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Decisão controversa

24 de março de 2009

A operação "out of area" da Otan, há dez anos, possibilitou a posterior independência do Kosovo. Porém a iniciativa permanece controversa, assim como suas consequências para o direito internacional.

Tropas de paz da KFOR no Kosovo diante de cartazes de protesto sérvio, dez anos depoisFoto: AP

Há dez anos, a Europa se viu confrontada com a ameaça de uma catástrofe humanitária. Mais de 30 mil pessoas já haviam abandonado suas casas, buscando refúgio no próprio Kosovo, outras milhares na Macedônia e na Albânia. As negociações de paz com Belgrado em Rambouillet, França, haviam fracassado e observadores internacionais relatavam sobre o desterro e o assassinato de civis.

Polêmica até hoje, a experiência no Kosovo – que possibilitaria a posterior independência da província em relação à Sérvia, em 2008 – teve consequências importantes para o direito internacional e em outros casos de secessão.

Campo inexplorado

Dia a dia no KosovoFoto: dpa

Após o fracasso das negociações de paz com o governo sérvio e sensibilizada pelas experiências na Croácia e na Bósnia-Herzegovina, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estava disposta a impedir uma nova campanha de "limpeza étnica" no Kosovo.

Pela primeira vez na história da Aliança Atlântica, em 24 de março de 1999 o então secretário-geral Javier Solana autorizou o comandante supremo para a Europa, Wesley Clark, a uma assim chamada "operação out of area". Do ponto de vista do direito internacional, essa primeira "intervenção humanitária" da Otan pisava um campo inexplorado.

Críticos acusaram a organização de transgredir as normas jurídicas internacionais, devido à ausência de um mandato específico do Conselho de Segurança da ONU para a ação. Além disso, ao agir fora de seu território, a Otan teria ferido a integridade territorial da Iugoslávia.

Os prós

Os partidários da intervenção, por sua vez, viam sua legitimação numa série de resoluções do Conselho de Segurança, assim como na incapacidade deste de fazer valer as próprias exigências. A ONU ordenara que Belgrado retirasse suas tropas e suspendesse os combates no Kosovo, demandas estas ignoradas pelo então presidente sérvio, Slobodan Milosevic. Por isso teria sido necessária uma intervenção humanitária de caráter emergencial e em nome da preservação da paz mundial.

Após o início da guerra, os adeptos viram a intervenção ainda mais legitimada pelo fato de que em poucas semanas 800 mil civis fugiram ou foram desterrados. A maioria deles retornou logo após o armistício, em junho de 1999.

Fraquezas reveladoras

Joseph Marko, professor da Universidade Karl Franzen, em Graz, é da opinião que, embora expondo pontos fracos do direito internacional, a intervenção no Kosovo deu importantes impulsos para o desenvolvimento desse ramo do direito, levando a uma mudança de direção.

"Devido ao direito de veto dos membros permanentes, o Conselho de Segurança continua não sendo realmente apto para a ação efetiva em tais crises. A intervenção humanitária pela Otan provocou, de forma decisiva, uma nova discussão e um questionamento da doutrina da soberania nacional", afirma Marko, referindo-se à regra de não intervenção em questões internas.

O jurista afirma que o direito internacional ainda está longe de oferecer clareza no assunto. Mas pelo menos hoje se discute se os Estados podem gozar de seus direitos de soberania quando deixam de representar – e também proteger – a população como um todo. Deste modo, a perseguição a minorias étnicas ou religiosas poderia incorrer na perda desses direitos por parte do Estado.

Uma lógica que está longe de ser aplicada na prática, observa Marko. "O direito internacional continua fundamentado no princípio da soberania igualitária dos Estados, os quais são apoiados - de acordo com o conflito que se apresente – pelos membros permanentes do Conselho de Segurança."

O caso da Geórgia

Tanques russos na Ossétia do Sul: dois pesos e duas medidas?Foto: picture-alliance /dpa

Nesse sentido, o especialista na região dos Bálcãs Franz-Lothar Altmann acrescenta que certos membros do Conselho de Segurança usam dois pesos e duas medidas no tocante ao direito internacional. Como a Rússia, no caso da província georgiana da Ossétia do Sul. "A Rússia sempre se apresentou como defensora do princípio da inviolabilidade territorial das fronteiras e da repressão total de secessões. E agora, de repente, faz exatamente o contrário do que vive exigindo."

Desta forma, nenhum dos lados conseguiu se impor, na prática: nem os que são radicalmente contra um movimento de autonomia, nem os que consideram permissível uma intervenção humanitária. Segundo Joseph Marko, neste debate "o diabo está nos detalhes".

"A tentativa de genocídio justificaria uma secessão? O que significa, afinal, genocídio? Nesse caso chega-se até à cínica pergunta: quantas pessoas precisam ser mortas por dia? Vinte já bastarão para que se fale em genocídio? Ou é preciso que sejam 300 vítimas diárias?"

Mas a separação das províncias na Geórgia não é comparável com a situação no Kosovo, nem mesmo do ponto de vista das consequências tiradas. "O governo [do Kosovo] foi obrigado a preencher os padrões exigidos, sobretudo no tocante à preservação dos direitos fundamentais e das minorias. Nada disso ocorreu na Ossétia do Sul e na Abkházia. A expulsão dos georgianos, que foi muito violenta, não é lamentada de nenhuma forma."

Autor: Fabian Schmidt
Revisão: Alexandre Schossler

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