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Insegurança escala na África sob governos militares

Isaac Kaledzi
12 de setembro de 2023

Desde o início dos golpes de Estado pioraram as condições de segurança no Sahel, região que atravessa a África abaixo do Saara. Para especialistas, só o retorno à democracia pode resolver a crise .

Foto mostra um quadro capturado de vídeo com o novo comandante do Níger, General Abdourahamane Tiani
General Abdourahamane Tiani, o novo homem forte do Níger, falando na televisão nacionalFoto: Télé Sahel/AFP

As condições de segurança no Sahel – a faixa de terra que atravessa todo o continente africano, tendo o deserto do Saara ao norte e a savana sudanesa ao sul – se deterioraram desde que os soldados assumiram o controle de diversos países da região. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela DW.

Eles alertam que essa conjuntura pode ter consequências ainda mais letais, caso não sejam encontradas novas estratégias para conter a ação de terroristas, que miram instalações militares e civis.

Segundo o analista de segurança Diatourou Diawar, atacar alvos civis ou contingentes militares não é novidade para os terroristas. "Não há um dia sequer em que não haja ataques no Mali, Burkina Faso e Níger."

Já para o especialista em segurança Mutaru Mumuni Muktar, baseado em Gana, a ausência de um regime civil eficiente aprofundou a situação de insegurança no Sahel.

Ex-presidentes da região do Sahel: Mohamed Bazoum (Níger), Ibrahim Boubacar Keita (Mali), Omar al-Bashir (Sudao), Roch Marc Christian Kabore (Burkina Faso)

"Há várias implicações graves em termos de conquistas militares na África Ocidental. Estamos testemunhando um impacto negativo muito direto que essas investidas tiveram sobre a luta contra o extremismo violento na região."

Bram Posthumus, jornalista independente que atua na África Ocidental ressalta que em nenhum dos países onde ocorreram golpes de Estado houve melhora das condições de segurança: "Acredito que a situação de segurança se deteriorou em todos os três países do Sahel, se nos ativermos ao Mali, Burkina Faso e Níger."

Ataques recorrentes

Vários atentados têm ocorrido no Mali. Há cerca de uma semana, pelo menos 60 morreram num ataque contra um acampamento do exército na cidade de Gao. Na véspera, houvera duas outras investidas na região do Bamba, entre Gao e Timbuctu.

A promessa dos soldados que tomaram o poder no Mali em agosto de 2020 e depois em 2021, logo depois dos protestos de massa pela renúncia do então presidente Ibrahim Boubacar Keita, foi justamente frear esse tipo de ataque violento. Na época, os cidadãos do Mali atribuíam ao governo de Keita diversos problemas do país, desde casos de corrupção à instabilidade política.

Posthumus reforçou que nada de novo aconteceu. "Os dois golpes de Estado no Mali não geraram uma melhora das condições de segurança. Muito pelo contrário".

Em Burkina Faso, 40 soldados do Exército de foram mortos num atentado recente. No Níger cresceram os ataques jihadistas contra alvos civis e militares. "Pelo o que sabemos, golpes não deflagram uma era de estabilidade. Eles dão início a eras de instabilidade", afirmou Posthumus.

Escalada da crise

Especialistas alertam que a crise de segurança pode piorar se nada for feito para combater os militantes e tornar a região segura para a população.

"Neste ano, temos visto um aumento expressivo de fatalidades dentro da região, e atentados em torno de áreas de extremismo violento. Este ano pode ser o mais letal na região, o ano em que o terrorismo causou mais mortes na África Ocidental", informou Muktar.

Esses ataques violentos na região do Sahel são atribuídos ao Jama'at Nasr al-Islam wal Muslimin (Grupo de Apoio para o Islã e os Mulçumanos, JNIM), ligado à Al Qaeda.

Na falta de uma estratégia eficiente para combatê-los, os militantes ganharam ainda mais fôlego para espalhar terror e medo entre os cidadãos, destaca Rémy Arsène Dioussé, gerente de programa do Centro de Competência para Paz e Segurança na África Subsaariana da Fundação Friedrich Ebert.

Coronel Abdoulaye Maiga, ministro da Administração Territorial e Descentralização de Mali, durante um discurso na TV estatal Foto: ORTM/AP/dpa/picture alliance

Segundo o especialista, os jihadistas querem convencer a população com a mensagem: "Nós podemos conduzir nossas operações a qualquer momento, instalar um clima de medo. E 'você deve se insurgir contra as autoridades civis e militares que foram incapazes de assegurar sua segurança'."

Posthumus acrescenta que, apesar de insatisfeitos com a forma como os líderes golpistas enfrentam a violência, os cidadãos não são capazes de se opor: "A população está proibida de protestar. Há um regime militar no Níger, no Mali e em Burkina Faso. Nos três houve certamente um aumento nos ataques à imprensa, sobretudo à mídia independente."

Impactos abrangentes sobre sociedades nacionais

Os golpes militares podem desencadear consequências ainda piores, para além do estado de insegurança. "Os golpes que continuam acontecendo na região podem ter um impacto negativo sobre a boa governança, o desemprego entre os jovens, resiliência social para outros fatores que comprometem a segurança, como conflitos étnicos e 'caciques' locais das sub-regiões", explica Muktar.

Mali, Burkina Faso e Níger tentaram colaborar entre si para combater os militantes. Dioussé aponta que há dúvidas quanto à eficácia dessa cooperação, e que os três países precisam tanto de tecnologia ocidental quando dos outros dois países-membros do G5 Sahel, o Chade e a Mauritânia.

Édouard Zoutomou, um político da Guiné, onde soldados também tomaram o poder, afirma que a falta de estabilidade política contribuiu para a escalada de insegurança na região do Sahel: "A tomada de poder por militares piorou essa situação. Recorrer a eles não é a solução para todos os problemas políticos da região."

Democracia é a solução

Posthumus reforça: não há indicações de que os militares no poder estejam comprometidos com o restabelecimento da estabilidade na região. Até porque "a falta de vontade de combater a militância obviamente tem a ver com os motivos que levaram à ascensão desses regimes": "Todas as razões foram pessoais, seja a demissão do chefe ou de um general proeminente da guarda presidencial."

Zoutomou afirma que "até que haja estabilidade política nesses países, não se pode esperar segurança". O recente sucesso do Níger em diminuir os ataques de militantes a civis é atribuído ao sistema criado no governo do presidente deposto Mohamed Bazoum, que nem sempre optou por soluções meramente militares.

Mas se os países restabelecerem o regime civil, a ordem poderá ser retomada no Sahel, aposta o especialista: "Acredito ser necessário os governos serem eleitos nesses países, para que possam negociar e estabelecer uma estrutura básica permitindo-lhes realmente cooperar entre si e com parceiros internacionais, de modo a tornar [o Sahel] mais seguro."

Muktar concorda que o restabelecimento imediato da democracia é a saída para melhorar as condições de segurança; "Precisamos retomar os regimes democráticos e a liderança dentro da sub-região. Isso significa que temos de estabelecer lideranças com foco nas pessoas, e não no poder. Precisamos nos assegurar que o propósito do governo seja garantir os direitos dos cidadãos. Estamos presenciando desigualdade, corrupção e impunidade."