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Israel intercepta flotilha rumo a Gaza com Greta Thunberg

Publicado 1 de outubro de 2025Última atualização 3 de outubro de 2025

Embarcações tentavam levar ajuda humanitária ao enclave palestino. Israel diz que ativistas, entre os quais alguns brasileiros, estão "seguros e saudáveis", e que já começou a deportá-los. Ação gerou protestos na Europa.

Ativistas a bordo de um barco da Flotilha Sumud erguem as mãos para cima enquanto estão sob a mira de militares israelenses
Em registro do dia 2 de outubro, ativistas a bordo de um barco da Flotilha Sumud são interceptados por forças israelensesFoto: Global Sumud Flotilla/REUTERS

A marinha israelense interceptou nesta sexta-feira (03/10) o último barco da flotilha internacional que transportava ativistas de vários países rumo à Faixa de Gaza, na tentativa de entregar ajuda humanitária à população do território palestino.

Em comunicado, a Flotilha Global Sumud afirmou que os militares israelenses haviam "interceptado ilegalmente todos as nossas 42 embarcações – cada uma carregando ajuda humanitária, voluntários e a determinação de furar o cerco ilegal de Israel sobre Gaza".

As autoridades israelenses afirmam ter detido mais de 400 ativistas, políticos, personalidades e jornalistas que estavam a bordo da flotilha, incluindo a ativista climática sueca Greta Thunberg. O grupo havia partido da Espanha no mês passado.

Após uma parada de 10 dias na Tunísia, onde os organizadores relataram dois ataques de drones a embarcações da flotilha, o grupo retomou sua jornada em 15 de setembro. Um de seus principais navios, o Alma, foi "agressivamente cercado por um navio de guerra israelense", informou o grupo, antes que outra embarcação, o Sirius, fosse submetida a "manobras de assédio semelhantes".

As embarcações começaram a ser interceptadas na quarta-feira a cerca de 70 milhas náuticas (129 quilômetros) da costa de Gaza, segundo os organizadores, que compartilharam o posicionamento geográfico da flotilha em tempo real.

"Por volta das 20h30, horário de Gaza [14h30 no horário de Brasília], várias embarcações da Flotilha Global Sumud, incluindo a Alma, a Sirius e a Adara, foram interceptadas ilegalmente e abordadas pelas forças de ocupação israelenses em águas internacionais", informou em nota  a organização da flotilha.

"Além das interceptações confirmadas, transmissões ao vivo e comunicações com várias outras embarcações foram perdidas."

Os ativistas relataram que as forças navais israelenses utilizaram "agressão ativa" contra sua frota. "O navio Flórida foi deliberadamente abalroado no mar. [As embarcações] Yulara, Meteque e outras foram alvos de canhões de água", disse a Flotilha Global Sumud em publicação no Telegram, acrescentando que todos a bordo saíram ilesos.

Tel Aviv: ativistas estão "seguros e saudáveis"

O Ministério do Exterior de Israel confirmou em comunicado na quarta-feira que "vários navios da flotilha de ajuda humanitária a Gaza foram parados e seus passageiros estão sendo transferidos para um porto israelense".

"Greta e seus amigos estão seguros e saudáveis", disse a pasta em postagem no X juntamente com um vídeo que parecia mostrar a ativista sueca ao lado de vários militares israelenses mascarados e armados.

Israel já havia alertado a flotilha para que não se aproximasse da região. "A Marinha israelense entrou em contato com a [...] flotilha e pediu que mudassem de curso", afirmou o Ministério do Exterior de Israel, em nota. "Israel informou à flotilha que eles estavam se aproximando de uma zona de combate ativa e violando um bloqueio naval legal."

A Espanha e a Itália, que enviaram escoltas navais, pediram que os navios interrompessem seu curso antes de entrar na zona de exclusão declarada por Israel, ao largo de Gaza.

A flotilha, no entanto, havia prometido prosseguir com sua tentativa de entregar ajuda ao território palestino, apesar do que chamou de táticas de "intimidação" por parte do Exército israelense.

Na sexta-feira, o ministério israelense do Exterior anunciou a deportação de quatro italianos. "O restante está no processo de deportação. Israel deseja terminar esse procedimento o mais rápido possível."

Um grupo de ativistas e políticos brasileiros, incluindo o ativista Thiago Ávila, integra a tripulação da flotilha.

