Imprensa alemã ataca Merkel após agressões em Colônia
Ben Knight (ek)19 de janeiro de 2016
Imagem da premiê nos meios jornalísticos piora em consequência de ataques em massa no réveillon da cidade renana. Mas especialistas também duvidam que outro líder partidário lidaria melhor com a crise de refugiados.
Anúncio
A primeira página do jornal alemão Bild am Sonntag do último domingo (17/01) pode muito bem ter arruinado o café da manhã de Angela Merkel. O tabloide mais vendido da Europa estampou a silhueta da chanceler federal alemã, questionando sua capacidade de governar na manchete: "Merkel ainda é a pessoa certa?"
Entre as palavras dessa pergunta retórica, o jornal listou o que considera os principais problemas da chefe de governo: "falta de respeito, falta de autoridade, disputas de poder"; "terrorismo, criminalidade, autoridades sobrecarregadas"; e, por último, "política de refugiados de Merkel em ponto crítico".
Possivelmente esse foi o ataque mais direto a uma líder cuja popularidade tem mantido níveis quase milagrosos ao longo de uma década de mandato à frente da maior economia europeia. O fato de a crítica ter partido do veículo que é carro-chefe da mais poderosa casa editora da Alemanha, a Axel Springer, deve ter ardido ainda mais.
Grande parte dessa crítica, apelidada "pós-Colonialista", deve-se à atual atenção da imprensa para a crise de refugiados no país, aguçada pelos roubos e agressões sexuais em grande escala ocorridos durante o último réveillon, na cidade renana de Colônia.
Outro jornal de grande circulação da editora Axel Springer, o Die Welt, também tem exercido crítica implacável às autoridades, chegando a afirmar que Merkel está de "costas para a parede" no tocante à crise migratória.
Manchete como espada de dois gumes
Para culminar, muitos jornais tacharam de pouco convincente a reação do chefe de gabinete de Merkel, Peter Altmaier, ao ser confrontado com a pergunta formulada na capa do Bild, num debate televisivo no domingo à noite. O político da União Democrata Cristã (CDU), partido de Merkel, limitou-se a mencionar que todos os ministros juram defender a Constituição alemã.
"Nenhuma palavra de respaldo da CDU, nenhuma palavra de apoio da população", comentou Die Welt a resposta de Altmaier. Na verdade, as chances de Merkel receber apoio do próprio partido sempre foram tênues, já que nos últimos tempos os próprios democrata-cristãos se tornaram os críticos mais ferrenhos no governo alemão.
"Há bastante debate e um pouco de raiva e frustração, pois no fim de semana os deputados de Merkel são forçados a ouvir todo tipo de coisa em seus distritos eleitorais", explica Josef Janning, analista político do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), em entrevista à DW. "De certa forma, é inevitável. Acho que é uma consequência da dimensão do desafio que [Merkel] está enfrentando. Seria um milagre não haver críticas a ela."
Janning aborda com cautela o pressuposto de que a imprensa sensacionalista dos tabloides teria poder de direcionar a opinião pública. "Eu não arriscaria nem mesmo dizer que Merkel se sente abandonada pelaSpringer", comenta.
Em relação à primeira página do Bild, ele acrescenta: "É uma espada de dois gumes: publicando uma manchete dessas, você pode ou unir as pessoas a favor [de Merkel], ou encorajar as vozes críticas a se manifestarem. Não acredito que mesmo o maior jornal alemão tenha esse poder."
"Comparando a Alemanha ao Reino Unido, que tem o The Sun, eu acho que no Reino Unido está bastante difundida uma visão cínica sobre a política. Já neste país, o povo pode não ter muito respeito pelos políticos, mas ele acha que a política é uma coisa séria. Não creio que o conselho editorial da Springer ia querer contribuir para a queda de Merkel, se sentisse que isso redundaria em caos. Eles considerariam a política importante demais para fazer tal coisa."
Merkel segura – até segunda ordem
A avaliação pública da forma como Merkel tem conduzido a crise dos refugiados baixou drasticamente desde os eventos em Colônia. Uma pesquisa da emissora estatal ZDF mostrou que o percentual dos que classificam como "boa" a política alemã para refugiados caiu de 47%, em 15 de dezembro de 2015, para 39%, um mês mais tarde.
Além disso, no momento os aliados mais próximos da chefe de governo não estão exatamente ajudando: a proposta do ministro das Finanças Wolfgang Schäuble, de impor um imposto de solidariedade em toda a Europa, a fim de financiar os custos da crise de refugiados, não poderia ter vindo em pior hora. E Merkel também tem tido que escutar críticas de seu parceiro de coalizão, o Partido Social-Democrata (SPD).
Por outro lado, Janning acredita que a chanceler federal esteja segura por enquanto – principalmente por ele não achar que qualquer outro líder partidário, seja qual for a ala, seria capaz de fazer melhor do que ela.
"Ela está sob pressão, e essa pressão está crescendo, mas ao mesmo tempo há uma falta de alternativas: não há alternativa razoável e viável para a política dela", afirma. "Agora, as pessoas estão dizendo que Merkel manobrou o país para essa situação sem alternativa. Mas, ainda assim, não há nenhuma outra ideia desafiando a posição dela, só as críticas ao que ela faz."
