Ninguém esconde que o objetivo era tirar o premiê após 12 anos no poder. Mas Israel será agora governado por uma frágil coalizão, que reúne da esquerda até a ultradireita e terá que se equilibrar para não desmoronar.
A nova coalizão é formada por antigos aliados de Netanyahu, muitos da linha dura da direita israelense, mas também conta com partidos centristas, de esquerda e, pela primeira vez, uma pequena legenda que representa a minoria árabe de Israel.
O acordo é tão frágil que bastaria um desacordo entre duas das várias facções no Parlamento para comprometer a estabilidade do governo.
"Eles têm muitas diferenças em termos de relações exteriores e segurança, economia, religião e Estado", diz Gideon Rahat, membro sênior do Instituto Israel Democracy. "A única coisa que pode uni-los são os 90% de coisas que os governos fazem de qualquer maneira, sem diferenças ideológicas. A política cotidiana."
Uma frágil coalizão
Na sexta-feira, os acordos foram assinados pelos oito partidos, incluindo o centrista Yesh Atid (Há um Futuro), cujo líder, Yair Lapid, foi encarregado pelo presidente de Israel de construir o novo governo.
"O público israelense merece um governo funcional e responsável que coloque o bem do país no topo de sua agenda. É isso que este governo de unidade foi formado para fazer", disse Lapid em declaração conjunta com Bennett na sexta-feira.
Para garantir o apoio vital da coalizão de direita Yamina, Lapid elaborou um plano para compartilhar a chefia de governo com Bennett, cujo partido apoia a expansão dos assentamentos e se opõe ao estabelecimento de um Estado palestino.
Nos dois primeiros anos deste governo, Lapid será ministro do Exterior e primeiro-ministro suplente. Bennett entregará o cargo a Lapid em agosto de 2023 por mais dois anos – isso se o governo durar mesmo todo o seu mandato.
"Bennett e Lapid terão que trabalhar duro para manter seu governo longe dos erros", diz Nahum Barnea, jornalista do diário Yedioth Ahronoth. "O governo tem apenas 61 assentos no Parlamento. No domingo, por exemplo, não conseguiu persuadir o 61º parlamentar a votar a favor dele. Este governo terá dificuldades para tomar decisões."
"Esta manhã é o amanhecer de um novo dia. É uma manhã de trabalho árduo, às vezes de Sísifo, para reconstruir as ruínas", escreveu o jornalista Ben Caspit no jornal Maariv.
"Netanyahu e o bibismo não foram derrotados pela esquerda ou pela direita, mas pela sanidade, ou pelo menos pelo anseio de sanidade. O desejo de muitos israelenses de viver em silêncio, sem ódio e, principalmente, sem as infinitas mentiras que o legado de Netanyahu nos deixou", completou.
O que diz o acordo de coalizão?
O esboço geral mostra que o governo se concentrará nas questões sociais e econômicas, além de aprovar o orçamento do Estado e construir novas infraestruturas, como novos hospitais e um aeroporto. O acordo também visa formular legislação para limitar o primeiro-ministro a dois mandatos, ou seja, oito anos. Isso impediria potenciais planos de Netanyahu de concorrer novamente ao cargo.
Sobre as questões internas mais controversas como Estado e religião, o acordo de coalizão manterá o status quo. Entretanto, algumas reformas são esperadas quando se trata da diversificação da certificação alimentar kosher, por exemplo. Várias propostas já atraíram críticas de líderes de partidos ultraortodoxos, que, como aliados de longa data de Netanyahu, estão agora na oposição pela primeira vez em anos.
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Cessar-fogo é teste para a coalizão
O novo primeiro-ministro não poupou palavras ao abordar o conflito com o Hamas ou o Irã, embora não tenham sido estes o foco do acordo de coalizão. Um conhecido linha-dura, Bennett disse ao Parlamento que Israel deveria "assegurar seus interesses nacionais na área C" – que representa 60% da Cisjordânia ocupada. Ele também advertiu o Hamas a manter o cessar-fogo.
A recente guerra de 11 dias entre Israel e o Hamas em Gaza terminou com um cessar-fogo indefinido, onde ambos os lados concordaram em parar com os disparos. Este poderia se tornar o primeiro teste para o novo governo, caso o grupo palestino volte a lançar foguetes.
Sobre o acordo nuclear iraniano, que está sendo renegociado atualmente em Viena, Bennett disse que Israel não permitirá que o Irã tenha armas nucleares. "Israel não é parte do acordo e manterá total liberdade de ação", disse ele no domingo.
Fim da turbulência?
Há uma sensação de alívio na mídia e entre o público de que o novo governo finalmente encerrará dois anos e meio de turbulência política.
"Honestamente, nunca pensei que ficaria tão feliz em ter Naftali Bennett como o próximo primeiro-ministro de Israel", disse Adi Redman, que se descreve como apoiador dos partidos de esquerda, em Jerusalém. "Eu realmente sinto que isso representa as muitas facetas que estão em Israel neste momento."
Outra passante, Gal Nir, diz que não pertence à base eleitoral de Bennett, mas que era hora de Netanyahu ir. "Não vou me vangloriar disso, mas acho que ele já fez o suficiente. Não estou desrespeitando nada do que ele fez, apenas acho que é hora de alguém começar a mover as coisas por aqui", comentou.
Entre os eleitores de direita, o clima é misto em relação ao novo governo. "Acho que temos que dar uma chance a ele. Eu mesmo votei na direita, por isso sou um pouco cético. Mas é uma oportunidade interessante, porque é uma mistura de todos realmente", disse Doron Ben Avraham nas ruas de Jerusalém.
Netanyahu, que está sendo julgado por várias acusações de corrupção, pretende permanecer como líder da oposição do partido Likud, a maior bancada do Knesset. Ainda não está claro se ele perderá a imunidade parlamentar.
"Israel sem Netanyahu não seria tão diferente", diz o cientista político Gideon Rahat. "Mas os ruídos poderiam ser diferentes num sentido de menos populismo: menos ataques aos tribunais, à mídia, a quem não concorda com Netanyahu. Portanto, talvez a política fique um pouco mais calma."
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
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1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
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1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
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1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
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2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
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2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
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2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
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2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.