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Criminalidade

"Intervenção no Rio é improvisada, e violência continua"

29 de março de 2018

Em entrevista, especialista em segurança critica falta de planejamento na ação dos militares e discute impacto da morte de Marielle. Primeiro mês da estratégia de Temer para o Rio foi "inacreditavelmente dramático", diz.

Militares em operação na favela Kelson's, no Rio de Janeiro
Militares em operação na favela Kelson's, no Rio de JaneiroFoto: picture-alliance/dpa/AP/L. Correa

Em meio à atual intervenção federal no Rio de Janeiro, especialistas e ativistas de favela se uniram para monitorar as ações militares no estado e denunciar, internamente e a organismos internacionais, eventuais abusos cometidos e violações a direitos humanos.

O chamado Observatório da Intervenção atua em rede e conta com informações coletadas por organizações como a Onde Tem Tiroteio (OTT), que informa diariamente moradores do Rio como evitar situações de pânico e troca de balas.

Crítica da intervenção, a cientista social e especialista em segurança Sílvia Ramos coordena o Observatório. Em entrevista à DW Brasil, ela fala sobre o medo e a perplexidade que atingiu os ativistas da entidade após o assassinato da vereadora Marielle Franco e critica a improvisação e falta de planejamento da intervenção federal, decretada em 16 de fevereiro.

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"O primeiro mês da intervenção foi inacreditavelmente dramático para o Rio de Janeiro. Os padrões de violência urbana, mortes por assalto, casos traumáticos para a vida da cidade, como grávidas alvejadas, continuaram", afirma. "Espero que a escalada de violência seja estancada e que os interventores sejam capazes de controlar a própria polícia. É o mínimo que se pode esperar."

DW Brasil: Como funciona o Observatório da Intervenção?

Sílvia Ramos: Ele é coordenado e executado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania –Universidade Cândido Mendes/RJ (CESeC) e se apoia numa rede de instituições públicas e privadas, num conselho de 20 ativistas de favelas e outras organizações que captam informações diretamente da população.

Essa rede de apoio é formada por entidades como Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Ministério Público estadual e federal, e Anistia Internacional, Rede Maré, Observatório de Favelas e várias outras. Temos também uma parceria com três grupos que capturam informações diretamente da população: Defezap, Fogo Cruzado e Onde Tem Tiroteio (OTT-RJ).

DW Brasil: Como avaliam as informações coletadas sobre a intervenção até agora?

Sílvia Ramos: O primeiro mês da intervenção, que se completou em 16 de março, foi inacreditavelmente dramático para o Rio de Janeiro. Os padrões de violência urbana, mortes por assalto, casos traumáticos para a vida da cidade, como grávidas alvejadas, continuaram. Não temos ainda os números oficiais, mas a impressão que temos é que há uma dinâmica de continuidade do crescimento da violência, e também de crescimento da própria violência policial.

Há vários casos que nos dão a impressão de que, no primeiro mês, não houve mudança de padrões do funcionamento das polícias da cidade. Inclusive muita gente pensa que por isso a Marielle [Franco, vereadora pelo Psol] foi morta, porque denunciava isso.

A atuação das Forças Armadas na Vila Kennedy [favela escolhida pelo comando da intervenção federal para ser uma espécie de laboratório e modelo de atuação] chega a ser constrangedora, mostrando improviso. Mil homens que vão para lá no início da manhã e saem de lá no final da tarde servem para quê? Quais são os objetivos disso? São coisas que expressam improvisação, a aparente falta de estratégia do comando.

Esperávamos que com a chegada das Forças Armadas ocorresse o que ocorreu outras vezes: uma queda inicial (da violência), e, se você tem projetos estruturantes, essa queda se sustenta. Se você não tem, ela dura um, dois meses e depois vai piorando de novo.

DW Brasil: Mas nem essa melhora inicial ocorreu?

Sílvia Ramos: Aparentemente não, e ocorreram casos muito graves, como o assassinato da Marielle, que é muito traumático. O medo de tiroteios continua muito grande. É muito cedo para fazer qualquer tipo de balanço, mas as características da intervenção são muito fortes no sentido de improvisação, falta de planejamento e de programa.

DW Brasil: Marielle fez várias denúncias sobre a truculência do 41º Batalhão da Polícia Militar, em Acari. Vocês receberam denúncias? Discutiu-se a necessidade de proteção para algumas pessoas?

