Israel iniciou uma ofensiva terrestre em Gaza, mas não está claro se as manobras marcam início oficial de uma invasão.
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Quando os militares dos Estados Unidos entraram no Iraque, em 20 de março de 2003, jornais do mundo todo não deixaram espaço para dúvidas. "GUERRA", dizia a manchete de meia página do jornal americano San Francisco Chronicle. "Grande ofensiva em andamento", destacava o alemão Rheinische Post.
Os anúncios da ofensiva terrestre de Israel em Gaza desde sexta-feira passada (27/10) evitaram declarações tão claras, que poderiam ser esperadas diante da gravidade do ataque terrorista do grupo islâmico Hamas contra Israel em 7 de outubro, que deixou mais de 1.400 mortos. Mais de 8 mil palestinos teriam sido mortos em ataques israelenses , segundo o Ministério da Saúde de Gaza, que está sob controle do grupo Hamas – que União Europeia, Alemanha, Estados Unidos e Israel consideram uma organização terrorista.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que a "segunda fase" da guerra já começou e afirmou que as Forças Armadas do país estão avançando sobre Gaza. Mas não ficou claro se esse é o início da invasão em grande escala que Israel anunciou logo após os ataques do Hamas ou se essa operação ainda está por vir.
"A segunda fase pode parecer um refluxo contínuo, mas baixo, se você quiser", relatou a correspondente da DW em Israel, Rebecca Ritters.
Pequenas incursões em vez de grande invasão
"Acredito que essa operação terrestre está criando as condições para o que poderá vir a seguir", afirma a especialista militar e em segurança Veronika Poniscjakova, da Universidade de Portsmouth. Ela pondera, porém, que é difícil dizer o que isso seria.
Poderia ser o início de uma série de pequenas incursões, com uma grande invasão sendo planejada para mais adiante, segundo ela. Ou mesmo sendo descartada, dependendo da evolução da situação entre aliados e também entre os próprios israelenses.
De acordo com Poniscjakova, nas três semanas que se passaram desde que Netanyahu anunciou os planos de uma invasão em larga escala – algo que muitos consideram inevitável – os ânimos mudaram.
Os Estados Unidos, um grande aliado de Israel, recomendaram em conversações diplomáticas após os atentados que as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) lançassem incursões e ataques menores à Gaza, em vez de uma grande ofensiva.
Além disso, a opinião pública israelense também mudou desde os ataques, acrescenta ela, citando uma pesquisa que mostrou que os israelenses não seriam mais "tão a favor de uma grande invasão como eram há duas semanas".
Por fim, resta ainda a questão de como as IDF conseguiriam "destruir" o Hamas sem colocar em risco a vida dos mais de 200 reféns levados de Israel pelos terroristas, pontua.
Cada um desses fatores ajuda a explicar o que Poniscjakova diz parecer uma tentativa das IDF de travar essa batalha, pelo menos incialmente, em incursões de menor escala em vez de optar por uma grande invasão. Segundo a especialista, essas operações menores podem durar semanas ou meses. "Para mim, tudo isso indica que, seja lá o que for acontecer, vai durar muito."
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Relatos da fronteira
Até o momento não se sabe quantos soldados israelenses já entraram em Gaza. O porta-voz das IDF, Daniel Hagari, afirmou neste domingo que os militares estavam "aumentando gradualmente as atividades terrestres e o alcance das forças na Faixa de Gaza".
"Faremos tudo o que pudermos, do ar, mar e terra, para garantir a segurança de nossas forças e alcançar os objetivos da guerra", acrescentou. Nesta segunda-feira, as Forças de Defesa de Israel afirmaram ter atingido 600 alvos em Gaza nas últimas 24 horas.
"Podemos aqui ver e ouvir partes desta segunda etapa acontecendo diante dos nossos olhos e ouvidos", relata Ritters, que se encontra próxima à fronteira norte de Gaza. "Vemos ataques constantes de artilharia, bem como ataques aéreos mais distantes, ouvimos caças sobrevoando de tempos em tempos."
Guerra em Gaza pode envolver outros países?
07:36
De onde se encontra, a correspondente da DW contou ser possível ouvir tiros de metralhadoras, o que indica que os militares israelenses e os combatentes do Hamas estão relativamente próximos. Mesmo assim, "em termos da segunda fase, não sabemos exatamente o que isso significa militarmente", observou.
É quase impossível obter informações confiáveis sobre a situação das pessoas em Gaza devido ao apagão da internet e telefonia na região desde sexta. Ritters afirma que não se sabe quanta resistência do Hamas as tropas israelenses estão enfrentando. "Estamos recebendo desinformações de todos os lados, ouvindo coisas nas redes sociais. Ainda é muito cedo para dizer o que realmente está acontecendo", acrescenta.
No boletim divulgado no domingo, as IDF relataram que ao menos dois de seus soldados foram feridos.
"Apenas no começo"
Para o especialista Jonathan Panikoff, do think tank americano Atlantic Council, permanece em aberto a questão sobre qual será o tamanho e o âmbito da ofensiva terrestre.
"Isso marca o início de uma invasão terrestre em larga escala ou uma preparação para uma operação de contra-insurgência menor e mais focada? Nos próximos dias, a decisão de Jerusalém sobre o tipo de operação deverá ser revelada."
Embora muito permaneça incerto, especialistas concordam em ao menos um aspecto: os esforços militares de Israel para "dizimar o Hamas" provavelmente serão longos. Netanyahu parece compartilhar dessa avaliação. "Essa é a nossa segunda guerra de independência. Estamos apenas no começo", declarou o premiê no sábado.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.