Imprensa europeia destaca segundo turno no Brasil
29 de outubro de 2022Frankfurter Allgemeine Zeitung (Alemanha) – Confiança queimada (28/10)
Sob Bolsonaro, o Brasil e a Europa se distanciaram. No entanto o destino do planeta depende da floresta amazônica.
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Já no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, 2019, os olhares do mundo se voltaram para a Amazônia, quando lá começou a temporada anual de queimadas. Na Europa, naquele momento o debate sobre o clima estava no foco das atenções. Jornalistas de todo o mundo viajavam para o Brasil e relatavam sobre a destruição da floresta tropical. "Nossa casa está pegando fogo", indignava-se o presidente da França, Emmanuel Macron.
E no entanto as queimadas não eram nada de novo. Novo era só o fato de um presidente do Brasil minimizar tanto assim o problema. Em vez de empreender algo contra o desmatamento ilegal e o roubo de terras, Bolsonaro encolheu os órgãos de controle e reduziu as penas para crimes ambientais. Seu primeiro ministro do Exterior chegou a farejar, por trás da luta contra as mudanças climáticas, uma conspiração do "marxismo cultural". O governo até considerou na época retirar-se do Acordo do Clima de Paris.
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O presidente isolou o país no nível internacional. Também na Casa Branca, desde que Donald Trump deixou o cargo, Bolsonaro não tem mais amigos. As relações diplomáticas com diversos países, sobretudo da Europa, sofreram duramente sob seu governo. Isso também detonou o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, a que pertencem, além do Brasil, a Argentina, Paraguai e Uruguai.
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"As cifras crescentes de desflorestamento e a falta de engajamento do Brasil contra o abate ilegal são decisivas para o acordo não ter sido ratificado até hoje", aponta Ignácio Ybáñez, embaixador da UE no Brasil. O Acordo Verde é central para a UE, diz. O governo brasileiro até se mantém no Acordo de Paris, mas os retrocessos na proteção florestal e o procedimento contra os indígenas causaram falta de confiança.
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Lula da Silva já indicou que sob seu governo a proteção da floresta tropical terá mais peso. Embora na política interna o tema quase não tenha relevância, e os candidatos com uma agenda verde tenham se saído relativamente mal nas eleições para o Congresso, o ex-presidente reconheceu que a mudança climática pode ser uma chave para as relações internacionais do Brasil. Lula também pretende implementar o acordo do Mercosul nos primeiros seis meses de seu mandato.
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Apesar de sua neutralidade na política externa, por longo tempo o Brasil foi um parceiro confiável para o Ocidente. Isso mudou. "Bolsonaro se afastou do Ocidente, justamente depois que Trump perdeu a eleição", comenta o politólogo Oliver Stuenkel, [professor da Fundação Getúlio Vargas]. Por isso, sua reeleição seria uma má notícia para o bloco. De olho na influência da China, ele frisa: "É preciso manter o Brasil do nosso lado."
O embaixador europeu Ybáñez partilha esse ponto de vista: "As relações diplomáticas vão além dos presentes governos." O diálogo sofreu muito, o que também se nota no tocante à guerra russa na Ucrânia, em que o Brasil não adota uma posição clara. "Seria muito mais fácil se houvesse uma linha direta com Brasília, mas nos últimos anos não foi esse o caso." Justamente no combate às mudanças climáticas, precisa-se do Brasil. "Devemos superar nossas diferenças", diz Ybáñez. Para tal, entretanto, é preciso ambos os lados estarem dispostos.
La Repubblica (Itália) – Lula em vantagem sobre Bolsonaro: o Brasil às vésperas do voto com o espectro da violência (27/10)
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São Paulo jorra riqueza e ostentação, mas também é afligida pela pobreza e a fome. Dois mundos extremos, opostos, como o são os 216 milhões de homens e mulheres que retornarão às urnas no domingo para eleger o novo presidente do Brasil. As sondagens sobre o escrutínio produzem dados aos montes.
Mas são cautelosas: no primeiro turno, falharam clamorosamente. Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu, mas tampouco venceu, como asseguravam todos os institutos de pesquisa de opinião. Jair Messias Bolsonaro segue plenamente no páreo, os percentuais de diferença oscilam, a tesoura entre os dois desafiantes se alarga e se estreita.
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A vitória de Lula seria vivida como uma liberação. A gestão da covid-19, os 640 mil de mortos, os ataques ao Supremo Tribunal, a linguagem crua e cheia de desprezo, os ataques ao mundo feminino, a intolerância para com a mídia, a devastação da Amazônia sufocaram e esgotaram um país alegre, forte, fantasioso, produtivo. Semearam ódio, divisão, rancor. Mas se Lula perde, estaria derrotada também a esperança de uma reviravolta, a ilusão de um renascimento.
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O último desafio se joga em Minas Gerais, o segundo estado em população e o quarto em tamanho. É como Ohio para os Estados Unidos: quem o conquista, vence as eleições. Sempre foi assim. Para conseguir isso, Bolsonaro conta com os evangélicos (65 milhões), os militares, a polícia, a classe mais abastada, os amantes das armas (4,4 milhões entre pistolas e fuzis regularmente em circulação).
