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Ilha alemã suspende ritual de espancar mulheres com chifres

5 de dezembro de 2024

Parte da festa do Klaasohm de Borkum é caçar as jovens e lhes bater nas nádegas com um chifre de vaca – de preferência até não poderem se sentar por vários dias. Reportagem indigna e força organizadores a se retratarem.

Participantes da festa do Klaasohhm de Borkum, com máscaras de pele de animais e penas de pássaros
Máscaras de pele de animais e penas de pássaros são só o começo da festa do Klaasohm de BorkumFoto: Reinhold Grigoleit/dpa/picture alliance

São Nicolau é o Papai Noel original – daí o Santa Claus dos americanos. Na Alemanha, ele é normalmente festejado de forma inofensiva: numa noite do início de dezembro, as crianças deixam os sapatos (limpos) junto à porta da casa e, tudo correndo bem, na manhã seguinte os encontram cheios de doces e presentinhos do Nikolaus.

Na Baviera, assim como em certas regiões da Áustria, entretanto, o santo vem acompanhado por uma contraparte sinistra: demônio cabeludo, cujo nome varia de acordo com a região, sendo Krampus o mais comum. Sua celebração costuma envolver aterrorizantes figurinos e procissões folclóricas.

Uma delas é o ritual do Klaasohm (tio Nicolau em baixo-alemão), realizado desde 1830 na ilha de Borkum, no Mar do Norte. Contudo esse festival popular caiu na mira da atenção pública desde uma reportagem transmitida pela emissora pública NDR.

Krampus: o lado sinistro das comemorações de fim de ano na ÁustriaFoto: Werner Lang/imageBROKER/picture alliance

Na noite de 5 para 6 de dezembro de 2023, dois repórteres foram até a ilha de pouco mais de 5 mil habitantes para filmar o evento. Com seus telefones celulares, registraram sem dificuldade as atividades diurnas, em que a comunidade se reúne em torno de jovens solteirões vestidos com o traje tradicional do Klaasohm, que inclui máscaras confeccionadas com pele de animais e penas de pássaros.

Mais tarde, Klaasohms de diferentes idades se desafiam mutuamente numa espécie de match de luta livre. Esse evento é reservado aos ilhéus, não sendo permitida a presença de turistas ou repórteres. Mas, à medida que a festa ia noite adentro, os jornalistas filmaram secretamente um grupo que caçava as mulheres e as segurava para os Klaasohms as espancarem nas nádegas com um chifre de vaca, enquanto a multidão em torno, inclusive crianças, fazia torcida.

Deixar uma mulher sem poder se sentar: motivo de orgulho

A reportagem da NDR incluiu entrevistas anônimas com três mulheres e um ex-morador de Borkum, que participavam do ritual e agora o condenam. Elas explicam que, na infância, foram convencidas de que se tratava de um divertido jogo de pega-pega, parte de sua identidade como ilhoas. Na realidade, porém, a experiência resultou bem dolorosa para elas.

Mesmo o homem que abandonou a ilha ainda evita mostrar o rosto à câmara, por temer que qualquer crítica de sua parte traga consequências negativas para sua família: "Em Borkum, se você fala abertamente que quer o fim disso, dizem que você não entende o festival, que está desonrando a tradição, e que de algum jeito está cedendo à pressão de fora."

Os repórteres pediram a residentes que comentassem sobre o ritual, porém muitos dos que de início acederam, mais tarde insistiram para que seus depoimentos fossem removidos da matéria.

Uma mulher mais idosa está entre os poucos que permitiram que sua opinião fosse ao ar. Ela lembra ter apanhado quando era adolescente, e diz que nunca gostou muito do festival. Quanto à suposta importância para população local, ela explicita: "É importante para os homens. A gente de Borkum cresce assim, e é como é. É um dia puramente para os homens, então é preciso vocês perguntarem a eles, verem o que eles têm a dizer."

Um residente minimiza o ritual do Klaasohm como uma brincadeira inofensiva: "Quando os rapazes veem uma mulher, eles batem um pouco nela com um chifre de vaca, não é violento de verdade."

Entretanto, as testemunhas voluntárias anônimas afirmam que ficaram com hematomas e dores por vários dias. O ex-ilhéu entrevistado conta que, para os homens, deixar uma mulher sem poder se sentar cinco ou seis dias depois da surra é motivo de orgulho.

Klaasohm é "um dia puramente para os homens", comenta moradora de BorkumFoto: Reinhold Grigoleit/dpa/picture alliance

Organização do Klaasohm se retrata

Tanto os organizadores do festival quanto a polícia e o prefeito de Borkum se recusaram a ser entrevistados pela NDR. A matéria enfatiza que todo tipo de cobertura do festival nas redes sociais é desencorajado, a fim de evitar revelar a identidade dos Klaasohms.

Perante as reações de indignação, porém, as autoridades locais reconheceram ter sido um erro evitar a imprensa: "Concluímos que a reportagem, que pinta uma imagem distorcida e contém diversas imprecisões jornalísticas, é o resultado de termos rejeitado todas as solicitações", declarou em comunicado a associação Borkumer Jungens 1830, responsável por manter a tradição do Klaasohm.

Ele admite que o costume pode ser considerado controvertido nos dias atuais: espancar com chifres de vaca era parte da tradição no passado e "em casos individuais, em anos recentes". Porém "nos distanciamos expressamente de qualquer forma de violência contra mulheres, e nos desculpamos pelas ações de fundo histórico de anos passados".

"Enquanto comunidade, decidimos claramente deixar para trás esse aspecto da tradição" prosseguem os Borkumer Jungens. Em vez disso, "queremos continuar a nos concentrar no que realmente compõe o festival: a solidariedade dos ilhéus".

A polícia local anunciou uma nova "política de tolerância zero": "Não se aceitará violência", consta de seu comunicado. Em contrapartida, entre 150 e 200 mulheres de Borkum se manifestaram no domingo (01/12) pela preservação do polêmico ritual de São Nicolau.

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