Renata Malkes, do Rio de Janeiro8 de março de 2016
Na 14ª visita ao país, peritos da central alemã para investigação de crimes do nacional-socialismo encontram 400 nomes de suspeitos no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Dados serão checados na Alemanha.
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O diretor Quentin Tarantino levou às telas de cinema justiceiros que marcavam à faca a testa de nazistas com uma suástica em Bastardos Inglórios. Mas, se Hollywood abusou da fantasia para contar a história da caçada aos criminosos durante e após a Segunda Guerra Mundial, na realidade, o trabalho é bem menos glamoroso. E muito mais sério.
Até hoje, policiais alemães passam horas intermináveis mergulhados em arquivos empoeirados mundo afora, na tentativa de descobrir ex-funcionários e colaboradores do Terceiro Reich ainda vivos – e levá-los à Justiça. Somente nesta semana, cerca de 400 nomes, supostos criminosos nazistas, foram garimpados no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, e serão submetidos à checagem na Alemanha.
Os caça-nazistas existem. O trabalho no Rio é parte de uma missão do Escritório Central de Investigação de Crimes do Nazismo da Alemanha para resolver crimes de assassinato contra a população civil cometidos entre 1939 e 1945.
O drama das crianças de Auschwitz
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Até agora, não foi possível identificar nos arquivos nenhum criminoso nazista ainda vivo no Brasil, apenas nomes suspeitos. Durante 11 dias, dois investigadores alemães do Escritório Central, ligados ao Ministério da Justiça, vasculharam, pela 14ª vez, os arquivos de imigrantes alemães no país. As buscas não são específicas.
Eles procuram entre milhares de prontuários, vistos e documentos de viagem, registros de cidadãos alemães nascidos entre 1916 e 1931 e imigrantes alemães chegados ao Brasil entre 1945 e 1955. O objetivo é identificar suspeitos de homicídio para, então, submeter esses nomes à Procuradoria na Alemanha. Caso figurem na lista de "procurados", e os dados sejam confirmados, é, finalmente, aberto um processo legal.
"Encontramos e confirmamos o nome de um homem que viveu muito bem no Paraná, no setor agrícola, até morrer, em 1996. Ele fez parte de um grupo de extermínio que matava milhares de pessoas por dia na Europa Oriental. Não era um cidadão nascido na Alemanha, mas tinha passaporte alemão. Depois da guerra, muitos apátridas de outros países europeus viveram algum tempo na Alemanha e obtiveram o documento. Infelizmente, o processo não pode ser aberto porque ele morreu antes", conta à DW Brasil Uwe Steinz, encarregado da investigação brasileira.
Tamanho do Brasil é desafio
A identidade do "paranaense" não pode ser revelada para preservar seus descendentes. As buscas são como quebra-cabeças, repletos de obstáculos temporais. Pela lei, as investigações somente serão encerradas quando o último dos possíveis criminosos tiver completado 100 anos de vida. Por isso, é necessária uma corrida contra o tempo – muitos já morreram e outros estão em idade bastante avançada. Desta vez, cerca de 400 nomes suspeitos serão encaminhados à Procuradoria.
"A cooperação do Arquivo Nacional e do Consulado da Alemanha é fantástica. A dificuldade aqui é porque o Brasil é um país muito grande, há muito material. Fazemos buscas por cada estado. Quando encerramos os prontuários de São Paulo, por exemplo, levamos um susto. Achamos que se tratava do estado, mas era apenas a cidade de São Paulo. A maioria dos imigrantes não era composta por criminosos, mas os que eram serão identificados, vivos ou mortos. Esta é nossa tarefa", afirma Steinz.
Os fugitivos nazistas costumavam viajar, muitas vezes, usando documentos da Cruz Vermelha Internacional. E, embora sejam poucos os grandes nomes conhecidos, como o "Anjo da Morte" Josef Mengele, morto no litoral paulista em 1979, e Adolf Eichmann, capturado na Argentina em 1960 e julgado em Israel, muitos outros encontraram abrigo na América do Sul. As investigações no continente começaram em 2009 e já passaram por Uruguai e Chile.
"No Uruguai, foi mais difícil. Tivemos à disposição listas de passageiros, de imigrantes que desembarcaram no país, mas sem dados como local e data de nascimento, o que dificultou o cruzamento de dados. No Chile, como no Brasil, os arquivos são mais completos. Encontramos, em 2008, uma pessoa que matou pelo menos 2 mil judeus. Ele chegou ao país através da Argentina, fez negócios na agricultura, prosperou e morreu muito bem, em 2006. Chegamos com dois anos de atraso", lamenta Steinz, há uma década envolvido nas investigações.
Lidando com a frustração
Além do Arquivo Nacional, foram visitados, ainda, os arquivos do Itamaraty. E o estado do Paraná se destacou como um dos campeões em número de indícios. Steinz chama a atenção para um fato curioso: não só no Brasil, como nos países do Cone Sul, muitos alemães, mesmo os de ficha suja, acabaram contribuindo significativamente para a economia da região.
"Muitos não cometeram crimes antes ou depois da Segunda Guerra. Chegaram, se estabeleceram, transformaram-se em fazendeiros, homens de negócios e ajudaram o desenvolvimento. Viveram longamente ao apagar o passado da memória, pois não eram capazes de conviver com o peso dos crimes que cometeram", observou.
O Escritório Central funciona desde 1958 na cidade de Ludwigsburg, no estado de Baden-Württemberg, e já teve cerca de 150 funcionários ativos. Hoje, conta com menos de 20 – já que as chances de encontrar ex-criminosos do regime de Adolf Hitler vivos ficam mais remotas com o tempo. Passar tantos anos em busca de personalidades obscuras que, quando descobertas, já estão mortas, poderia ser o trabalho mais frustrante do mundo. Mas não para Steinz. Segundo ele, o importante é ter o dever cumprido.
"Claro que, como investigador, gostaria de ver essas pessoas no banco dos réus, mas não me sinto frustrado. Nosso trabalho é localizá-las e identificá-las. Mesmo que estejam mortas, é importante saber quem eram, onde estavam e dar alguma satisfação às vítimas e suas famílias. O mais importante é deixar claro que sempre haverá Justiça. E que nada disso acontecerá de novo, porque onde houver crime, haverá punição", resume o investigador.
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
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1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.