IA ajuda a desvendar mistério sobre autoria da Bíblia
19 de junho de 2025
Pesquisadores identificaram padrões linguísticos típicos dos grupos autorais de diferentes capítulos bíblicos. Análise sugere, por exemplo, que trechos do livro de Gênesis foram adicionados em um período posterior.
Os pesquisadores encontraram padrões linguísticos ocultos em textos bíblicos escritos há aproximadamente 2.800 anosFoto: mrp/imageBROKER/picture alliance
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Um grupo internacional de pesquisadores desenvolveu um método que utiliza inteligência artificial (IA) e modelagem estatística para identificar quais grupos autorais escreveram partes da Bíblia.
Publicado neste mês na revista acadêmica Plos One, o estudo combina tecnologia de ponta com análise linguística para diferenciar os estilos autorais de diversos trechos bíblicos, alguns dos quais foram escritos há aproximadamente 2.800 anos e evoluíram ao longo dos séculos.
Thomas Römer, especialista bíblico do Collège de France e coautor do estudo, esclarece que a Bíblia não possui autores no sentido moderno. "As versões originais dos pergaminhos foram continuamente reelaboradas e reescritas por redatores que acrescentavam, alteravam e, às vezes, também omitiram partes dos textos anteriores."
Na prática, a IA foi usada para identificar padrões linguísticos e diferenciar autores de capítulos bíblicos. Por exemplo, a análise indica que trechos sobre Abraão no livro de Gênesis não correspondem às principais correntes autorais, reforçando a hipótese de que foram redigidos posteriormente.
A equipe internacional combinou arqueologia, matemática e estudos bíblicos para analisar manuscritos antigos. Na foto, o pergaminho de Isaías de Qumran (120 a.C.), não analisado neste estudoFoto: Abir Sultan/EPA/picture alliance
Origens do projeto
Em 2010, a matemática Shira Faigenbaum-Golovin e o arqueólogo Israel Finkelstein se uniram para analisar inscrições em fragmentos antigos de cerâmica.
Aplicando técnicas estatísticas para comparar estilos de escrita, conseguiram diferenciar autores de textos datados de 600 a.C. O modelo usado em inscrições feitas em peças de barro foi levado para a análise de textos bíblicos.
"Chegamos à conclusão de que os achados nessas inscrições podiam oferecer pistas valiosas para datar textos do Antigo Testamento", explica Faigenbaum-Golovin, segundo comunicado da Universidade de Duke.
A equipe, liderada por Faigenbaum-Golovin, reuniu profissionais de diversas áreas: arqueólogos, especialistas em Bíblia, físicos, matemáticos e cientistas da computação.
Palavras diferenciam tradições autorais
Os pesquisadores focaram nos nove primeiros livros da Bíblia hebraica, que também compõem o Antigo Testamento. 50 capítulos foram classificados em três tradições autorais já conhecidas pela crítica bíblica: os textos do Deuteronômio, a História Deuteronomista (de Josué a Reis) e os Escritos Sacerdotais (presentes em Gênesis, Êxodo e Levítico).
"Descobrimos que cada grupo de autores tem um estilo diferente; surpreendentemente, até no que diz respeito a palavras simples e comuns como 'não', 'que' ou 'rei'. Nosso método identifica com precisão essas diferenças", afirma Römer.
A equipe adaptou um algoritmo desenvolvido no campo da estatística que analisa a distribuição das palavras e criou um dicionário de termos para cada escola de autoria, com aproximadamente 1.447 termos únicos.
Segundo o jornal israelense The Times of Israel, os pesquisadores descobriram que palavras como Elohim (um dos nomes para Deus) e lo (que significa "não" em hebraico) caracterizam os textos do Deuteronômio. A História Deuteronomista inclui essas mesmas palavras com frequência, além de melech (rei) e asher (que). Já zahav (ouro) é característica do corpus dos Escritos Sacerdotais.
Os Manuscritos do Mar Morto (foto), descobertos nas cavernas de Qumran, também serão analisados pela equipe de pesquisadoresFoto: WHA/United Archives/picture alliance
"Pegamos uma palavra específica e verificamos quantas vezes ela aparecia em um texto", explicou Faigenbaum-Golovin. "Podíamos quantificar a distribuição da palavra no texto um e no texto dois e verificar se eram iguais."
Descobertas inesperadas
"Em 84% dos casos, a atribuição automática coincidiu com as avaliações dos estudiosos bíblicos", afirmaram os pesquisadores ao Times of Israel. O sistema confirmou que o Deuteronômio e os livros históricos são mais semelhantes entre si do que aos textos sacerdotais, algo que já é consenso entre os especialistas em Bíblia.