Ávila é cofundador do movimento ecológico Bem Viver no Brasil. Na viagem anterior de outra flotilha humanitária, também barrada pelos israelenses em julho, a atuação de Ávila foi alvo de críticas de publicações pró-Israel, que destacaram negativamente a participação anterior do ativista no funeral de Hassan Nasrallah, o líder máximo do Hezbollah, e um discurso em um evento no Irã. 

A Flotilha Global Sumud tinha o objetivo de romper o bloqueio naval israelense ao território palestino.Foto: Stefanos Rapanis/REUTERS

Também estavam no grupo a deputada federal Luizianne Lins, a vereadora de Campinas Mariana Conti (Psol), a presidente do Psol no Rio Grande do Sul, Gabrielle Tolotti, o médico Mohamad El Kadri, coordenador do Fórum Latino Palestino, e outros militantes pró-Palestina como Magno de Carvalho Costa, dirigente Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp).

Em nota divulgada na quarta-feira, o governo brasileiro afirmou acompanhar com preocupação o caso e disse que "deplora a ação militar do governo de Israel, que viola direitos e põe em risco a integridade física de manifestantes em ação pacífica".

O Itamaraty também exigiu o "levantamento imediato e incondicional de todas as restrições israelenses à entrada e distribuição de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, em consonância com as obrigações de Israel, como potência ocupante, à luz do direito internacional humanitário".

Protestos na Europa em reação

Manifestantes pró-palestinos protestaram contra a interceptação da flotilha em cidades da Europa, bem como em Buenos Aires, na Argentina, e na Cidade do México. Na Itália, dezenas de milhares saíram às ruas na sexta-feira como parte de uma greve geral convocada por sindicatos em apoio aos ativistas detidos por Israel – 40 deles são cidadãos italianos.

A greve afetou largamente a malha ferroviário em todo o país e o transporte público em grandes cidades como Milão e Roma. Há protestos marcados em diversas cidades italianas, inclusive para o sábado.

Houve protestos na Itália (foto) e também em Espanha, França e AlemanhaFoto: Matteo Minnella/REUTERS

Na quinta-feira, um vídeo que circulava nas redes sociais mostrava o ministro israelense de Segurança Nacional, o ultradireitista Itamar Ben-Gvir, dirigindo-se aos ativistas e chamando-os de "terroristas da flotilha".

O presidente colombiano, Gustavo Petro, expulsou na quarta-feira todos os diplomatas israelenses restantes no país devido à interceptação da flotilha. Petro rompeu relações com Israel no ano passado, mas quatro diplomatas ainda permaneciam no país.  O presidente disse que duas mulheres colombianas foram detidas por Israel em "águas internacionais" e pediu sua "libertação imediata"

O Ministério do Exterior da Turquia condenou a interceptação dos barcos como um "ato de terrorismo" e uma grave violação do direito internacional. Em um comunicado, o órgão afirmou que estava tomando iniciativas para garantir a libertação imediata de cidadãos turcos e outros passageiros detidos pelas forças israelenses. 

"Devemos lembrar que se trata de uma missão humanitária que não estaria acontecendo se o governo israelense tivesse permitido a entrada de ajuda", afirmou o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, nesta quarta-feira, acrescentando que os cidadãos espanhóis que estavam na flotilha receberão  total proteção diplomática.

O grupo islamista Hamas classificou a interceptação como um "crime de pirataria e terrorismo marítimo contra civis", e instou "todos os defensores da liberdade no mundo" a denunciá-la.

A ação israelense "em águas internacionais, bem como a prisão de ativistas e jornalistas" a bordo dos navios "constitui um ato traiçoeiro de agressão", "que se soma ao histórico obscuro de crimes cometidos" por Israel, afirmou o grupo islamista em comunicado. O  Hamas é considerado uma organização terrorista pela União Europeia (UE), Estados Unidos, Alemanha e vários outros países.

Qual é a missão da flotilha?

Estima-se que a Flotilha Global Sumud transportava cerca de 300 toneladas de suprimentos essenciais, como alimentos, água potável e medicamentos.

"Os produtos nessas flotilhas não atendem às necessidades [totais] dos palestinos em Gaza, mas chamam a atenção internacional para o que está acontecendo em Gaza", explicou à DW Nathan Brown, professor de ciência política e relações internacionais da Universidade George Washington.

