Insulto nazista derruba chefe da Federação Alemã de Futebol
17 de maio de 2021
No cargo desde 2019, Fritz Keller havia perdido apoio interno na DFB após comparar dirigente rival a juiz do regime nazista. Em carta de despedida, ele criticou rumos da federação.
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O presidente da Federação Alemã de Futebol (DFB), Fritz Keller, anunciou nesta segunda-feira (17/05) em comunicado que está deixando o cargo.
"Assumo a responsabilidade pessoal por minha gafe na reunião do Comitê Executivo em 23 de abril de 2021", disse o dirigente de 64 anos quase uma semana depois de anunciar sua intenção de renunciar.
A "gafe" em questão, que foi o estopim para a saída de Keller, ocorreu durante uma reunião de dirigentes da DFB. Na ocasião, durante um bate-boca, Keller chamou Rainer Koch, um dos vice-presidentes da DFB e um desafeto seu, de "Freisler", em referência ao infame juiz nazista Roland Freisler (1893-1945), que presidiu o "Tribunal Popular" do Terceiro Reich.
A corte se notabilizou por sentenciar milhares de opositores do regime à morte, incluindo osirmãos Scholl. Durante os julgamentos, Freisler costumava humilhar e ofender os réus. Em 1941, ele também prestou assistência jurídica na Conferência de Wannsee, a reunião que abordou detalhes operacionais do plano para exterminar os judeus europeus.
O insulto proferido por Keller ecoou ainda mais porque Koch atuou como juiz antes de assumir altas posições como dirigente esportivo. Posteriormente, Keller pediu desculpas a Koch pelo que descreveu como um "erro grave", mas o vice não aceitou o pedido.
Posteriormente, associações regionais e estaduais de futebol da Alemanha acabaram usando o episódio para retirar seu apoio ao presidente. A DFB também encaminhou o caso a um tribunal interno.
No comunicado de despedida, usando tom duro, Keller disse que estava renunciando ao cargo para abrir caminho para um "reinício profundamente enraizado e necessário" na associação. No momento, a federação está tomada por brigas internas entre dirigentes rivais.
Sem mencionar o nome de desafetos, como Rainer Koch e o secretário-geral da DFB, Friedrich Curtius, Keller disse que a federação "precisa mudar".
"[A DFB] deve recuperar sua credibilidade, confiança em sua integridade e desempenho”, disse Keller, que também reclamou de ter se deparado repetidamente com "resistências e muros" dentro da organização enquanto buscava "profissionalizar e modernizar suas estruturas".
Ele ainda lamentou o fato de não ter "conseguido obter uma cooperação confiável dentro dos órgãos da DFB". Keller havia assumido o posto em setembro 2019. O dirigente concluiu o comunicado afirmando que chegou à conclusão de que a federação foi tomada por "lutas internas de poder e obtenção de vantagens" pessoais.
Keller não é a única figura sênior que deve deixar a DFB. Seu principal rival, Friedrich Curtius, também deve deixar o posto.
Já Koch e o vice-presidente Peter Peters permanecerão no cargo para atuar como presidentes interinos até o início de 2022, quando a DFB realizará sua próxima assembleia geral. Koch, porém, disse que não concorrerá à reeleição.
A última reviravolta na organização ocorreu pouco mais de dois anos após o antecessor de Keller, Reinhard Grindel, ter renunciado ao cargo, depois da revelação de que ele havia aceitado um relógio luxuoso de um oligarca ucraniano - ele já estava enfraquecido após se envolver em uma briga pública com o jogador Mesut Özil. Antes disso, uma acusação relacionada ao pagamento de subornos já havia derrubado outro presidente da DFB, Wolfgang Niersbach, que deixou o cargo em 2015.
Além das mudanças na diretoria, o técnico da seleção alemã de futebol masculino, Joachim Löw, que está no cargo desde 2006, anunciou que deixará a seleção após o próximo Campeonato Europeu, que vai ocorrer entre junho e julho.
jps (dw)
Futebol e política - 150 anos de histórias
O esporte mais popular do mundo comemora 150 anos de existência e, nesse espaço de tempo, teve momentos de conotação política e influência direta na humanidade, desde trégua em guerras à confraternização de etnias.
Foto: picture-alliance/dpa
A trégua de Natal
Véspera de Natal de 1914. A Europa estava em plena Primeira Guerra Mundial, mas soldados alemães e britânicos organizaram um cessar-fogo não oficial ao longo de toda a frente ocidental. O início da "Trégua de Natal" foi na região de Ypres, na Bélgica, onde as tropas adversárias decoraram as trincheiras, trocaram presentes e jogaram uma partida de futebol.
Foto: PD
O mártir do Wunderteam
No dia 3 de abril de 1938, a Alemanha enfrentou o "Wunderteam" da Áustria no famoso "Jogo da Anexação". Matthias Sindelar (esq. camisa escura) marcou um dos gols da vitória austríaca e comemorou efusivamente na frente dos políticos nazistas. Na Copa de 1938 ele se recusou a defender a Alemanha e, em janeiro de 1939, foi encontrado morto, asfixiado por monóxido de carbono na própria cama.
Foto: picture alliance/Schirner Sportfoto
A partida da morte
O FC Start é provavelmente o maior símbolo esportivo de resistência ao nazismo. Mesmo ciente das consequências, o time (de branco) se recusou a fazer a saudação nazista e ousou vencer - pela segunda vez - a Flakelf, equipe da Força Aérea alemã, no dia 9 de agosto de 1942. Pouco tempo depois, os jogadores foram levados para campos de concentração. A grande maioria morreu sob tortura.
Foto: PD
Capitalismo versus socialismo
Em plena Guerra Fria, no dia 25 de novembro de 1953, a melhor seleção da época, a Hungria, enfrentou a Inglaterra no Estádio de Wembley. O confronto tornou-se importante propaganda para as duas ideologias. Os socialistas, liderados por Ferenc Puskas (esq.), venceram os capitalistas por 6 a 3. Foi a primeira derrota inglesa em casa em 90 anos de futebol.
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"El Clásico"
Assim como o ditador Benito Mussolini sentenciou o "Vencer ou Morrer" para a seleção italiana na Copa de 1938, o general Franco também usou o futebol para enaltecer a Espanha que dirigia. E, em oposição aos catalães, ele usou o Real Madrid como ferramenta propagandista nos anos 50 e 60, originando uma das maiores rivalidades do futebol mundial.
Foto: picture-alliance/dpa
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A guerra parou para ver Pelé
Em excursão pela África em 1969, o Santos parou a Guerra de Biafra, na Nigéria. O governador da região nigeriana inclusive autorizou a liberação da ponte que ligava a cidade de Benin - local do jogo - e Sapele, para que todos pudessem ver o Rei Pelé (na foto com Eusébio). Assim que o Santos subiu no avião, a guerra recomeçou.
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Final de Copa perto de centro de tortura
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Devido à invasão russa, a guerras civis e ao regime talibã, o futebol deixou de ser praticado no Afeganistão entre 1984 e 2002. A primeira partida oficial em território afegão ocorreu apenas no dia 20 de agosto de 2013. Três semanas depois, os afegãos conquistaram seu primeiro título internacional, a Copa da Federação do Sul da Ásia, recuperando um pouco de sua identidade.
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Com o colapso da Iugoslávia, cresceram as tensões étnicas na região - que o futebol, mesmo que por um instante, conseguiu apaziguar. Com a inédita classificação da Bósnia para a Copa de 2014, sérvios, croatas e muçulmanos foram às ruas festejar. Unidos.