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SaúdeIrlanda

Irlanda luta para superar explosão de infecções após o Natal

Gavan Reilly
21 de janeiro de 2021

O país europeu, que chegou a ser modelo por manter a pandemia sob controle impondo restrições, acabou virando exemplo de como relaxamentos temporários do lockdown podem ter consequências devastadoras.

Grafton Street, uma das principais ruas comerciais de Dublin, praticamente deserta no terceiro lockdown da Irlanda para combater o coronavírus.
Grafton Street, uma das principais ruas comerciais de Dublin, praticamente deserta no terceiro lockdown da IrlandaFoto: Gaven Reilly

"Não valeu a pena", avalia um pedestre solitário numa manhã chuvosa em Dublin. "Qual foi o sentido do Natal se isso significa que agora estamos todos confinados novamente por meses?"

Esse pedestre foi a única pessoa que a DW encontrou durante um passeio de dez minutos por um dos principais bairros comerciais da capital da Irlanda. Ele não quis se identificar, já que caminhava além do limite de cinco quilômetros permitido para exercícios diários durante o terceiro lockdown do país.

Isso por si só ilustra perfeitamente o problema da covid-19 na Irlanda: quando ganham liberdades, os irlandeses as forçam até o limite, com consequências nacionais devastadoras.

A maioria dos prédios comerciais no centro da cidade, como este na Molesworth Street, está deserta Foto: Gaven Reilly

A Irlanda foi o primeiro país europeu a entrar em um segundo lockdown nacional total, com o objetivo de impedir que a segunda onda de coronavírus em outubro sobrecarregasse seu sistema de saúde. Até aí, a estratégia funcionou: no final de novembro, a taxa de incidência no país era a segunda mais baixa da Europa, e a população foi informada de que poderia desfrutar de um Natal merecido.

Em 4 de dezembro, restaurantes e pubs que oferecem comida puderam reabrir suas portas. Já as proibições nacionais de visitas entre famílias e viagens de longa distância foram relaxadas em 18 de dezembro.

"Em retrospecto, sabendo o que sabemos agora, teríamos feito o que fizemos há um mês?", questiona o premiê irlandês, Micheál Martin, em entrevista à TV na semana passada. "Obviamente que não."

Em apenas cinco semanas, a Irlanda passou da segunda menor incidência de coronavírus na Europa para a mais alta do mundo. No pico, uma em cada 65 pessoas em todo o país tinha covid-19, embora o número real possa ter sido ainda maior, pois a demanda extraordinária por testes fez com que apenas aqueles que apresentavam sintomas fossem testados. À medida que os casos se acumulam, também aumentam as fatalidades: mais irlandeses morrem hoje de covid-19 do que em qualquer momento anterior.

O primeiro-ministro irlandês, Micheál Martin, lamenta a decisão de relaxar as restriçõesFoto: Julian Behal/Government of Ireland

Críticas à estratégia do governo 

O terceiro lockdown veio acompanhado de indignação com a decisão do governo de relaxar o segundo. Assessores científicos chegaram a alertar o governo para que visitas entre famílias e a reabertura do setor hoteleiro não fossem permitidas ao mesmo tempo. No entanto, ambas foram liberadas na semana antes do Natal.

As autoridades pediram que as pessoas se limitassem a socializações modestas, mas estabeleceram políticas que permitiram um ressurgimento catastrófico do coronavírus. Agora o lockdown está de volta: até as escolas estão fechadas, e as ruas de Dublin estão desertas mais uma vez.

Poupado em novembro, o sistema de saúde irlandês começou a sucumbir em janeiro. O coronavírus tem tirado cada vez mais funcionários dos hospitais, ao mesmo tempo que reivindica dois terços dos leitos de terapia intensiva da Irlanda e quase um quinto de toda a sua capacidade hospitalar. Todos os tratamentos não urgentes estão suspensos para que as salas de cirurgia fiquem livres para eventuais casos de necessidade de cuidados intensivos.

Disponível apenas para "trabalhadores essenciais" durante o terceiro lockdown, transporte público opera quase vazioFoto: Gaven Reilly

Anthony O'Connor, consultor em gastroenterologia do Hospital Tallaght, de Dublin, aponta para os efeitos colaterais na área da saúde. "Há pacientes que não conseguem tratamento em hospitais, que não conseguem um leito; pacientes que não conseguem uma consulta quando precisam", disse ele à DW. "Esses pacientes têm acesso restrito aos cuidados de saúde já há um ano, e as consequências disso estão começando a aparecer. Muitos desses pacientes têm entrado em contato conosco, pedindo ajuda. Muitas vezes não há o que possamos fazer."

Uma ilha interconectada

Outra falha seria a abordagem relaxada da Irlanda em relação a viagens para o exterior. Desde junho do ano passado, consultores do meio científico recomendam uma quarentena obrigatória para chegadas internacionais, mas o governo preferiu um modelo em que recém-chegados apenas fornecem um endereço de contato e então "restringem seus deslocamentos".

Isso permitiu que irlandeses que moram em Londres retornassem para a Irlanda no Natal e levassem a nova variante britânica do coronavírus, mais infecciosa, que já responde por metade de todos os casos irlandeses. A presença dessa cepa do vírus em solo irlandês significa que o país está em uma posição ainda mais delicada: se as restrições forem ignoradas ou relaxadas, o vírus se espalhará de maneira ainda mais veloz.

St Stephen's Green, normalmente um dos shoppings mais movimentados de Dublin, encontra-se vazioFoto: Gaven Reilly

A postura oficial do governo é que a covid-19 não pode ser simplesmente abraçada nem erradicada e, portanto, a Irlanda deve simplesmente aprender a conviver com o vírus. Mas até todos os adultos serem vacinados já será setembro, e há um apoio crescente à ideia de se valer do status de ilha da Irlanda para impor uma repressão agressiva de "covid zero" para exterminar o vírus.

Isso exigiria uma coordenação com a Irlanda do Norte, onde políticos unionistas bloquearam quaisquer restrições a viagens para a Grã-Bretanha. Mas cientistas independentes acreditam que o ciclo da pandemia só pode ser quebrado se os tabus políticos forem enfrentados.

"Este é um problema difícil, mas não há desculpa para não tentarmos", disse Aoife McLysaght, professora de genética do Trinity College Dublin. "Se os políticos estivessem tentando e não funcionasse, eles poderiam ver o que não estava funcionando. Mas sequer tentar? Isso me tira a paciência."

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