Entre a mídia de língua árabe predomina o ceticismo quanto aos efeitos da ofensiva ocidental a alvos sírios. Com raras exceções, parece inabalada a expectativa de uma vitória futura da trinca Assad, Rússia, Irã.
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A opinião predominante é que o bombardeio das forças lideradas pelos Estados Unidos contra alvos sírios neste sábado (14/04) foi um sinal potente. Mas ele terá algum efeito?
O analista sírio Amr Kush duvida: "O ataque aéreo carece de algo essencial: um programa político que o flanqueie", escreveu na plataforma panárabe Al Araby al-Jadeed. Na noite anterior, Kush já lançara a suposição de que a ofensiva permaneceria uma ação isolada: "Por mais forte que possa ser esse ataque, não conseguirá causar a queda do regime Assad."
Pelo contrário: ele poderia até mesmo ser útil ao dirigente Bashar al-Assad e a seus dois principais aliados, a Rússia e o Irã, por faltar-lhe qualquer estratégia subsequente. Ainda assim, "talvez o ataque aéreo faça que as conversas em Genebra sobre a Síria ganhem novo impulso, com base nas resoluções das Nações Unidas".
EUA sem estratégia de longo prazo
A emissora Al-Jazeera igualmente duvida de um efeito duradouro da ofensiva militar. O colunista Ibrahim al-Marashi lembra o primeiro bombardeio dos EUA contra a Síria, em 2017, também em reação a um ataque com gás tóxico, supostamente perpetrado pelo regime Assad.
"O resultado de ambos os ataques aéreos é o mesmo: ambos são, acima de tudo, ações simbólicas, com parco efeito in loco. E ambos deixam claro que os EUA não têm qualquer estratégia de longo prazo na Síria."
Justamente nisso os americanos se distinguiriam da Rússia e do Irã, os quais sabiam muito bem o que queriam, ou seja: em primeiro lugar apoiar o presidente sírio, Bashar al-Assad. Por isso "os ataques da noite passada não impedirão a vitória de longo prazo dos dois protagonistas", assegura Marashi.
Decisiva é a forma como os próprios sírios julgaram a ofensiva, escreve o analista Hazem Saria no jornal pan-árabe publicado em Londres Al-Hayat, de orientação pró-Ocidente. Pois a reação do governo é clara: ele tentará canalizar as interpretações na direção que lhe convém.
"Os sírios em cujas cabeças caem bombas de barril não devem odiar Assad e seu regime, mas sim os Estados Unidos. Eles, que Assad ataca com armas químicas, não devem odiar a ele e a seu regime, mas em vez disso maldizer Israel", escreve Saria, resumindo assim a argumentação da impressa próxima a Damasco.
"Mesmo que Assad renunciasse, ele reapareceria"
O balanço humanitário da guerra civil não deve estar preocupando de maneira especial os aliados de Assad, supõe o jornal palestino Al Quds al-Arabi, igualmente publicado em Londres: Rússia e Irã mantêm interesses tão grandes na Síria, que considerações éticas perdem qualquer relevância.
"A Rússia não permitirá negociações em torno da cabeça de Assad, pelo simples motivo que ele é quem fornece a legitimação para a intervenção de Moscou. Também o Irã se negará terminantemente a abandonar a Síria." Deste modo o ataque de EUA, Reino Unido e França cairá no vazio.
"Pois, mesmo que Assad renunciasse de algum modo, ele reapareceria no palco político por uma porta dos fundos qualquer – exatamente como vimos com as armas químicas", presume o periódico. A alusão é clara: o regime não deveria mais dispor de armas químicas, segundo os acordos internacionais fechados. Na realidade, porém, elas existiam e foram utilizadas.
Extremos: Israel e Hisbolá
O ex-embaixador israelense nos EUA Michael Oren mostra-se otimista. "A ofensiva aérea liderada pelos Estados Unidos é de alto significado para a segurança de Israel, o Oriente Médio e todo o mundo", cita-o o jornal Jerusalem Post.
"Ele prova que Trump está pronto a defender a 'linha vermelha' que traçou em relação às armas químicas empregadas por Assad. É uma mensagem nítida e definida: os EUA não permitirão que ele continue com isso", aplaude Oren.
Os israelenses acompanham as ofensivas aéreas com atenção especial, atentando sobretudo para a reação do Hisbolá do Líbano, cujos combatentes se encontram diretamente na fronteira com Israel.
A TV Al Manar, de Beirute, considerada porta-voz do movimento xiita, classificou a operação ocidental como uma "agressão e um atentado maligno, que fere de forma gritante a soberania da Síria e a dignidade de seu povo".
A emissora fala ainda de "uma guerra dirigida contra o povo da região". Mas que não alcançará suas metas: "A comunidade islâmica emergirá mais forte da confrontação e se disporá decidida à luta."
É fato que a retórica da Al Manar só é absorvida por uma parte da população libanesa. No entanto esta poderá ser grande o suficiente para continuar impulsionando o conflito. E o fim da guerra da Síria segue fora de vista.
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Cronologia da guerra na Síria
O que se iniciou com protestos pacíficos em 2011 virou uma guerra civil brutal que já matou centenas de milhares de pessoas e fez milhões de refugiados. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: Reuters/Stringer
2011: O início
Em 15 de março de 2011, protestos pacíficos contra a detenção de jovens acusados de fazer pichações antigoverno em sua escola, na cidade de Daraa, são reprimidos por forças de segurança, que abrem fogo contra manifestantes desarmados, matando quatro. Os protestos continuam por vários dias, fazendo 60 mortos e se espalham por todo o país. Segue-se um período de repressão violenta.