Lula conta com as mulheres (a maioria dos votantes), os pobres (20 milhões), os famintos (33 milhões). Todos pedem em alta voz gratuidade dos transportes públicos no domingo. No Nordeste houve também manifestações e comícios. Chegar a uma seção eleitoral muitas vezes significa um dia de viagem.
O ex-sindicalista metalúrgico conseguiu uma brecha entre os católicos e os evangélicos, dizendo-se contrário ao aborto, explicando que cabe ao Congresso decidir se o legaliza; pregou nos templos, recebeu bênção, proteção dos pastores. Mas sabe que a colheita é magra. Os sectários do Evangelho são pobres e muito conservadores, ligados à família tradicional, opositores de tudo que cheire a socialismo.
O êxito é incerto. Como é incerta a reação de Jair Bolsonaro se perder por pouco. Ele já contestou o voto eletrônico, volta a ventilar a hipótese de fraudes, nunca declarou oficialmente que aceitará o veredito das urnas – deu antes a entender que o contestará em caso de derrota.
Todo mundo se lembra o que aconteceu em Washington quando Donald Trump incitou seus sequazes a assaltarem o Capitólio. O ex-capitão poderia ser tentado a imitá-lo. A reação à prisão de seu fidelíssimo [Roberto Jefferson] na última segunda-feira, no Rio de Janeiro, é um precedente perigoso. Basta uma fagulha, e o Brasil pega fogo.
El País (Espanha) – No Brasil quem vencerá as eleições é Lula, não a esquerda nem o PT (26/10)
O mais seguro é que quem ganhará as eleições brasileiras no domingo, pela terceira vez, será o ex-sindicalista e carismático Lula da Silva, não o direitista e ex-militar Jair Bolsonaro. No exterior, e sobretudo no resto da América Latina, essas eleições são vistas, antes, como uma luta entre a extrema direita neofascista e a esquerda simbolizada pelo Partido dos Trabalhadores, o PT.
Trata-se de uma meia verdade pois, se tivesse sido um embate entre a direita e a esquerda, seguramente a extrema direita bolsonarista se teria reeleito, já que a diferença de votos será muito pequena.
Para entender por que seguramente Lula vencerá, e não o PT, há que recordar que o capitão expulso do Exército, acusado de terrorismo, se elegeu em 2018 só para castigar o PT, por sua vez sob graves acusações de corrupção política. Mais do que um "sim" a Bolsonaro, foi um "não" ao PT.
Lula entendeu isso em seguida, quando, libertado e apto a voltar a disputar as eleições, pois o Supremo anulara todos seus processos por corrupção, apresentou-se dessa vez não como o líder do PT, mas de uma coalizão que abraça desde o centro até a direita democrática. Por isso, mais do que uma vitória da esquerda, a de domingo será um triunfo de Lula e da lembrança de seus governos passados.
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A verdadeira esperança é que o tenebroso governo bolsonarista, unido por armas e ódios, da linguagem machista, da ausência de sentimentos frente à dor e à miséria, abra o caminho não só a uma miragem, mas a um futuro com que [Lula] sempre sonhou, e que só será possível se ele for capaz de converter esses anos infernais do bolsonarismo naquela imagem de Dom Quixote, de "uma má noite passada numa má pousada".
Libération (França) – A feira das lorotas (25/10)
Antes do segundo turno, em 30 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenta limitar a propagação das notícias falsas e difamações nas redes sociais.
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Os partidários de Bolsonaro consideram as decisões do TSE uma "censura" e um entrave à liberdade de expressão.
Esse hábito de desinformação, difundido no Brasil, onde uma maioria da população se informa, antes de tudo, pelos grupos do WhatsApp, constitui uma "corrosão da democracia", avaliou o juiz Alexandre de Moraes, presidente do TSE. Em 20 de outubro ele se encontrou com os chefes da campanha de Lula e de Bolsonaro, e na véspera, reuniu-se com os representantes do Facebook, Instagram, WhatsApp, Google, TikTok, Telegram e YouTube.
Algumas dessas falsas informações já circulam há vários meses. Lula é acusado regularmente, tanto de querer legalizar a venda de drogas ou de liberalizar o aborto (atualmente autorizado unicamente em caso de estupro, risco vital para a mãe ou malformação grave do feto).
A mentira que tem mais sucesso entre os adversários do candidato de esquerda, sobretudo entre os 30% dos brasileiros adeptos dos cultos evangélicos, afirma que ele conta fechar as igrejas, se for eleito. No campo de Lula, o presidente de extrema direita tem sido regularmente associado ao canibalismo e à pedofilia.
Em seu canal no Youtube, o TSE publica, além disso, vídeos de verificação de fatos, sob o título Fato ou boato. Alguns exemplos: não, o TSE não censurou a estação de rádio bolsonarista Jovem Pan, simplesmente exigiu que se conceda um direito de resposta à coalizão de esquerda Brasil da Esperança, depois de uma difamação no ar.
Não, os hackers dos serviços secretos russos jamais alertaram o Exército brasileiro sobre uma pirataria do sistema eleitoral (o próprio Ministério da Defesa desmentiu essa fofoca). Não, em nenhuma cidade o total dos votos em Lula ultrapassou o número de inscritos.
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av/cn (ots)