Israel e Hamas: o que se sabe sobre o acordo de cessar-fogo?
Publicado 17 de janeiro de 2025Última atualização 18 de janeiro de 2025
Após mais de 15 meses de conflito, ambas as partes concordaram com um plano dividido em etapas para uma trégua nos combates na Faixa de Gaza. O que ele prevê — e o que ainda pode levá-lo ao fracasso?
Anúncio
Há 468 dias, milhares de combatentes islâmicos liderados pelo Hamas invadiram Israel a partir da Faixa de Gaza, assassinaram cerca de 1,2 mil pessoas e fizeram mais de 250 reféns.
Nos 15 meses seguintes, as Forças de Defesa de Israel (IDF) bombardearam e ocuparam grande parte do território palestino. O Hamas, por sua vez, lutou contra o Exército israelense e lançou foguetes contra o vizinho. O Hamas é classificado como uma organização terrorista por Israel e seus aliados ocidentais, assim como por alguns países árabes.
De acordo com várias estimativas, o conflito entre Israel e o Hamas já matou dezenas de milhares de palestinos — entre combatentes e civis. Segundo organizações humanitárias, mais pessoas morreram como consequência dos combates: conforme a ONU, quase toda a população da Faixa de Gaza foi expulsa de suas casas. Israel, por sua vez, fala na perda de várias centenas de soldados e forças de segurança.Na quarta-feira (15/01), o Catar anunciou um avanço nas negociações para pôr fim ao conflito armado entre Israel e o Hamas. Foi no emirado que representantes de ambos os lados, sem falar diretamente um com o outro, negociaram o acordo por meses — com a mediação dos EUA, Catar, Egito e Turquia.
Na madrugada de sábado (18/01), após reunião ministerial que se estendeu por seis horas, o governo de Benjamin Netanyahu ratificou o plano.
As armas deverão ser silenciadas inicialmente por seis semanas a partir do próximo domingo (19/01) às 12h15, horário local. Israel deve dar o primeiro passo retirando suas tropas da Faixa de Gaza. Ambos os lados também devem libertar reféns e prisioneiros. Além disso, deverão ser abertos para as organizações humanitárias os corredores de ajuda emergencial para a Faixa de Gaza que se encontram atualmente fechados.
Quantos prisioneiros e reféns devem ser trocados?
Na primeira fase do cessar-fogo, que deve durar 42 dias, o Hamas deve entregar 33 reféns a Israel. O acordo prevê primeiramente a liberação de todas as crianças e mulheres restantes, seguidas pelos homens com mais de 50 anos de idade. Os três primeiros reféns devem ser libertados já no domingo.
No momento, 98 dos mais de 250 reféns sequestrados ainda são mantidos pelo Hamas. Não se sabe ao certo, porém, quantos deles ainda estão vivos. Até o momento, 36 deles foram declarados mortos, enquanto mais de 110 foram soltos ou libertados com vida.
Em troca, Israel deverá libertar prisioneiros palestinos: 30 para cada refém civil; 50 para cada soldado. Entre os prisioneiros palestinos, haveria também combatentes do Hamas — nenhum, porém, que tenha participado dos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023.
De quais áreas Israel deve se retirar?
Ainda não está claro de que áreas Israel deve se retirar. Até onde se sabe, as FDI deverão deixar sobretudo as áreas densamente povoadas da Faixa de Gaza. O Corredor de Netzarim, que divide a Faixa de Gaza ao sul da Cidade de Gaza em uma metade norte e outra sul, também deverá ser liberado gradualmente. Isso permitiria que os deslocados do norte voltassem para suas casas — ou para o que restou delas. Também facilitaria muito o transporte de suprimentos de socorro dentro da área.
Já o chamado Corredor Filadélfia, uma zona-tampão entre o Egito e Gaza considerada um dos obstáculos para a ajuda humanitária, provavelmente só será liberado pelas IDF numa segunda fase. No entanto, aparentemente também há planos para abrir a passagem de fronteira de Rafah. Dessa forma, seria possível trazer significativamente mais alimentos, medicamentos e outros suprimentos de ajuda para o território palestino por esse e por outros pontos.
Anúncio
O que acontecerá após a primeira fase do cessar-fogo?
O que acontecerá após os 42 dias da primeira fase ainda permanece em aberto. Além da continuação do cessar-fogo, uma nova retirada das tropas israelenses da Faixa de Gaza e uma nova troca de reféns e prisioneiros continuam na mesa de negociação. Se as negociações fracassarem, é provável que os combates continuem.
Quem pode reivindicar o acordo entre Israel e Hamas — Joe Biden ou Donald Trump?
Além do anfitrião Catar, representantes do Egito, da Turquia e dos EUA atuaram como mediadores entre o governo israelense e a liderança do Hamas. Diante da iminente mudança de poder nos Estados Unidos, ambos os presidentes têm reivindicado o sucesso das negociações: o que sai, Joe Biden, e o que entra, Donald Trump.
Para o cientista político Johannes Thimm, da Fundação para Ciência e Política (SWP, na sigla em alemão), trata-se de uma "conquista compartilhada". Segundo disse em entrevista para a rádio WDR5, está claro que a equipe de Joe Biden, que ainda é presidente, fez "o trabalho principal” para os EUA durante os meses de negociações no Catar. "No entanto, o cenário ameaçador que Trump construiu também pode ter desempenhado um papel importante", avalia Thimm. Outro fator a ser considerado é provavelmente o fato de Israel ter conseguido alcançar muitos de seus objetivos militares.
Uma semana antes, Donald Trump havia ameaçado o Hamas: "Se esses reféns não estiverem de volta quando eu assumir o cargo, o inferno vai explodir no Oriente Médio. E isso não será bom para o Hamas, e não será bom para ninguém".
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, acusou o Hamas de rejeitar partes do acordo para "extorquir concessões no último minuto”. Um porta-voz do lado palestino negou a acusação.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.