Foto: Anwar Amro/AFP/Getty Images
2011/2012: Isolamento internacional
O ex-presidente Barack Obama insta o presidente Bashar al-Assad a renunciar, e os EUA anunciam sanções a Assad em maio e congelam bens do governo sírio nos EUA em agosto de 2011. A União Europeia também anuncia sanções, em setembro. Em novembro, a Liga Árabe suspende a Síria e impõe sanções ao regime. Também a Turquia anuncia uma série de medidas, incluindo sanções, em dezembro.
Foto: AP
2012: Observadores internacionais desistem
Em dezembro de 2011, a Síria permite a entrada de observadores da Liga Árabe para monitorar a retirada de tropas e armas de áreas civis. A missão é suspensa em janeiro de 2012. Em fevereiro, os EUA fecham sua embaixada em Damasco. Em abril de 2012, chegam observadores da ONU, que partem dois meses depois por falta de segurança.
Foto: REUTERS
2013: Ataque com gás
Em março, um ataque com gás mata 26 pessoas, ao menos a metade deles soldados do governo, na cidade de Khan al-Assal. Investigação da ONU conclui que foi usado gás sarin. Em agosto, outro ataque com gás mata centenas em Ghouta Oriental, um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. A ONU afirma que mísseis com gás sarin foram lançados em áreas civis. Os EUA e outros países culpam regime sírio.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2013: Destruição de armas químicas
Em agosto, investigadores da ONU chegam à Síria para averiguar o uso de armas químicas, em meio a denúncias de médicos e ativistas. EUA afirmam que 1.429 pessoas morreram num ataque, e Obama pede ao Congresso autorização para ação militar. Em setembro, o Conselho de Segurança da ONU ameaça usar a força e, em outubro, Damasco inicia a destruição de seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: AFP/Getty Images
2014: EUA atacam "Estado Islâmico"
Em setembro, os EUA iniciam ataques aéreos a alvos do "Estado Islâmico" na Síria. Em outubro, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, começa a negociar uma trégua ao redor de Aleppo, mas o plano fracassa meses depois.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
2015: Rússia entra no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao governo sírio nos bastidores, entra ativamente no conflito, bombardeando opositores do regime. A ajuda se mostra decisiva, e a guerra civil passa a pender para o lado de Assad, que nos meses seguintes recupera território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
A ONU e a Opac afirmam que tanto militares sírios quanto o "Estado Islâmico" usaram gás em ataques a opositores. O ano é marcado por várias tentativas de tréguas. Em setembro, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos por forças pró-Assad num fim de semana. Em dezembro, as forças governamentais assumem controle de Aleppo, encerrando quatro anos de domínio dos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque em Idlib
Em fevereiro, Rússia e China vetam resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo sanções ao governo sírio pelo uso de armas químicas. Em abril, ao menos 58 pessoas morrem na província de Idlib, dominada pelos rebeldes, no que aparenta ser um ataque com gás. Testemunhas afirmam que o ataque foi executado por jatos sírios e russos, mas tanto Moscou quanto Damasco negam bombardeio.
Foto: Getty Images/AFP/O. H. Kadour
2017: Resposta dos EUA
Em abril, os EUA lançam dezenas de mísseis sobre a base militar de onde se acredita ter saído o ataque em Idlib. Em maio, o presidente Donald Trump aprova planos para armar combatentes das milícias curdas YPG na luta contra o "Estado Islâmico". A medida enfurece a Turquia, que vê as YPG como um grupo terrorista. Em outubro, o "Estado Islâmico" perde o controle de Raqqa, sua autoproclamada capital.
Em janeiro, aviões turcos bombardeiam a região curda de Afrin, dando início à operação contra as YPG intitulada "Ramo de Oliveira". A Turquia anuncia a morte de centenas de "terroristas", mas entre os mortos estão dezenas de civis, dizem ativistas. Em fevereiro, as milícias YPG chegam a acordo com o regime sírio para o envio de tropas pró-governo para auxiliar no combate aos turcos em Afrin.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Ofensiva em Ghouta Oriental
Em 21 de fevereiro, tropas pró-regime executam ofensiva em larga escala contra enclave rebelde localizado ao leste de Damasco. Em torno de 400 mil civis ficam sitiados, com acesso limitado a alimentos e cuidados médicos. Os ataques matam centenas de pessoas. No dia 24 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU aprova trégua humanitária de 30 dias vigente em todo o território sírio. Ela fracassa.
Foto: Reuters/B. Khabieh
2018: O bombardeio ocidental
Após dias de ameaça, em 14 de abril Trump anuncia o lançamento de mais de cem mísseis, em conjunto com França e Reino Unido, na Síria. O ataque é uma retaliação ao ataque químico na cidade de Duma, que matou dezenas de civis e que o Ocidente atribui ao regime de Bashar al-Assad.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Matthews
2019: Estados Unidos começam a se retirar da Síria
Em janeiro de 2019, os Estados Unidos começaram a se retirar da Síria. O presidente americano afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e, por isso, a presença dos EUA não seria mais necessária. A decisão foi contestada dentro do próprio governo e também pelas milícias curdas na Síria, aliadas dos EUA, que temiam enfraquecer-se.
Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman
2019: fim do autoproclamado califado do EI
Em março de 2019, as Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança liderada por curdos, anunciaram que o autoproclamado califado do Estado Islâmico foi totalmente eliminado, após combates em Baghouz, considerado o último reduto jihadista na Síria. Militantes curdos e árabes das FDS, apoiados pela coalizão internacional liderada pelos EUA, combatiam há várias semanas os jihadistas.