Publicado 11 de abril de 2024Última atualização 15 de abril de 2024
Regime iraniano lançou drones contra Israel após culpar governo israelense por ataque ao seu consulado na Síria. Os dois países são inimigos há décadas, mas já foram aliados próximos no Oriente Médio.
Anúncio
Desde o início da guerra na Faixa de Gaza, Israel intensificou também seus ataques contra aliados de Teerã no Líbano e na Síria. Nesse contexto, 13 pessoas foram mortas num ataque aéreo ao consulado iraniano em Damasco, capital da Síria, no início de abril, incluindo sete membros do alto escalão da Guarda Revolucionária Iraniana. O Irã, a Síria e a Rússia culparam Israel, que não assumiu a responsabilidade.
"O ataque ao prédio de um consulado iraniano foi sem precedentes. Depois de uma longa guerra nas sombras contra o Irã, Israel parece ter mudado sua estratégia", disse o especialista em Oriente Médio Arash Azizi à DW. Professor de história e ciência política na Universidade de Clemson, no estado americano da Carolina do Sul, ele é autor do livro The Shadow Commander, sobre o general da Guarda Revolucionária Qassim Soleimani, morto por um ataque de drone dos EUA no início de 2020, e as ambições regionais do Irã.
Os comandantes da Guarda Revolucionária do Irã desempenham um papel-chave no treinamento e financiamento do Hisbolá no Líbano, que é responsável por vários ataques contra Israel.
Em resposta ao ataque ao consulado em Damasco, o Irã lançou na noite de sábado um ataque a Israel com mais de 300 drones, mísseis de cruzeiro e balísticos, a grande maioria interceptados, segundo os militares israelenses.
O Irã é forçado a reagir aos assassinatos seletivos de oficiais de alto escalão da Guarda Revolucionária, diz Azizi. "Se o Irã não reagir agora, isso significaria que não tem meios de dissuasão contra Israel."
Ao mesmo tempo, Azizi lembra que o Irã não quer um grande confronto militar contra Israel, pois isso poderia forçar os EUA a intervir no conflito, com consequências imprevisíveis para o regime em Teerã.
Ex-aliados que se tornaram inimigos
O Irã e Israel são inimigos há décadas. Teerã nega o direito de existência de Israel e ameaça o "regime sionista" com a aniquilação. Israel, por sua vez, considera o Irã seu arqui-inimigo. Mas esse nem sempre foi o caso.
Até a Revolução Islâmica no Irã em 1979, os dois países eram aliados próximos. O Irã foi um dos primeiros países a reconhecer Israel e a sua independência, em 1948, e via Israel como um contrapeso político bem-vindo aos países árabes vizinhos.
Por sua vez, Israel considerava o Irã um aliado contra os países árabes nos conflitos do Oriente Médio.
Israel treinou especialistas agrícolas iranianos, forneceu conhecimento técnico e ajudou a construir e treinar as Forças Armadas persas. O Irã pagou por isso com petróleo, que era urgentemente necessário para Israel durante a sua ascensão econômica.
O Irã chegou a ser o lar da segunda maior comunidade judaica fora de Israel. Após a revolução, muitos judeus deixaram o país, mas mais de 20 mil ainda vivem lá.
Anúncio
Ponto de virada da Revolução Islâmica
Após a vitória da Revolução Islâmica no Irã e a tomada do poder pela ala religiosa dos revolucionários sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini, Teerã revogou todos os tratados com Israel, e Khomeini passou a criticar duramente Israel pela ocupação dos territórios palestinos.
Teerã desenvolveu gradualmente uma retórica severa contra Israel com o objetivo de ganhar a simpatia dos estados árabes, ou ao menos da população desses países. O regime iraniano buscava aumentar a sua própria influência dessa forma.
Quando Israel interveio na guerra civil libanesa, em 1982, e invadiu o sul do país, Khomeini também enviou guardas revolucionários iranianos a Beirute para apoiar as milícias xiitas de lá. Até hoje, o Hisbolá, surgido naquela época, é considerado um braço de Teerã no Líbano.
O atual líder religioso do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, que tem a palavra final em todos os assuntos, mantém essa política. Khamenei e toda a liderança da República Islâmica do Irã questionam repetidamente o fato histórico do extermínio em massa sistemático dos judeus europeus no Holocausto e tentam relativizá-lo ou mesmo negá-lo.
Política para Israel é controversa entre iranianos
A hostilidade e o ódio da liderança de Teerã para com Israel não encontram total apoiado entre a sociedade iraniana. "O Irã precisa reexaminar sua relação com Israel, porque ela não está mais atualizada", disse a ex-parlamentar Faezeh Hashemi Rafsanjani numa entrevista em 2021. Ela é filha do ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani e enfatizou que os uigures muçulmanos na China e os tchetchenos na Rússia também estavam sendo oprimidos. "No entanto, o Irã tem relações estreitas com a Rússia e a China."
O reconhecido cientista político Sadegh Zibakalam, que é crítico do governo, também contesta a política do Irã em relação a Israel. "Essa postura isolou o país no cenário internacional", enfatizou o professor da Universidade de Teerã em entrevista à DW em 2022.
No entanto, a hostilidade em relação a Israel e a política de resistência às grandes potências encontraram apoiadores entre os seguidores leais da República Islâmica.
Há "alguma frustração" dentro da base de apoio do regime, e também regionalmente no chamado Eixo de Resistência, sobre a contenção iraniana em relação a Israel no contexto da guerra em Gaza, diz o especialista Ali Fathollah-Nejad, diretor do instituto de pesquisa berlinense Center for Middle East and Global Order (CMEG). Ele identifica um "alto nível de frustração com a falta de credibilidade do Irã como o principal apoiador da causa palestina e com a relutância do Irã em confrontar Israel diretamente".
Mas Fathollah-Nejad avalia que o Irã usará suas milícias pró-iranianas na Síria e no Iraque e os houthis no Iêmen para retaliar.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.