2015, o ano dos refugiados
Nunca tantas pessoas estiveram em fuga como em 2015. Muitos delas seguiram para a Europa, com o objetivo de chegar à Alemanha ou à Suécia. Confira uma restrospectiva fotográfica do "ano dos refugiados".
Foto: Reuters/O. Teofilovski
Chegada à União Europeia
Esses jovens sírios superaram uma etapa perigosa da sua viagem: eles conseguiram chegar à Grécia e, assim, à União Europeia. O objetivo final, porém, ainda não foi alcançado: eles querem continuar a jornada para o norte, em direção a outros países-membros do bloco. Em 2015, a maioria dos refugiados seguiu para a Alemanha e para a Suécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Perigosa travessia do Mediterrâneo
O caminho que eles deixam para trás é extremamente perigoso. Vários barcos com refugiados, nem sempre aptos à navegação, já viraram durante a travessia do Mar Mediterrâneo. Estas crianças sírias e seu pai tiveram sorte: eles foram resgatados por pescadores gregos na costa da ilha de Lesbos, na Grécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
A imagem que comoveu o mundo
Aylan Kurdi, de 3 anos, não sobreviveu à fuga. No início de setembro, ele se afogou no Mar Egeu, juntamente com o irmão e a mãe, ao tentar chegar à ilha grega de Kos. A foto do menino sírio, morto na praia de Bodrum, espalhou-se rapidamente pela mídia e chocou pessoas de todo o mundo.
Foto: Reuters/Stringer
Onde as diferenças são visíveis
A ilha grega de Kos, a menos de 5 quilômetros de distância da Turquia continental, é o destino de muitos refugiados. As praias geralmente cheias de turistas servem de ponto de desembarque, como no caso deste grupo de refugiados paquistaneses que chegou à costa da Grécia com um bote de borracha.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Em meio ao caos
Porém, muitos refugiados não conseguem simplesmente seguir viagem quando chegam a Kos. Eles somente podem seguir para o continente após serem registrados. Durante o verão europeu, a situação se agravou quando as autoridades fizeram com que os refugiados esperassem pelo registro num estádio, sob o sol escaldante e sem água.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Um navio para refugiados
Por causa da condições precárias, tumultos eram frequentes na ilha de Kos. Para acalmar a situação, o governo grego fretou um navio, que permaneceu ancorado e foi transformado em alojamento temporário para até 2.500 pessoas e em centro de registro de migrantes.
Foto: Reuters/A. Konstantinidis
"Dilema europeu"
Mais ao norte, na fronteira da Grécia com a Macedônia, policiais não permitiam mais a passagem de pessoas, entre elas crianças aos prantos, separadas de seus pais. Esta foto tirada pelo fotógrafo Georgi Licovski no local, e que mostra o desespero de duas crianças, foi premiada pelo Unicef como a imagem do ano, já que mostra "o dilema e a responsabilidade da Europa".
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem conexões para refugiados
No final do verão europeu, Budapeste se transformou em símbolo do fracasso das autoridades e da xenofobia. Milhares de refugiados estavam acampados nas proximidades de uma estação de trem da capital húngara, pois o governo do país os proibira de seguir viagem. Muitos decidiram seguir a pé em direção à Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roessler
Fronteiras abertas
Uma decisão na noite de 5 de setembro abriu caminho para os refugiados: a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o chanceler austríaco, Werner Faymann, decidiram simplesmente liberar a continuação da viagem por parte dos migrantes. Como consequência, vários trens especiais e ônibus seguiram para Viena e Munique.
Foto: picture alliance/landov/A. Zavallis
Boas vindas em Munique
No primeiro final de semana de setembro, cerca de 20 mil refugiados chegaram a Munique. Na estação central de trem da capital da Baviera, inúmeros voluntários se reuniram para receber os refugiados com aplausos e lhes fornecer comida e roupas.
Foto: Getty Images/AFP/P. Stollarz
Selfie com a chanceler
Enquanto a chanceler federal Angela Merkel era aplaudida por refugiados e defensores de sua política de asilo, muitos alemães se voltavam contra a política migratória. "Se tivermos de pedir desculpas por mostrar uma face acolhedora em situações de emergência, então este não é mais o meu país", respondeu a chanceler. A frase "Nós vamos conseguir" se tornou o mantra de Merkel.
Foto: Reuters/F. Bensch
Histórias na bagagem
No final de setembro, a polícia federal alemã divulgou uma imagem comovente: o presente que uma menina refugiada deu a um policial da cidade alemã de Passau. O desenho mostra o horror que vários migrantes vivenciaram e o quão felizes eles estavam por, finalmente, estarem em um local seguro.
Foto: picture-alliance/dpa/Bundespolizei
O drama continua
Até o final de outubro, mais de 750 mil refugiados haviam chegado à Alemanha. Mas o fluxo não parava. Sobrecarregados, os países da chamada Rota dos Bálcãs decidiram fechar suas fronteiras. Apenas sírios, afegãos e iraquianos estavam autorizados a passar. Em protesto, migrantes de outros países chegaram a costurar seus lábios.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem fim à vista
"Ajude-nos, Alemanha" está escrito em cartazes de manifestantes na fronteira com a Macedônia. Na Europa, o inverno se aproxima, e milhares de pessoas, entre elas crianças, estão presas nas fronteiras. Enquanto isso, até mesmo a Suécia retomou o controle temporário de fronteiras. Em 2016, o fluxo de refugiados deverá continuar.