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Incêndios deixam rastro de destruição em terras indígenas

9 de dezembro de 2024

Amazônia, Pantanal e Cerrado registraram 5,9 milhões de hectares queimados em 2024, área maior que a Paraíba. Mudanças climáticas, seca, falta de prevenção e avanço da agropecuária e do garimpo estão entre as causas.

Incêndio atinge Terra Indígena Capoto-Jarina, no Mato Grosso, em setembro de 2024. Na imagem, vê-se fumaça ao fundo, com árvores e um rio em primeiro plano
Incêndio atinge Terra Indígena Capoto-Jarina, no Mato Grosso, em setembro de 2024Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace Brazil

Enquanto combatia focos de incêndios no segundo semestre deste ano, Cleber Oliveira Martins Javaé, de 36 anos, costumava receber ligações e vídeos de caciques que estavam em outras regiões da Ilha do Bananal, em Tocantins. Eles pediam socorro porque o fogo se aproximava de suas aldeias e casas. "Alguns usavam até baldes de água para tentar combater as chamas", relatou o indígena.

Atuando como chefe da Brigada Javaé, do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o indígena contou que sua equipe não conseguiu dar o suporte adequado devido à grande quantidade de incêndios.

Na Ilha do Bananal estão as terras indígenas Parque do Araguaia e Inãwébohona, a primeira e a quarta que mais sofreram com os incêndios neste ano, de acordo com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal Rio de Janeiro (UFRJ). Juntas, elas somaram pouco mais de um milhão de hectares queimados. "Por onde andei, vi um rastro de destruição", descreveu Martins Javaé. 

Desde 2012, primeiro ano de monitoramento do Lasa, as terras indígenas da Amazônia, Pantanal e Cerrado não haviam queimado tanto. Foram 5,9 milhões de hectares incendiados, uma área maior que o estado da Paraíba – representando cerca de 18% dos 32,9 milhões de hectares incendiados nos três biomas.

Mudanças climáticas, seca, avanço da agropecuária e de garimpos e falta de prevenção por meio do Manejo Integrado do Fogo (MIF) são algumas razões por trás desse cenário em 2024.

Incêndios criminosos

Diversos fatores explicam por que o fogo castigou as terras indígenas, de acordo com Lívia Moura, doutora em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB) e assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

"Os territórios indígenas têm mais vegetação nativa, muitas delas inflamáveis. Então é onde existe o que queimar", aponta.

As mudanças climáticas, por sua vez, agravam a seca e a propagação dos incêndios, sejam gerados de forma intencional ou acidental pelos seres humanos – o fogo causado por eventos naturais é praticamente inexistente no Brasil. Isso tem dificultado a manutenção das práticas tradicionais de uso do fogo por comunidades indígenas.

"Ainda não se tem respostas para como se adaptar a essas mudanças climáticas para não gerar incêndios a partir das queimas controladas que eles fazem. Muito fogo que era seguro fazer em determinada época, hoje acaba se transformando em um incêndio por conta dessas mudanças", explica a especialista.

A maior parte dos incêndios, no entanto, é de origem criminosa. "Os indígenas são os principais prejudicados quando ocorre um incêndio. São pessoas mal-intencionadas que geram esses incêndios criminosos. São preconceituosas e politicamente contra os povos indígenas, não respeitam a cultura indígena ou as terras indígenas, ou querem expandir suas áreas agrícolas e pecuárias", alerta Moura.   

Fogo da agropecuária e do garimpo

A realidade descrita pela especialista é encontrada na Ilha do Bananal, uma região na confluência dos biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado. De acordo com o brigadista Martins Javaé, a seca nunca foi tão grande, deixando sem água lagos que jamais secaram. Segundo o indígena, no entanto, a maioria dos incêndios começa em áreas de retiro, locais usados por criadores de gado.

"Quando fizemos a leitura dos focos de calor com imagens de satélite da Nasa e colocamos nos mapas da ilha fornecidos pelo Ibama, vimos que a maioria dos focos surgiu próximo a retiros, onde os criadores de gado usam o fogo para renovar a pastagem. É uma realidade muito triste", diz.