Sílvia Ramos: Nós recebemos denúncias de Acari, que é apenas um exemplo. E fomos nós que divulgamos isso para os jornais O Dia e Estado de S. Paulo, que fizeram reportagens, utilizando nossas fontes. E essas fontes deram informações que tanto a Marielle quanto ativistas locais estavam divulgando no Facebook. Então o que a Marielle estava fazendo, particularmente em relação às operações do 41º Batalhão, era replicar denúncias que chegavam para nós em outros lugares.

DW Brasil: Ela estava dando voz a essas denúncias que o Observatório já conhecia.

Sílvia Ramos: Marielle [que havia sido nomeada relatora da comissão na Câmara dos Vereadores de acompanhamento da intervenção federal] mantinha, há muitos anos, ligações com vários ativistas. Eu, pessoalmente, intuitivamente, acho que o assassinato dela não tem nada a ver com o 41º Batalhão. Nem com essas coisas que ela estava denunciando. Eu acho que não só não há uma relação comprovada como ela é improvável. Ela não estava fazendo nenhuma denúncia de que estavam investigando dentro do batalhão, ela não mencionou grupos de policiais ou milicianos. Era uma denúncia totalmente genérica que repetia as denúncias que chegavam dos ativistas locais.

Não tinha, na minha percepção, nada que justificasse um assassinato. E eu estava acompanhando essa situação muito de perto. Enfim, estamos aqui perdidos com o que aconteceu com a Marielle. Ninguém sabe. Não dá para dizer nada. Apenas achamos o que a própria polícia diz, que não foi crime passional, que foi uma execução muito bem planejada e executada por grupos profissionais.

DW Brasil: As pessoas do Observatório, e mais especificamente esses ativistas de favelas, sentem-se ameaçadas e fragilizadas? Alguém está sob proteção? Vocês têm receio de que haja pessoas em risco?

Sílvia Ramos: Os ativistas de favelas estão se sentindo, todos eles, muito vulneráveis. Nenhum deles estaria em risco por causa do Observatório. Eles foram chamados para este grupo exatamente porque são ativistas. Todos os casos que chegam para nós encaminhamos para a Defensoria, a Anistia Internacional e a Justiça Global. São instituições com protocolos claros e precisos sobre quem está sob risco e como proceder.

DW Brasil: O que significa a intervenção federal, segundo sua análise?

Sílvia Ramos: Primeiro, é a utilização de um dispositivo constitucional de força que nunca foi utilizado antes e está sendo utilizado por um governo federal cuja legitimidade é extremamente questionada. E foi feita por meio de um decreto também com vários problemas de constitucionalidade. Para piorar a situação, a intervenção, além de ser federal, é militar. Poderia ser uma intervenção civil.

Outro aspecto é o momento em que ela foi feita. O governo estava sem saída, com problemas de agenda para aprovar a reforma da previdência antes do Carnaval e, na Quarta-feira de Cinzas, resolve um negócio desses. É extremamente preocupante o uso dessa medida na área de segurança pública sem que tenha havido nenhuma programação, nem recursos, nem definição sobre o que fazer.

A intervenção foi feita sob a alegação de que a segurança no Rio de Janeiro estava sem comando. E é verdade, estava mesmo. Só que se você perguntar para qualquer especialista em segurança pública, há dez medidas a se tomar antes de fazer uma intervenção federal militar. Em Vitória, a situação era infinitamente pior que no Rio. Tinha problema de comando no governo estadual, mas isso não justifica.

Que efeito colateral essas ações terão agora é o que estamos monitorando. Depois da intervenção você tem o estado de emergência, depois o estado de sítio, depois você joga a bomba atômica. Então o que vai fazer? Falta fazer na área de segurança pública o que sempre faltou: programa, planejamento e cumprimento de metas em que o Brasil patina há quase duas décadas, com seus 60 mil homicídios por ano, e não consegue o básico.

DW Brasil: Sua previsão é que a intervenção dure até o fim do ano, como previsto?

Sílvia Ramos: A intervenção não estava na agenda de ninguém, nem do governador, nem das Forças Armadas, e o assassinato da Marielle, muito menos. Outro dia vi que o [presidente Michel] Temer declarou que talvez suspenda a intervenção em setembro. O que é que vai acontecer no Brasil? Sei lá. Como cientista social, não arrisco hoje mais previsões sobre o que ocorrerá politicamente. Espero que essa escalada de violência, de violência policial do Rio de Janeiro seja estancada e que os interventores sejam capazes de controlar a própria polícia. Espero isso ardentemente. É o mínimo que se pode esperar.

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