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"Intervenção no Rio deverá ter efeito colateral na eleição"

16 de fevereiro de 2018

Especialista diz que presença de militares não é saída duradoura para crise no estado, mas vai transmitir sensação de segurança temporária, o que pode acabar tendo impacto eleitoral.

Brasilien - Militär soll Kontrolle in Rio übernehmen
Foto: picture-alliance/dpa/Zuma Wire/F. Teixeira

O presidente Michel Temer decidiu nesta sexta-feira (16/02) decretar intervenção federal na segurança pública no estado do Rio de Janeiro, em meio à escalada de violência na região. A decisão prevê que as Forças Armadas assumam a responsabilidade sobre as polícias Civil, Militar e Corpo de Bombeiros do Estado. O interventor será o general Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste. 

Em entrevista à DW Brasil, o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (NEV-UnB), Arthur Trindade, disse que a intervenção deve transmitir sensação de segurança temporária, mas que a presença dos militares não é uma solução duradoura para crise de segurança no Rio.

Trindade, que é ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, também chamou atenção para o impacto eleitoral da intervenção: "Durante algum tempo, as coisas vão ficar bem. Resta saber quem vai faturar com isso".

DW Brasil: Como alguém que estuda e acompanha a área da Segurança Pública, o senhor foi pego de surpresa pela decisão?

Arthur Trindade: Acho que foi uma surpresa, inclusive, para o general interventor. Não me parece algo que estava sendo planejado nos bastidores. Essa intervenção é inédita, por um lado. Já aconteceram outras intervenções na área de Segurança Pública no Brasil durante a Nova República, mas elas foram chamadas de "intervenção branca", porque não se deram a partir de decreto presidencial. O governo federal nomeava uma autoridade militar como secretário de Segurança Pública para assumir a área. Em Alagoas, foi feito duas vezes.

O que é diferente desta vez?

Pela primeira vez, o presidente decreta a intervenção. É muito diferente de apenas nomear um secretário. Todas as polícias ficam subordinadas a esse interventor, que, por decreto, não está subordinado ao governador. Portanto, ele está fora do jogo da política estadual. Isso é muito inusitado. Se isso confere um grande poder ao interventor, e é isso que se deseja, às vezes, por que não foi feito antes? Os outros presidentes, como Fernando Henrique e Lula, nunca quiseram, pois isso trava qualquer possibilidade de reforma. No caso do Temer, é politicamente interessante, pela impossibilidade de aprovar a reforma. Embora ele diga que pode suspender a intervenção para votá-la, se isso for levado ao STF, alguns ministros irão se posicionar radicalmente contra a suspensão.

Do ponto de vista técnico, qual deve ser o quadro da Segurança Pública em um estado para que o Presidente da República decida pela intervenção?

São várias possibilidades. Certamente, desta vez, não foram critérios relacionados a crimes e homicídios, porque o Rio de Janeiro não tem a pior situação dos homicídios no Brasil. Ceará e Rio Grande do Norte estão em situação muito pior. O Rio tem essa questão midiática. O próprio general interventor (Braga Netto), ao assumir, disse: "Muita mídia". Ele tem razão. Vem o Carnaval, e a situação do Rio está um caos. Sim, mas não morreu gente em Fortaleza? O que dá notícia é dizer que morreu gente no Carnaval do Rio, e não no Carnaval de Juazeiro.

Quais devem ser os efeitos imediatos da entrada das Forças Armadas no Rio de Janeiro?

Eu presumo que, entre outras medidas midiáticas de combate ao tráfico, o general deverá repetir a operação das Olimpíadas. Foi ele o comandante na ocasião. É um planejamento que leva um ano para ser feito, e já está pronto. Basta colocar em cima da mesa e executar. Mas é preciso lembrar que aquela operação aconteceu por dois meses. Essa intervenção vai durar dez meses. Logo, certamente, não pode acontecer na mesma intensidade. Isso o general vai ter que administrar. A segurança nas Olimpíadas foi muito bem feita, então ele deve repetir a estratégia, que foi pensada para dois meses. Tem chance de funcionar por mais tempo? Nenhuma.

O que deveria ser feito, então?

O Rio precisa de medidas estruturais, e não um plano de curto prazo. Para isso, dez meses são insuficientes, e o general não parece ter algum tipo de reflexão sobre isso — e nem é esta sua função. É preciso dizer que a intervenção deverá ter um efeito colateral nas eleições. A Operação Olimpíadas acontece por um pequeno período, em áreas muito específicas e a um custo altíssimo. Não é sustentável. Entretanto, por mais que seja criticada, gera uma sensação de segurança enorme. Isso vai ter um impacto enorme nas eleições. Mesmo que o planejamento não seja executado integralmente, o cidadão irá ver melhoras. Haverá mais gente na rua e, provavelmente, menos enfrentamentos entre facções criminosas, que devem pôr as barbas de molho por alguns meses. Durante algum tempo, as coisas vão ficar bem. Resta saber quem vai faturar com isso. O Rodrigo Maia? Não sei.

Um levantamento mostrou que 75% da população do Conjunto de Favelas da Maré reprovava a ocupação militar na região, em março do ano passado. O temor por novas violações em favelas é justificado?

É um risco real. Não sei se o general irá voltar a ocupar favelas do Rio. O custo da Operação Maré foi muito alto, e não sei se eles têm recursos para fazer outra operação desse tipo, em tempo integral. Se fizerem essas operações, é claro que as violações irão voltar no mesmo nível. Em uma visão otimista, é possível pensar que eles irão aprender com o passado. Mas não tem a ver com isso, e sim com adequação da operação. É uma operação de basekeeping, que não é de Segurança Pública. A ideia é fazer com que o pessoal pare de atirar durante um tempo, e não buscar a resolução de conflitos.

Setores ligados às esquerdas temem que a presença das Forças Armadas se estenda e tenha poderes ampliados, sob o risco de impedir a realização de eleições neste ano. O senhor trabalha com essa possibilidade?

De forma alguma. Na minha opinião, 0,0% de chance. Há uma visão estereotipada dos militares, principalmente entre os setores mais à esquerda, que não digeriu bem o papel das Forças Armadas na Nova República. Muita gente acha que o pensamento dos generais é o que o Bolsonaro declarou, de subir na Rocinha, dar seis horas para o pessoal se entregar, senão metralha todo mundo. Ele não é um general. Existe um Estado de direito que ainda está valendo.

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