Biodiversidade
29 de dezembro de 2006Cem anos depois de sua publicação, a Flora Brasiliensis mantém sua atualidade e continua servindo de modelo tanto para outras obras de botânica quanto para a realização de megaprojetos internacionais de pesquisa que exigem uma rígida divisão de tarefas.
Esta é a opinião do diretor do Jardim e do Museu Botânico de Berlim, Hans-Walter Lack, sobre a obra-prima da botânica brasileira, iniciada em 1840 e concluída em 1906 na capital alemã. "Ela serviu de modelo para publicações semelhantes na ex-União Soviética, na China e agora na Austrália, cuja flora ainda está sendo descrita", conta Lack, que também é professor da Universidade Livre de Berlim.
Idealizada por Carl Friedrich Philipp von Martius, então diretor do Jardim Botânico e professor da Universidade de Munique, e pelo pesquisador austríaco Stephan Ladislaus Endlicher, a Flora Brasiliensis contém a descrição de 22.767 espécies, que representam o conjunto das plantas conhecidas até meados do século 19, além de 3.811 desenhos de plantas, flores, frutos e sementes.
Os 15 volumes da obra são o resultado da chamada "missão austríaca", na qual Von Martius percorreu 10 mil quilômetros pelo Brasil entre 1817 e 1820. No começo de 2006, grande parte da pesquisa foi digitalizada e disponibilizada na internet (http://florabrasiliensis.cria.org.br). "Isso é um avanço gigantesco", disse Lack à DW-WORLD.
Segundo ele, os poucos exemplares impressos da Flora Brasiliensis encontram-se espalhados em bibliotecas e herbários mundo afora. "Agora, qualquer pesquisador brasileiro ou estrangeiro, mesmo fora dos grandes centros, consegue folhear virtualmente na Flora. Isso é importante porque quem quiser pesquisar a biodiversidade brasileira sempre terá de recorrer a esta fonte referencial", disse Lack.
Material de campo
Ele explicou que estão sendo empreendidos esforços internacionais para escanear os exemplares das plantas descritas na Flora e também disponibilizar essas informações adicionais na internet. Esse material de campo foi analisado à época por mais de 60 pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos.
Estudos recentes indicam que a biota brasileira abrange cerca de 1,8 bilhão de espécies, mas que "apenas" entre 170 mil e 210 mil espécies são cientificamente conhecidas até hoje. Segundo Lack, ainda existe uma grande lacuna na pesquisa, sobretudo no que diz respeito às espécies vegetais encontradas nas regiões mais próximas à linha do Equador.
O cientista alemão concorda com a opinião de pesquisadores brasileiros de que a melhor forma de combater a biopirataria é conhecer a biodiversidade. Ele disse, porém, que um projeto como o de Von Martius, que durou 66 anos, seria hoje diferente, não só devido às possibilidades oferecidas pela comunicação eletrônica.
"Só haverá uma segunda Flora Brasiliensis se o Brasil quiser. Isso não é mais possível por decisão unilateral, de fora, como no século 19. O que, no entanto, continua válido é o reconhecimento de que projetos dessa grandeza só são viáveis através da cooperação internacional", afirmou.