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CriminalidadeBrasil

Infiltrado por crime organizado, Brasil pode virar México

Alexander Busch | Kolumnist
Alexander Busch
26 de junho de 2024

Grupos de interesse criminosos dominando as instituições públicas são a maior ameaça atual ao país. Leis pró-armas, liberação de chefões mafiosos estão entre os sintomas. Os governos ficam passivos. Ou são coniventes?

Feira LAAD, no Rio de Janeiro. Anular restrições de 2023 ao comércio de armas será vitória para o crime organizarFoto: TERCIO TEIXEIRA/AFP

Numa roda com advogados influentes, recentemente, um dos presentes fez um prognóstico assustador: dentro de cinco anos o crime organizado vai ter raízes tão profundas no Estado, na política e na Justiça do Brasil, que os conflitos de hoje em dia, entre direita e esquerda, vão parecer brincadeira de criança.

Ele está convicto de que o Brasil então vai ser como o México de hoje: um Estado que tem cada vez menos controle sobre o país, em que grupos criminosos se combatem e fazem tranquilamente seus negócios ilegais, porque infiltraram o Estado.

Acho possível. É uma tendência que não dá para provar com dados, já que o círculo de influência do crime organizado não se reflete diretamente nas estatísticas oficiais do IBGE. No entanto, as decisões das últimas semanas do Congresso são um indício de que, cada vez mais, os interesses diretos dos grupos mafiosos estão sendo atendidos.

Agora o órgão legislativo pretende anular uma parte das restrições ao comércio de armas introduzidas em 2023. Segundo os pesquisadores do Atlas da Violência, o projeto de decreto legislativo (PDL) aprovado em maio é uma "enorme contribuição para o crime organizado e para a insegurança pública da nação".

Paralelamente, em breve jogos de azar como bingo, jogo do bicho e cassinos vão poder operar legalmente no Brasil. Por todo mundo, esse é um mecanismo de lavagem de dinheiro para o crime organizada. Há já um bom tempo, no país, os jogos de azar e as apostas explodem na internet.

A ponta do iceberg do crime organizado no Estado

Todos esses são sinais de que o crime organizado não só está se infiltrando no Legislativo, como é capaz de organizar maiorias sólidas. No Judiciário, chama a atenção quando de repente altos magistrados liberam chefões do narcotráfico.

Como André do Rap, um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), que o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, hoje aposentado, soltou numa tarde de sexta-feira, em outubro de 2020. Desde então, o criminoso está desparecido. Na terceira semana de junho, outro juiz federal deixou livres seis membros de gangues apanhados com meia tonelada de cocaína na fronteira com a Bolívia.

Entretanto esses são só os casos que vêm a público: no nível das administrações municipais e das Câmaras dos Vereadores, praticamente não há controle efetivo. Investigações como as da máfia dos ônibus de São Paulo são raras exceções. As autoridades creem que o Primeiro Comando controle o setor do transporte urbano e o utilize para lavagem de dinheiro em grande estilo.

Segundo o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco), a influência sobre as prefeituras é importante para o PCC: elas decidem sobre os contratos de coleta de lixo, as regras do transporte urbano e sobre o uso e ocupação dos terrenos.

Passividade ou permissividade?

Se isso chamou a atenção em São Paulo, o que estará acontecendo nos outros 5.565 municípios brasileiros?

É espantoso que nenhum governo tenha empreendido uma ação conjunta contra esse estado de coisas. Ou será, justamente, nada espantoso, diante do poder crescente das máfias?

Há dez anos, os governos aplicam medidas paliativas nos sintomas, para não dar a impressão de que nada fazem contra a insegurança crescente. A lei proibindo as "saidinhas", ou a de que vai punir com prisão a posse da menor quantidade de drogas, ao que tudo indica, não passam de táticas de distração.

Não existe um plano contra a criminalidade organizada que chegue até o governo ou o Congresso. Uma grande passividade impera – ou será mesmo permissividade?

O prognóstico pessimista do advogado, ao que parece, é realista.

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

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Tropiconomia

Há mais de 25 anos, Alexander Busch é correspondente de América do Sul para jornais de língua alemã. Ele estudou economia e política e escreve, de Salvador, sobre o papel no Brasil na economia mundial.