Mas a análise também apontou diferenças em livros que eram considerados de mesma autoria. Diferente do que se pensava, embora as duas seções da Narrativa da Arca tratem do mesmo tema e estejam nos livros de Samuel, elas foram escritas por autores diferentes. Os textos narram a jornada da Arca da Aliança.
"A maioria dos estudiosos pensa que a narrativa de 1 Samuel e a de 2 Samuel pertencem à mesma história, enquanto uma minoria considera que a primeira é uma história originalmente independente. Nossa análise demonstrou que a opinião da minoria está correta", explicaram os pesquisadores.
Essa ferramenta também foi aplicada a textos cuja origem é mais debatida, como o Livro de Ester, o único que não menciona Deus explicitamente, ou os trechos sobre Abraão no livro de Gênesis. Em ambos os casos, o algoritmo concluiu que não se encaixam em nenhum dos três estilos principais, reforçando a tese de que foram produzidos por autores externos às correntes dominantes da Bíblia hebraica.
Livros como o de Eliseu não correspondem ao estilo de escrita dos grupos autorais do Antigo Testamento. Na foto, um restaurador trabalha com fragmentos dos Pergaminhos do Mar MortoFoto: picture-alliance/dpa/EPA/J. Hollander
Desafios metodológicos
Para chegar às conclusões, a equipe enfrentou obstáculos significativos. Como a Bíblia foi editada várias vezes ao longo dos séculos, os pesquisadores precisaram localizar segmentos que mantivessem sua redação original.
"Passamos muito tempo nos convencendo de que os resultados que obtínhamos não eram simplesmente lixo", disse Faigenbaum-Golovin, segundo o comunicado. "Precisávamos estar absolutamente certos da relevância estatística."
Para superar o problema da escassez de dados, em vez de usar o tradicional machine learning (aprendizado de máquina), que requer grandes volumes de informação, os pesquisadores empregaram um método mais direto comparando padrões de frases e frequências de palavras.
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Novas aplicações para textos antigos
As implicações vão além da Bíblia. "O estudo introduz um novo paradigma para analisar textos antigos", resumiu Finkelstein.
Faigenbaum-Golovin aponta que a mesma técnica poderia ser aplicada a outros documentos históricos. "Se se buscam fragmentos de documentos para descobrir se foram escritos por Abraham Lincoln, por exemplo, esse método pode ajudar a determinar se são reais ou uma falsificação."
Os pesquisadores planejam agora aplicar seu modelo a outras partes da Bíblia e a textos como os Manuscritos do Mar Morto. "Há muitas questões em aberto relacionadas aos livros proféticos, assim como às últimas revisões do Pentateuco", afirmou Römer. "Esse método será de grande ajuda para obter resultados mais objetivos."
gq (dw, ots)
O mês de junho em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Leo Correa/AP/picture alliance
Em ação sem maiores danos, Irã responde a EUA com mísseis no Catar
Em resposta ao bombardeio dos EUA a instalações nucleares, o Irã disparou mísseis contra uma base militar americana no Catar. A ação – "fraca", nas palavras de Donald Trump, que teria sido avisado com antecedência – não deixou feridos. Segundo o Catar, os mísseis foram interceptados. (23/06)
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EUA entram na guerra no Irã e atacam instalações nucleares
Nove dias após início da campanha militar israelense, o presidente Donald Trump anuncia que aviões dos EUA "obliteraram" três instalações nucleares iranianas e ameaça Teerã com mais ataques se regime não aceitar imposição de um acordo. Um dos alvos foi o complexo subterrâneo de Fordo (foto). Ataques foram confirmados pelo Irã, mas a extensão dos danos ainda é desconhecida. (22/06)
EUA enviam bombardeiros, e tensão no Oriente Médio escala
Apontados como os únicos capazes de bombardear alvos subterrâneos de difícil acesso no Irã, aviões americanos B-2 foram enviados a Guam, uma ilha no Pacífico. Embora motivo do deslocamento não estivesse claro, ele ocorreu num momento em que o presidente americano Donald Trump avaliava a possibilidade de interferir diretamente na guerra entre Israel e Irã. (21/06)
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Parlamento britânico aprova legalização do suicídio assistido
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A escalada militar entre Israel e Irã se agravou no sétimo dia do conflito, quando um míssel iraniano provocou danos ao principal hospital do sul de Israel e ataques aéreos israelenses atingiram uma importante instalação nuclear iraniana. O centro médico Soroka, na cidade de Bersebá, foi atingido por um míssil balístico, deixando vários feridos. (19/06)
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Milhares protestam na Argentina contra prisão de Cristina Kirchner
Apoiadores da ex-presidente da Argentina saíram às ruas em defesa da líder peronista, que começou a cumprir seis anos de prisão domiciliar por corrupção. Os manifestantes se concentraram em frente à casa do governo argentino e se espalharam pelas ruas vizinhas. Em discurso, Kirchner prometeu "voltar com sabedoria", apesar de não poder mais se candidatar a cargos públicos. (18/06).
