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Isolada, Rússia busca recuperar influência na África

Abu-Bakarr Jalloh | Mikhail Bushuev | Benita van Eyssen
27 de julho de 2022

Chanceler russo Serguei Lavrov cumpre giro na África. Continente voltou a se tornar destino de exportações de armas russas, e observadores apontam influência de Moscou em golpes em diversos países da região.

Putin ao lado de líderes afircanos em 2019, durante a primeira Cúpula Rússia-África
Putin ao lado de líderes afircanos em 2019, durante a primeira Cúpula Rússia-ÁfricaFoto: picture-alliance/dpa/Pool/Tass/V. Sharifulin

O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, cumpre viagem à África. Seu itinerário inclui o Egito, República Democrática do Congo, Uganda e Etiópia.

No domingo (24/07), durante a etapa no Egito, Lavrov disse a seu homólogo Sameh Shoukry que a Rússia agiria para que a nação árabe receba importações de cereais.

Muitas nações africanas dependem fortemente da importação de trigo e outros grãos da Rússia e da Ucrânia, mas o envio dos suprimentos tem sido interrompido pela agressão miliar russa em solo ucraniano, agravando o risco de fome nas nações.

Em junho, o presidente da União Africana, Macky Sall, disse ao presidente russo, Vladimir Putin, que, apesar de a África estar longe do teatro de guerra, o povo africano é "vítima desta crise".

Sergei Lavrov ao lado presidente de Uganda, Yoweri Museveni, em 26/07/2022Foto: AFP

Influência militar na África

No entanto, é no campo da segurança que a Rússia parece estar tentando realmente deixar sua marca no continente africano.

A visita de Lavrov está sendo vista como uma forma de tentar reunir apoio das nações africanas – muitas das quais têm fortes laços históricos com a Rússia, datando da Guerra Fria –, em meio à imposição de pesadas sanções contra Moscou pelo Ocidente.

Nos últimos meses, a Rússia tem assinado vários acordos políticos e militares no continente.

No início de janeiro, centenas de conselheiros militares russos foram destacados para o Mali. Mercenários russos do paramilitar Grupo Wagner foram ainda convidados a "ajudar Mali a treinar forças de segurança", de acordo com o Exército maliano. Fundado em 2014, o Grupo Wagner tem vários membros que exibem símbolos neonazistas e que tem laços com organizações de extrema direita.

A entrada dos russos no Mali provocou espanto. A missão era anteriormente o trabalho da Missão Europeia de Treinamento para o Mali (EUTM). Depois que o coronel Assimi Goita derrubou o então presidente Ibrahim Boubacar Keita num golpe em 2020 – e mais tarde tomou o poder após um segundo golpe em maio de 2021 –, ele passou a enfrentar sanções regionais e internacionais ao atrasar o cronograma para as novas eleições presidenciais.

Coronel Malick Diaw, apontado como um dos arquitetos do golpe no Mali, estudou em MoscouFoto: AFP/A. Riesemberg

O novo regime do Mali respondeu banindo aviões militares alemães do espaço aéreo nacional, expulsando o embaixador da França e exigindo a retirada imediata das forças dinamarquesas. O último ato foi convidar o grupo paramilitar financiado pelo Kremlin.

O vizinho do sul de Mali, Burkina Faso, foi palco de um golpe em janeiro. Como seus homólogos malineses, os militares burquinenses desafiaram os apelos internacionais para entregar o poder a autoridades civis e também se voltaram para Moscou.

Golpes de Estado com know-how russo

Sudão, Chade, Guiné e Guiné Bissau também foram palco de golpes de Estado em 2021. Todos esses países têm algo mais em comum: a maioria dos militares por trás das ações havia recebido treinamento militar patrocinado pela Rússia.

"As qualidades que os direcionam para o treinamento no estrangeiro são as mesmas que os tornam líderes golpistas eficazes", explica Judd Devermont, diretor do Programa África no Center for Strategic and International Studies, baseado nos EUA..

Dois militares, apontados como principais arquitetos do golpe no Mali em 2020, Malick Diaw e Sadio Camara, passaram cerca de um ano na Escola Superior de Comando Militar de Moscou.

Moscou reaviva antigos laços soviéticos

De acordo com Irina Filatova, da Escola Superior de Economia de Moscou, a Rússia tenta estabelecer uma imagem de "defensora da África" – um objetivo que o Ocidente aparentemente não conseguiu alcançar na região.

Esta está longe de ser a primeira vez que a Rússia se envolve em assuntos africanos: nos anos 1950, o Kremlin apoiou os movimentos anticoloniais em todo o continente e o inundou com armas e munições.

A volta da influência de Moscou tem sido bem recebida por alguns. "Sem a posição firme da União Soviética durante a Guerra Fria e o auge da luta anticolonial, muitos de nossos países nunca teriam visto a luz da independência", disse à DW Obadiah Mailafia, ex-vice-presidente do Banco Central da Nigéria.

Essa influência havia diminuído drasticamente após a dissolução da União Soviética, em 1991. Mas durante as duas últimas décadas, Vladimir Putin vinha tentando reavivar as antigas conexões.

A Rússia tem permanecido oficialmente em silêncio sobre sua abordagem na África. Mas, como observa Filatova, Moscou está delegando a grupos militares privados, como o Wagner, a tarefa de "abrir portas" no continente.

"Oficialmente, [os grupos militares] não estão de modo algum incorporados na estratégia. Mas o que vemos é que eles sempre vêm primeiro quando há alguma instabilidade, e depois ajudam a assegurar a posição dos novos detentores do poder que construíram relações com a Rússia."

O Grupo Wagner também está ativo na República Centro-Africana, onde tem sido acusado de graves violações dos direitos humanos. Os combatentes paramilitares chamaram ainda mais a atenção após terem estrelado um filme produzido localmente, no qual era retratados como "defensores da nação" contra os rebeldes locais.

Milhares se reuniram no estádio da capital Bangui para acompanhar a estreia em maio de 2021. Antes desse episódio, os combatentes do Grupo Wagner tinham mantido um perfil relativamente discreto nos teatros de guerra do continente africano.

De volta aos negócios

A Rússia é atualmente o maior exportador de armas para o continente africano. De acordo com o relatório anual 2020 do Stockholm International Peace Research Institute, as exportações de armas para a África representaram 18% de todo o armamento russo enviado para o exterior entre 2016 e 2020.

A Rússia é a maior vendedora de armas para o continente. O comércio russo com a África saltou de US$ 6,6 bilhões em 2010 para US$ 18,9 bilhões em 2018, sendo seus maiores clientes a Argélia, Egito, Angola, Nigéria e Sudão.

Além dos serviços militares, Moscou também encontrou um nicho de mercado vendendo tecnologia nuclear para nações em desenvolvimento. Zâmbia, Ruanda, Etiópia, Egito e Nigéria estão entre as que entraram no mercado de usinas nucleares projetadas na Rússia.

Embora os detalhes da política do Kremlin para a África permaneçam obscuros, uma coisa é clara: a Rússia está de volta à África.