Igreja luta contra herança comunista no Leste da Europa
2 de agosto de 2006Na Polônia as igrejas costumam lotar, milhões de pessoas demonstraram luto pela morte do papa João Paulo 2º no ano passado e ministros do atual governo fizeram repetidos apelos por moralidade nas escolas e por referências a Deus na Constituição da União Européia.
No momento em que as primeiras revelações deram conta de que alguns membros do clero da Igreja Católica na Polônia colaboraram com a ditadura comunista, muitos habitantes desse país extremamente católico custaram a acreditar.
Inicialmente, Michal Czajkowski, um líder católico conhecido pelo trabalho em prol das relações entre católicos e judeus, rejeitou as acusações. Mas em julho ele voltou atrás e admitiu ter espionado colegas por 24 anos, desde 1960. Pouco tempo após a confissão, o religioso renunciou ao posto de presidente do Conselho Cristão-Judeu da Polônia.
Envolvimento da Igreja é golpe duro para a Polônia
"Quero desculpar-me e pedir perdão, especialmente àqueles que prejudiquei. Eu demonstrei fraqueza de caráter", afirmou Czajkowski em declaração publicada por jornais poloneses. "Já expressei meu arrependimento diante de Deus. Agora o faço diante do povo."
Em outros países do antigo bloco comunista, ainda lidando com problemas do passado, confissões desse tipo podem ser uma surpresa. Mas não têm o poder de chocar como na Polônia, onde durante as quatro décadas de domínio comunista a Igreja Católica permaneceu mais forte que em qualquer outro país socialista e era vista como foco de resistência passiva e oposição ao regime.
Na antiga Tchecoslováquia, por exemplo, a religião desempenhou um papel de menor importância na sociedade e, mesmo atualmente, os tchecos estão entre as nações menos devotas da Europa. Na Hungria a Igreja Católica também admitiu que dezenas de padres espionaram colegas, mas a revelação não despertou a mesma comoção vista na Polônia.
Alemanha ainda investigando o passado
Assim como em outros países da Cortina de Ferro, as Igrejas na antiga Alemanha Oriental também tiveram que lidar com acusações de que o clero, especialmente da Igreja Luterana, apoiou o governo comunista.
Michael Zöller, professor de Sociologia e Religião na Universidade de Bayreuth, afirmou que a colaboração com os comunistas era mais comum na Igreja Protestante da antiga Alemanha Oriental
"A Igreja Católica estava mais protegida porque a RDA [República Democrática Alemã] queria manter boas relações com o Vaticano", disse Zöller. "Protestantes eram forçados a cooperar, especialmente para conseguir um pouco de liberdade para suas ações.
A abertura dos arquivos da Stasi, a polícia secreta da RDA, gerou acusações contra membros da Igreja. Um dos casos mais famosos é o do ex-governador do Estado de Brandemburgo Manfred Stolpe, que também foi ministro alemão de Transportes até 2005. Stolpe, que negou as acusações, era um alto funcionário da Igreja Luterana na antiga Alemanha Oriental.
Zöller acredita que a colaboração do clero com o regime comunista é um assunto que continuará a emergir na medida em que historiadores seguirem investigando os arquivos da Stasi. "A análise dos documentos continua", disse. "Ninguém sabe ao certo que tipo de informação eles contêm."
Mais de 10% dos padres poloneses colaboraram
O padre polonês Czajkowski era um espião voluntário, de acordo com o Instituto Nacional da Memória, sediado em Varsóvia, que gerencia arquivos comunistas e investiga crimes dos tempos do regime. O instituto informa que ele reportava sobre as atividades da Igreja e do clero em prol da democracia e que apenas suspendeu a ação depois que agentes do regime assassinaram o capelão do sindicato Solidariedade, Jerzy Popieluszko, que teria sido espionado por Czajkowski.
O crescimento do sindicato Solidariedade é creditado por muitos à Igreja Católica na Polônia, assim como ao ex-papa João Paulo 2º. O movimento, que assumiu o controle político do país em 1989, foi fundamental para derrubar o regime comunista. Apesar do claro apoio da Igreja ao Solidariedade, o Instituto Nacional da Memória afirma que entre 10% e 15% do clero colaboraram com os comunistas.
Até recentemente, a Igreja recusou-se a cooperar com as investigações ou a fornecer nomes que possam ter colaborado com o regime. Mas no ano passado, após o surgimento de acusações contra um assessor do ex-papa João Paulo 2º, Konrad Hejmo, a Igreja decidiu suspendê-lo. Hejmo negou as afirmações, que incluíam até mesmo espionagem contra o ex-papa.
Acertando contas com o passado
A Igreja Católica polonesa está agora trabalhando para resolver as contradições com seu passado durante os tempos do comunismo. No começo deste ano, líderes católicos afirmaram que começariam a investigar membros do clero por colaborações com os comunistas. Pouco tempo depois, a Conferência Nacional dos Bispos Católicos da Polônia divulgou desculpas oficiais ao público.
"Padres e outros vinculados à Igreja que colaboraram com serviços secretos do Estado comunista lançam uma sombra sobre a história heróica da Igreja Católica durante o regime comunista", escreveram os bispos, adicionando que a iniciativa de publicar a completa lista de colaboradores está em andamento.
As ações de poucos padres não podem diminuir o papel da Igreja na promoção da democracia, de acordo com Wojtec Muszynski, do Instituto Nacional da Memória. "A Igreja Católica na Polônia ainda assim foi um herói", disse. "Independentemente do tanto que o serviço secreto tentou, eles não conseguiram convencer entre 85% e 90% dos padres".