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PF indicia Carlos Bolsonaro e Ramagem por "Abin paralela"
A PF concluiu a investigação sobre esquema de espionagem ilegal de celulares na Abin e indiciou mais de 30 pessoas, incluindo o ex-diretor da agência Alexandre Ramagem e o vereador Carlos Bolsonaro. A investigação mira servidores e políticos que teriam monitorado telefones e computadores de desafetos de Jair Bolsonaro durante seu governo. Ele é acusado de se beneficiar do esquema (17/06)
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Agência para refugiados da ONU demitirá 3,5 mil funcionários
O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) anunciou que cortará 3,5 mil empregos – quase um terço de seus custos com a força de trabalho – devido à escassez de recursos, e reduzirá a escala de sua ajuda em todo o mundo após uma queda no financiamento à ajuda humanitária, principalmente dos recursos vindos dos EUA sob Donald Trump. (16/06)
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Milhares protestam nos EUA contra Trump
Uma multidão tomou as ruas de 2 mil cidades americanas em oposição à gestão de Donald Trump, acusado de autoritário pelos manifestantes. O envio de forças federais para reprimir protestos em Los Angeles na última semana e a convocação de um desfile militar que acontece neste sábado em Washington também pautaram as críticas nos atos apelidados de "No Kings" (Sem Reis). (14/04)
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Israel e Irã trocam agressões em escalada militar
Israel lançou um ataque contra instalações nucleares do Irã, matando 78 pessoas, incluindo três dos chefes militares do país e dezenas de civis. A ofensiva desencadeou uma troca de agressões sem precendentes entre os países. Em retaliação, a República Islâmica disparou dezenas de mísseis contra Tel Aviv e Jerusalém, furando o Domo de Ferro israelense e ferindo 34 pessoas. (13/06)
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Queda de avião na Índia deixa mais de 200 mortos
Um avião da Air India com 242 pessoas a bordo caiu em uma área residencial logo após decolar perto do aeroporto de Ahmedabad, no oeste da Índia. Apenas um dos passageiros a bordo sobreviveu. A polícia indiana contabiliza ainda outras 24 vítimas que estavam no solo e morreram no momento do acidente. A causa do acidente está sendo investigada (12/06)
Foto: Ajit Solanki/AP Photo/picture alliance
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Pelo menos 21 palestinos morreram enquanto se dirigiam a locais de distribuição de ajuda humanitária em Gaza. Entidades denunciam, além da violência, quantidade insuficiente de alimentos, após meses de bloqueio à entrada de itens básicos por Israel. O exército israelense alegou que disparou "tiros de advertência". O número de palestinos mortos em 20 meses de guerra já supera 55 mil. (11/06)
Foto: Saeed Jaras/Middle East Images/AFP/Getty Images
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Ao longo de dois dias, ex-presidente e outros sete ex-auxiliares acusados de integrar "núcleo crucial" da trama golpista depuseram na Primeira Turma. Político negou ter discutido planos de golpe após perder a eleição e disse que só debateu medidas constitucionais com militares, mas que não editou "minuta do golpe". (10/06)
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A Marinha de Israel interceptou um barco que tentava levar ajuda humanitária a Gaza. O veleiro Madleen, da iniciativa internacional Flotilha da Liberdade, levava 12 ativistas a bordo. Eles foram escoltados até um porto e, segundo o governo israelense, serão deportados. (09/06)
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Um juiz americano determinou a libertação do estudante brasileiro Marcelo Gomes da Silva, de 18 anos, que chegou aos Estados Unidos com cinco anos de idade e foi detido pelo Serviço de Imigração (ICE) a caminho de um treino de vôlei. Ele ficou preso por cinco dias, durante os quais dormiu em chão de concreto, sem acesso a chuveiro, acompanhado de homens com o dobro da sua idade. (06/06)
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Bilionário que atuou como conselheiro da Casa Branca criticou projeto de lei de Orçamento de Trump que prevê cortes de impostos e aumento de gastos batizado pelo presidente como "Big Beautiful Bill". Musk chegou a endossar impeachment de Trump e associou presidente ao pedófilo Jeffrey Epstein. Trump reagiu dizendo que Musk "enlouqueceu" e ameaçou cortar contratos da SpaceX com governo. (05/06)
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Conservador Karol Nawrocki vence eleição presidencial na Polônia
Resultado é derrota para o governo do primeiro-ministro Donald Tusk e deve dificultar andamento de políticas pró-União Europeia. Apoiado pelo partido ultraconservador Lei e Justiça (PiS), Nawrocki poderá vetar leis e desgastar o governo com bloqueios no Parlamento. Aliança frágil de Tusk pode não resistir até 2027. (02/06)
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