadas – uma atitude correta, avalia a médica intensivista.
No início da pandemia, a profissional de 37 anos se viu no papel de paciente, ao ser contaminada pelo coronavírus. O contágio provavelmente se deu quando ainda ninguém levava o perigo a sério. Sanz chegou a ficar duas semanas internada, com falta de ar. Todos os dias ela temia que seus colegas a transferissem para a unidade de terapia intensiva. Em uma maca, a intensivista observava as mudanças no mundo ao seu redor. Pouco tempo depois, todos os leitos do hospital estavam ocupados por pacientes de covid-19.
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Doentes nos corredores
"Parecia um cenário de guerra. Havia doentes deitados até nos corredores", lembra Sanz. Alguns pacientes morreram de forma tão repentina que sequer tiveram tempo de pedir ajuda. Ela conta que jamais teria sobrevivido sem a sua colega de quarto, Joaquina, de 78 anos. "Nos dez dias que passamos juntas, ela foi como uma avó para mim", diz. Mas Joaquina não sobreviveu. Nem o médico-chefe que cuidou de Sanz, que também morreu de coronavírus.
Após se recuperar, ela quis voltar a trabalhar o mais rápido possível, também para dar apoio aos colegas. Contudo, ainda não consegue trabalhar por turnos inteiros, pois sofre os efeitos de longo prazo da doença – ela tem problemas digestivos. Casos como esses também são alvo de suas pesquisas. Junto com outros médicos, ela tem investigado possíveis conexões entre as bactérias da flora intestinal e uma infecção por coronavírus.
As bactérias são como "o rei da selva" – as boas defendem seu território de invasores, por exemplo, do coronavírus, influenciando a gravidade do curso de uma infecção. A longo prazo, portanto, há uma esperança de que a própria flora bacteriana possa combater os efeitos da doença.
Até janeiro, Laura Sanz aposta em dias e semanas longos na unidade de terapia intensiva. E espera que ela e seus colegas tenham energia suficiente, porque 2020 foi um ano difícil.
O ano de 2020 não foi só de pandemia
Há fotos que não saem da cabeça. Aqui, uma seleção de imagens que marcaram momentos inesquecíveis de 2020, para além da crise da covid-19.
Foto: Go Nakamura/Getty Images
Austrália em chamas
Nancy e Brian Allen junto a sua casa em New South Wales, Austrália. O vento soprava cinza e fumaça dos focos de incêndio, o céu tinha a cor laranja. Durante meses, incêndios florestais varreram o continente, causando a morte de 34 pessoas e a destruição de uma área florestal maior que a Irlanda. As imagens do desastre natural marcaram o início do ano 2020.
Foto: Tracey Nearmy/REUTERS
Inesquecíveis
Cetin Gültekin coloca a mão no grafite que retrata seu irmão Gökhan. O jovem de 37 anos foi assassinado num ataque racista em Hanau, na Alemanha, junto com outras oito pessoas. Mais tarde, o assassino matou a mãe e a si próprio. A pintura de 27 metros de comprimento foi feita em um pilar de ponte por um coletivo de artistas e tem a intenção de manter viva a memória das vítimas.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Arnold
Gesto de humanidade
Esta foto também causou sensação: em uma ação do movimento Black Lives Matter em Londres, Patrick Hutchinson carrega um homem branco presumivelmente ferido. De acordo com a mídia britânica, o homem carregado pertencia a um grupo de contramanifestantes de direita. Nas redes sociais, Hutchinson, que estava no protesto para garantir a segurança dos manifestantes negros, foi celebrado por essa ação.
Foto: Dylan Martinez/REUTERS
Ato pela democracia
Esta manifestante em Varsóvia, na Polônia, lembra a Estátua da Liberdade de Nova York. Após as controversas eleições na vizinha Belarus, ela foi à rua em solidariedade ao movimento de oposição, segurando seu smartphone como uma tocha na escuridão da noite e enrolada na bandeira que se tornou símbolo dos protestos contra o bielorrusso Alexander Lukashenko, conhecido como o último ditador da Europa.
Foto: Kacper Pempel/REUTERS
Sinfonia em meio a ruínas
A explosão devastadora no porto de Beirute não só matou cerca de 200 pessoas, como também destruiu inúmeras casas, incluindo o apartamento do pianista Raymond Essayan. O músico sofreu traumatismo craniano, mas mesmo assim não parou. Para um vídeo musical, ele construiu um piano de cauda a partir de escombros e tocou uma nova música.
Foto: Chris McGrath/Getty Images
Falácia com a Bíblia
Esta imagem causou estranheza: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ergue uma Bíblia diante de uma igreja em Washington, presumivelmente para marcar pontos com seus eleitores evangélicos. Antes disso, ele havia mandado dispersar com gás lacrimogêneo manifestantes pacíficos em frente à Casa Branca − para muitos, uma atitude pouco cristã.
Foto: Tom Brenner/REUTERS
Um abraço como remédio
Quando o médico Joseph Varon visitou sua enfermaria com pacientes de covid-19 em um hospital no Texas, ele viu este paciente idoso sozinho, chorando. Mesmo no feriado americano de Ação de Graças, ele não teve permissão para receber visitas. "Ele disse apenas: 'Quero estar com minha esposa'", disse Varon ao portal Chron dos EUA. "Ele precisava de alguém para abraçá-lo", completou o médico.
Foto: Go Nakamura/Getty Images
Metrô no caminho errado
Não, esta não é uma fotomontagem: este metrô na Holanda simplesmente ultrapassou seu destino quase de forma artística. O metrô descarrilhado não parou a tempo e acabou parecendo uma obra de arte junto às baleias de metal. Felizmente, ninguém ficou ferido. Este espetacular acidente também cativou muitos leitores da DW.
Foto: Robin Utrecht/ANP/AFP
Show com rosto coberto
No MTV Europe Music Awards 2020, a cantora Alicia Keys se apresentou usando uma máscara semitransparente que cobriu todo seu rosto. Neste ano de pandemia, a entrega do importante prêmio aconteceu de forma virtual, em que as apresentações dos artistas foram transmitidas ao vivo de várias partes do mundo.
Foto: Rich Fury/MTV/Getty Images
Votação em tempos de pandemia
Dana Clark e o filho Mason, de 18 meses de idade, esperam fora da prefeitura de Nova Orleans para votar nas eleições presidenciais americanas. Clark disse que usou uma espécie de bolha protetora de plástico para se protegerem, pois não sabia quantas pessoas estariam usando máscaras. A medida protegeu também os alunos que ela ensina como professora.
Foto: Kathleen Flynn/REUTERS
Uma vila na Índia reza por Harris
O que as eleições americanas tiveram a ver com uma vila no estado de Tamil Nadu, no sul da Índia? Em 2020, muito, porque a vice-presidente eleita dos EUA, Kamala Harris, tem raízes indianas. Seu avô materno vem da vila Thulasendrapuram. O povo de lá havia rezado por Harris e comemorou sua vitória.
Foto: STR/AFP/Getty Images
Proteção natalina
De dentro de um globo, este Papai Noel cumprimenta as crianças no parque zoológico de Aalborg, na Dinamarca, em conformidade com as regras de distanciamento exigidas pela pandemia. Não são apenas as crianças que neste ano terão um Natal diferente, em muitos lugares também os adultos terão que renunciar a grandes celebrações familiares.