Ida de homem de confiança de Merkel para estatal abre debate na Alemanha
3 de janeiro de 2014Poucas semanas atrás, Ronald Pofalla, até meados de dezembro de 2013 chefe da Casa Civil da Alemanha, declarou que abandonaria todos os cargos públicos para se dedicar mais à vida privada. Segundo recentemente divulgado, porém, em vez disso ele passará a cuidar sobretudo dos assuntos da companhia ferroviária Deutsche Bahn.
O político da União Democrata Cristã (CDU) deverá entrar para a diretoria da empresa já no segundo semestre deste ano. O departamento a ser criado especialmente para ele é voltado à estratégia empresarial de longo prazo e – o que é especialmente delicado – a cultivar os contatos com a política.
Ou seja: aquele que, durante longos anos, foi homem de confiança e colaborador estreito da igualmente democrata-cristã chanceler federal, Angela Merkel, com excelentes contatos políticos, passa a ser lobista-chefe de uma empresa estatal de atuação internacional. A bancada opositora no Parlamento reagiu com indignação, e mesmo alguns políticos do Partido Social-Democrata (SPD), parceiro de coalizão em Berlim, criticaram a súbita manobra "vira-casaca" do ex-chefe da Chancelaria Federal.
Dois empregos em tempo integral
Uma possível explicação para que Ronald Pofalla – sem qualquer especialização no setor de transporte – obtenha um emprego justamente na Deutsche Bahn seria o fato de ela pertencer 100% ao Estado alemão. Contudo, para Gerd Aschoff, vice-presidente da associação de passageiros ferroviários Pro Bahn, isso, em si, constitui um problema.
Ele não é fundamentalmente contra políticos entrarem para o setor empresarial ao fim de seus mandatos. "Mas no caso da Deutsche Bahn é uma situação especial, pois se trata de uma empresa estatal, dependente, de diversas formas, da federação enquanto proprietária", disse à DW. "E aí, essa troca direta é problemática, claro."
No entanto, para Aschoff pesa ainda mais o fato de o democrata-cristão querer manter seu cargo de deputado do Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão), o que, a seu ver, constitui um conflito de interesses incontornável. Acrescente-se o problema prático de a atividade como deputado ser um trabalho em horário integral.
"E agora ele quer paralelamente assumir um segundo emprego em regime integral, ainda mais muito bem pago, na Deutsche Bahn. Eu digo, não dá, até mesmo por uma questão de tempo." Um membro da diretoria da companhia ferroviária alemã recebe entre 1,3 e 1,8 milhão de euros por ano.
TI exige prazo de carência
Christian Humborg, diretor-gerente a ONG Transparência Internacional (TI) na Alemanha, não vê, em princípio, qualquer problema em políticos entrarem para a economia após seu período ativo. "Até deveria ser o caso normal, um político que encerrou sua carreira encontrar um novo emprego, sem que haja qualquer restrição."
Humborg menciona, contudo, uma restrição bastante decisiva: a nova atividade não pode estar relacionada ao trabalho político anterior. Isso exclui definitivamente uma atividade puramente de lobby, como aparentemente o fazem cada vez mais ex-políticos.
Nesses casos, a TI exige um prazo de carência de três anos a partir do abandono da política, para evitar "que ocorra uma mudança de função tão rápida". De outro modo, fica difícil saber se a pessoa está falando em nome de uma empresa ou do Estado.
No caso atual de Pofalla, tem-se até a impressão de que o futuro posto foi criado especificamente para o assessor de longos anos de Merkel. Pois não há nada que qualifique o jurista e ex-chefe da Casa Civil para o serviço, avalia Humborg. Ele se revela espantado como "alguém que até agora não teve qualquer experiência numa companhia de logística nem no planejamento estratégico, de repente se torna chefe de estratégia de um dos maiores conglomerados de mobilidade do mundo".
Prática comum na política
A discussão na Alemanha sobre "virar casaca" da política para o empresariado não é nova. Há apenas alguns meses, outro caso gerou celeuma: o político da CDU Eckart von Klaeden exercia até mesmo o posto de ministro de Estado na Chancelaria Federal, ao anunciar que passaria a atuar como lobista da montadora de automóveis Daimler.
O ex-chanceler federal Gerhard Schröder foi criticado por assumir um cargo na North Stream, subsidiária do conglomerado de energia Gazprom, controlado pelo Estado russo, em 2005, apenas poucas semanas após o social-democrata haver perdido uma moção de confiança e, consequentemente, a chefia de governo.
Wolfgang Clement, também do SPD, passou a integrar o conselho de administração da companhia de eletricidade RWE pouco após o mandato como chefe da pasta de Economia. Também social-democrata, durante sua época como ministro do Interior Otto Schily se empenhou veementemente pela adoção de dados biométricos nos documentos de identidade. Após o mandato, entrou para o conselho de administração de duas firmas fabricantes de aplicativos biométricos.
"Efeito porta giratória"
A lista inclui dezenas de outros nomes da política alemã: de Hildegard Müller (CDU), que de ministra de Estado na Chancelaria Federal passou para a Federação das Empresas alemãs de Energia e Águas, ao também democrata-cristão Matthias Wissmann, logo contratado pela Federação da Indústria Automobilística após seu mandato como ministro dos Transportes.
O jornalista e autor Pascal Beucker apelidou o fenômeno "efeito porta giratória": "Um político sai por uma porta e depois volta como lobista, para empregar seus bons contatos na política em favor do novo empregador." Na maioria dos casos, o procedimento é lícito, mas, segundo Beucker, "questionável".
No entender de Gerd Aschoff, da Pro Bahn, concessões de postos como o de Ronald Pofalla na Deutsche Bahn podem acabar prejudicando ambos os lados: os políticos, que são cronicamente acusados de só trabalhar em interesse próprio; e uma empresa como a ferroviária, cuja reputação é de só servir os interesses da política, não dos passageiros.