"Outro efeito, embora talvez um pouco menos significativo, é que isso transmite uma mensagem à população palestina de que ela não está sendo ignorada", observou.

Brown lembrou que havia uma enorme frustração entre os palestinos, que temiam que a ordem internacional baseada em regras do pós-Segunda Guerra Mundial fossem válidas para os outros, mas não para eles.

Ao mesmo tempo, aumentam as críticas europeias à guerra de Israel em Gaza. Autoridades na Espanha, França, Eslovênia e outros países chamaram o bloqueio humanitário israelense de "insuportável".

Israel confirmou que "vários navios da flotilha foram parados e seus passageiros transferidos para um porto israelense"Foto: Global Sumud Flotilla/REUTERS

"O que Israel é percebido como fazendo não é simplesmente guerrear em Gaza, mas, na verdade, induzir deliberadamente a fome, o que seria um claro crime de guerra", disse Brown à DW. "O abismo cada vez maior entre apoiadores e críticos [de Israel] é algo para o qual a flotilha atual busca chamar mais atenção", concluiu.

Israel, porém, rejeita as críticas. "O governo israelense diz que está permitindo a entrada de comida suficiente, que o que é transportado estaria sendo roubado pelo Hamas, que as flotilhas são apenas um golpe publicitário de pessoas que odeiam Israel e que este é o único conflito atual em que se espera que uma parte alimente a outra", disse Brown.

O que aconteceu com as outras flotilhas?

Em 2008, um ano após o Hamas assumir o controle da Faixa de Gaza, quando Israel ainda não havia implementado totalmente seu bloqueio naval, várias flotilhas chegaram ao enclave. Mas, em meados de 2009, os israelenses começaram a interceptar todos os barcos e fecharam o acesso a Gaza por mar. Desde 2010, nenhuma outra flotilha chegou a Gaza.

Em 31 de maio de 2010, forças israelenses interceptaram seis barcos civis da Flotilha da Liberdade de Gaza no que ficou conhecido como o ataque Mavi Marmara. Os militares abriram fogo contra o navio de passageiros de propriedade turca, matando 10 ativistas turcos pró-palestinos. A Marinha israelense alegou posteriormente ter agido em legítima defesa, mas sua ação foi amplamente criticada em todo o mundo. As relações diplomáticas entre Israel e Turquia se deterioraram até Israel emitir um pedido formal de desculpas em 2013 e concordar em pagar 20 milhões de dólares (R$ 108 milhões) em indenização às famílias das vítimas em 2016.

A iniciativa de 2011, chamada Flotilha da Liberdade 2, jamais conseguir partiu da Grécia devido a uma combinação de pressão política, sabotagem técnica e obstáculos legais. Como consequência da pressão israelense, a Grécia proibiu a partida de navios da flotilha para Gaza, alegando preocupações de segurança e diplomáticas.

Em 29 de junho de 2015, a Flotilha da Liberdade 3, de bandeira sueca, que transportava ativistas, parlamentares, jornalistas e figuras públicas de mais de 20 países, foi interceptada a cerca de 160 quilômetros de Gaza. As forças israelenses abordaram alguns dos navios, enquanto outros retornaram. A Marinha israelense teria utilizado armas de choque durante a operação.

Em outubro de 2016, o Barco das Mulheres para Gaza, uma flotilha que transportava mulheres ativistas, também foi interceptado antes de chegar a Gaza.

Em 2018, forças navais israelenses interceptaram e apreenderam dois navios pertencentes à Flotilha Futuro Justo para a Palestina, primeiro o Al Awda, em 29 de julho, e depois o Freedom, em 3 de agosto. Segundo relatos de pessoas a bordo, as forças israelenses agrediram alguns dos ativistas, que foram posteriormente deportados de Israel.

Duas flotilhas que partiram no início deste ano e a Global Sumud, que neste momento navega rumo a Gaza, são descritas como missões da Flotilha da Liberdade.

Greta Thunberg já estava entre os participantes da Missão Madleen, que partiu em junho de 2025. Eles ficaram detidos depois que as forças israelenses interceptaram o barco e, mais tarde, foram deportados.

Em julho, ativistas da missão Handala foram presos depois que seu navio foi interceptado e apreendido em águas internacionais ao largo da costa de Gaza.

rc/ra (AFP, Reuters, DPA)