Imprensa europeia destaca crise entre poderes no Brasil
Fernando Caulyt
9 de dezembro de 2016
Numa semana em que país viveu mais um capítulo da guerra entre Judiciário e Legislativo, mídia europeia diz que manutenção de Renan Calheiros no poder é vitória de Temer, mas problemas do senador ainda não acabaram.
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A imprensa europeia deu destaque ao Brasil numa semana em que o país assistiu a mais um capítulo da guerra entre os poderes Judiciário e Legislativo no embate sobre a saída ou não de Renan Calheiros da presidência do Senado. A votação da chamada PEC do teto dos gastos e o projeto de lei anticorrupção, que pune casos de abuso de autoridade de juízes e membros do Ministério Público, também foram destacados.
O Le Monde, num artigo de opinião escrito por três autores e intitulado Brasil: o grande salto para trás, escreve que, depois da destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, o governo do presidente Michel Temer conduz uma política que mistura conservadorismo, autoritarismo e corrupção. O periódico afirma que, enquanto os senadores votavam a chamada PEC do teto de gastos, uma manifestação de estudantes na Esplanada dos Ministérios era violentamente reprimida pela polícia militar.
Além disso, o periódico afirma que, no mesmo momento, os deputados federais aprovaram uma série de dez medidas anticorrupção "esvaziadas de sua substância" e vistas como uma maneira de se proteger dos inquéritos relacionados ao caso de corrupção na Petrobras e para contra-atacar um Judiciário "pronto a teatralizar sua ação, a ultrapassar suas prerrogativas e a abalar o equilíbrio entre os poderes".
Em matéria intitulada No pântano da corrupção, o jornal alemão Tageszeitung(TAZ) escreveu que um confronto entre Congresso e Justiça desafiou o governo brasileiro e que, com a permanência de Renan Calheiros na presidência do Senado, "o presidente Michel Temer pode respirar aliviado".
O periódico diz que, se Calheiros fosse retirado do poder, o senador petista Jorge Viana iria se tornar presidente da casa – o que seria "um cenário dos horrores para Temer", que era vice no governo de Dilma e que, "desde meados deste ano, participou de forma bem-sucedida de intrigas para forçar a destituição da política de seu cargo de presidente".
A publicação afirma, ainda, que em meio a um aumento do desemprego e uma crise econômica sem fim, aumentam os protestos contra a mudança de rumo político de viés liberal de direita adotada por Temer. "Mas nas ruas o tema corrupção domina: dezenas de milhares protestaram no último domingo contra políticos corruptos e a diluição de uma lei anticorrupção no Congresso".
O periódico britânico The Guardianafirma que, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável a Calheiros, ele provavelmente terá em breve dificuldades com a mais alta corte do Brasil, já que aguarda o julgamento por acusações de corrupção em um dos 12 processos contra ele. A publicação lembra que perder Calheiros como presidente do Senado seria um duro golpe para Temer, que está tentando aprovar no Congresso uma série de medidas de austeridade neste mês.
O jornal britânico Financial Times (FT) diz que os congressistas brasileiros usaram a distração da população com a tragédia envolvendo a equipe da Chapecoense para aprovar "medidas draconianas" que permitiriam processar promotores e juízes por abuso de poder. O periódico afirma ainda que a ideia era, claramente, "encerrar uma vasta investigação sobre corrupção na Petrobras que afetou um grande número de congressistas".
O FT escreve também que Temer "está andando na corda bamba" porque não pode se opor abertamente ao Congresso e a suas "tentativas de se proteger de acusações no caso de corrupção" na Petrobras. "Ele precisa de seu apoio para permanecer no poder. Mas ele não pode apoiá-los abertamente. Se fizer isso, poderá provocar a ira popular e tornar o país ingovernável. Em causa está uma agenda de reformas fiscais críticas que Temer prometeu aos mercados para tentar tirar o Brasil de sua pior recessão em um século".
O jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), em artigo intitulado O solitário presidente do Brasil, afirma que Temer perde cada vez mais aliados e lembra que ele perdeu seis ministros em seis meses de mandato como presidente, após a destituição de Dilma. O artigo cita, ainda, a decisão do STF sobre a manutenção da presidência do Senado nas mãos de Calheiros – também aliado de Temer – e, também, que ele não poderá ficar na linha de sucessão da presidência da República enquanto houver processos pendentes contra ele.
O periódico espanhol El País afirmou que uma situação parecida com a de Calheiros foi vivida pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, depois de ser acusado no caso de corrupção da Petrobras. Em maio, o partido Rede pediu ao STF que suspendesse Cunha do cargo e, três dias depois, a petição foi submetida em plenário aos 11 magistrados do STF, que aceitaram uma medida provisória concedida por Teori Zavascki e suspenderam Cunha por unanimidade.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.