Com braçadeira preta, Cleber Oliveira Martins Javaé chefiou brigada que combateu incêndios na Ilha do Bananal, no Tocantins. Seu contrato não foi renovado pelo governo federal.Foto: Acervo pessoal

A Terra Indígena Kayapó, no Pará, a segunda mais afetada pelos incêndios no Brasil, também sofreu com o fogo gerado não por indígenas, mas por garimpeiros. De acordo com análise do Greenpeace Brasil feita por meio de imagens de satélite, as áreas em que os focos de calor se concentram estão sobrepostas ou muito próximas a locais de garimpo abertos recentemente.

"Vamos levar 30 anos para esse mato crescer e voltar ao normal. Mas, do jeito que está queimando todo ano, daqui a pouco vai ter só capoeira [termo tupi que designa vegetação secundária que nasce no lugar de vegetação cortada]", analisou o cacique Kayapó Megaron Txucarramãe, após sobrevoar as áreas junto com o Greenpeace no fim de setembro. 

Proteger patrimônio mundial

Jorge Eduardo Dantas, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, destaca que proteger as terras indígenas é uma tarefa da sociedade.

"Estamos falando em manter íntegro e saudável um patrimônio mundial. É para permitir que os povos indígenas vivam com suas tradições, mas também para proteger nossa biodiversidade, para ajudar no combate às mudanças climáticas", diz.

Para Dantas, a estrutura de combate a incêndios florestais no Brasil hoje é insuficiente. "Precisamos, por exemplo, de brigadas aéreas preparadas para atuar nos mais diversos territórios. Estamos em um cenário de mudanças climáticas, onde os eventos extremos vão se tornar mais intensos e frequentes. Precisamos mudar a forma como encaramos esse problema."

O auge do fogo nas terras indígenas ocorreu entre agosto e outubro. A pergunta agora é como enfrentar os próximos eventos extremos de incêndios. 

Manejo do fogo

O Ibama afirmou, por meio de nota, que o Prevfogo intensificou as operações em terras indígenas neste ano. Disse que há 105 brigadas em operação, totalizando 2.215 brigadistas, grande parte (52%) formadas por indígenas e quilombolas.

"O governo federal reforçou a estrutura de combate ao fogo com a sanção da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo [MIF]. Essa medida regulamenta o uso do fogo em atividades controladas e proíbe sua utilização para desmatamento em áreas de vegetação nativa. Além disso, três bases interfederativas foram criadas na Amazônia, fortalecendo a integração entre União e estados", disse o Ibama.

Segundo o órgão, o MIF foi ampliado em diversas terras indígenas, com o objetivo de mitigar o impacto das queimadas. A reportagem perguntou quantas e quais TIs tiveram o manejo, mas não obteve resposta.

De acordo com Moura, nas terras indígenas onde está sendo aplicado o MIF os incêndios foram muito menores. "Por que nós não conseguimos enxergar isso no contexto nacional? Porque são poucas as terras que fazem o manejo. E não é de um ano para outro que vai haver diferença. São anos de trabalho. Isso começou nas terras indígenas em 2015. É recente, mas já temos bastantes resultados positivos", diz a especialista.  

A importância das brigadas

Para que seja feito o manejo, é preciso garantir o fortalecimento das brigadas florestais, sejam contratadas pelos governos, sejam as comunitárias ou voluntárias. Os brigadistas do PrevFogo são contratados de forma temporária, muitas vezes dificultando a prevenção.

Martins Javaé, por exemplo, foi contratado em junho e praticamente não teve tempo de trabalhar com a prevenção, como conscientização da população, construção de aceiros – que são barreiras naturais contra o fogo – e queima prescrita. Ele também disse que o número de brigadistas caiu neste ano para 17, sendo que já chegou a 35 em outros anos. 

Quando concedeu entrevista à DW Brasil, Martins Javaé estava na expectativa da renovação do seu contrato, que terminaria em 30 de novembro. Seu plano era trabalhar agora com a prevenção dos incêndios, atuando na educação ambiental, conscientização da comunidade e reflorestamento de áreas degradadas.

"Infelizmente, o contrato não foi renovado", disse à reportagem em dezembro. De acordo com o indígena, nenhum contrato das brigadas da Ilha do Bananal foi renovado. "Torço para que no futuro possamos ter uma atenção maior."

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