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Influencers geradas por IA e o padrão estético irreal

Nina Lemos
Nina Lemos
5 de março de 2024

Com influenciadoras criadas em computador, é provável que mulheres passem a se espelhar em garotas que têm uma perfeição literalmente inalcançável, aumentando ainda mais a pressão opressora pelo corpo ideal.

Influenciadoras falsas fazem sucesso no TikTokFoto: Marijan Murat/dpa/picture alliance

Milla Sofia é uma finlandesa de 24 anos. Sua pele e seus cabelos loiros são perfeitos e o seu corpo parece aquele estereótipo dos sonhos dos garotos mundo afora: cintura fina, barriga sarada, seios grandes. Tudo isso é combinado com um rosto angelical. Mesmo com cara de boa moça, ela adora postar fotos de lingerie. Ou seja, ela é a encarnação de uma fantasia masculina. Milla tem mais de 134 mil seguidores no TikTok e seus posts colecionam 1,4 milhões de curtidas. No Instagram, ela tem 149 mil seguidores. Só tem um detalhe: ela é tão "perfeita" assim porque ela não existe.

E não estou falando, nesse caso, de influenciadoras que abusam de filtros e exibem na internet corpos e vidas perfeitamente editadas, criando um padrão de beleza e de felicidade que nós, simples mortais, nunca vamos alcançar, mas de uma coisa bem pior: Milla LITERALMENTE não é uma pessoa de verdade, mas uma imagem gerada por inteligência artificial (IA). Mesmo assim, sua "vida" parece com a das blogueiras ricas de carne e osso. No verão passado, por exemplo, ela "viajou" para Santorini, na Grécia.

Milla, ou melhor, seus criadores fazem parte de um mercado que cresce cada vez mais: o das influenciadoras geradas por IA. Algumas delas já dão lucro de até 10 mil euros (cerca de R$ 53 mil) por mês. E criar uma "mulher perfeita" com todos os recursos disponíveis hoje não é tão difícil. Pela internet afora, você pode encontrar vários vídeos ensinando "como criar uma influenciadora".

O tempo em que nos preocupávamos com o excesso de perfeição exibido nas redes por blogueiras talvez pareça, no futuro próximo, um tempo inocente. Afinal, com as influenciadoras geradas por IA tudo pode piorar. E muito.

Isso porque elas exibem um padrão de beleza que é literalmente surreal e inalcançável para uma pessoa de carne e osso, já que ela não é um ser humano. Que efeito pode ter isso em uma adolescente naquele momento em que todas são inseguras com seus corpos?

Preocupados com os efeitos negativos que essas imagens mais que perfeitas podem gerar em crianças e adolescentes, a associação americana Parents Together lançou no mês passado uma carta aberta para o TikTok, que reúne mais de 12 mil assinaturas. Nela, os pais pedem que a plataforma marque claramente, e com destaque, quais influenciadores são geradas por inteligência artificial.

Segundo a associação, após a divulgação da carta, alguns destes perfis falsos foram removidos da plataforma, mas milhares continuam ali influenciando crianças e adolescentes, que são os principais usuários da plataforma. Essa busca pelo corpo ideal pode causar, entre outras coisas muito sérias, distúrbios alimentares e transtornos emocionais.

Celebridades e Coachella

Nesse mercado, há top influenciadoras geradas por IA como Lil Miquela, uma das pioneiras. Ela chegou a ser garota propaganda da BMW e posou com celebridades no festival Coachella. Lil tem mais de 1,6 milhão de seguidores e seus criadores assumem no Instagram que ela é um "robô de 19 anos vivendo em Los Angeles". Mesmo assim, seguidores reagem às suas publicações falando com ela como se ela fosse uma pessoa.

Segundo especialistas, essas influenciadoras geradas em computador são muito mais econômicas. Claro, elas não têm sentimentos, não engravidam (e "atrapalham" aquele " job"), não engordam e não envelhecem. Elas são, literalmente, bonecas, que podem fazer tudo o que o cliente mandar.

Sinto pelas influenciadoras que podem ficar sem trabalho, mas o que me preocupa mesmo é o efeito que tanta perfeição pode ter nas mulheres, principalmente nas muitas jovens. Elas vão se espelhar em garotas que não existem? Os padrões já não eram opressores o suficiente?

Perdida no Tik Tok

Difícil ficar otimista. Isso porque uma das coisas assustadoras nessas modelos é que elas parecem muito reais. E podem ficar cada vez mais com a chegada do programa Sora, que, por exemplo, é capaz de criar vídeos falsos super realistas.

Passei um tempo no TikTok procurando por páginas de influenciadoras geradas por IA e tive uma breve sensação de enlouquecimento. Em certo momento, eu não sabia mais quem era de verdade e quem era uma criação digital. Seria Cameron, uma garota loira padrão que dança no TikTok em um quarto de adolescente usando uma camiseta do Brasil uma pessoa de verdade ou uma imagem baseada em padrões e algoritmos de mulher perfeita?

As "IA influencers" são tão parecidas com pessoas reais (mas com um padrão de beleza surreal) que vários fãs interagem com elas como se elas fossem pessoas de verdade (socorro)! Homens mandam cantadas para elas, mesmo no caso daquelas em que está escrito claramente no Instagram que elas foram geradas por inteligência artificial.

Esse é o caso de Aitana López, uma das mais populares influenciadoras geradas com inteligência artificial. Ela "tem" 24 anos, cabelo rosa e "mora" em Barcelona, na Espanha. Gosta de praia, pratica exercícios e, apesar de estar escrito em seu perfil que ela é gerada por IA, os homens escrevem coisas como: "você é linda", "estou apaixonado". Seus criadores contam que ela recebe diariamente centenas de e-mails de pretendentes. Surreal.

Essas "mulheres" parecem mesmo serem feitas para agradar "homens". Elas são criadas de acordo com o que "o mercado quer". E esse mercado é machista, sabemos.

Como poucas pessoas conseguem olhar as redes sociais sem se comparar com os outros, mesmo que inconscientemente, provavelmente muitas meninas já se comparam com essas crias dos algoritmos e com padrões que elas nunca vão alcançar. É assustador. Fiquemos atentas.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.

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