Itália condena repressores envolvidos na Operação Condor
9 de julho de 2019
Corte sentencia 24 sul-americanos à prisão perpétua por mortes e desaparecimentos de opositores de origem italiana. Lista de condenados inclui ex-ditador boliviano, ex-presidente peruano e militares de Uruguai e Chile.
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A Justiça italiana condenou à prisão perpétua 24 políticos e militares sul-americanos por mortes e desaparecimentos de 23 opositores de origem italiana no âmbito da Operação Condor, aliança entre ditaduras militares da América do Sul nas décadas de 1970 e 1980.
Os magistrados do Tribunal de Apelação de Roma consideraram o grupo composto por militares e policiais desses países responsáveis por intervir na operação militar acordada entre as ditaduras sul-americanas para sequestrar e executar dissidentes.
Todos os 24 repressores foram sentenciados à revelia, com exceção do ítalo-uruguaio Jorge Tróccoli, ex-capitão e portador de passaporte italiano, que compareceu à primeira audiência do julgamento realizado em fevereiro de 2015 e é o único que reside livremente na Itália.
"Exijo que a Itália prenda Tróccoli. Ele era um assassino em série, executava pessoas. Ele deve ser detido. Nós esperamos 41 anos para obter justiça. Nunca é tarde demais", disse Nestor Gomez, irmão de Celica Gomez, desaparecida em 1978 e que trabalhava na agência estatal argentina de notícias Telam.
A lista de condenados pelo tribunal italiano à prisão perpétua inclui os nomes de Luis García Meza, ditador boliviano que morreu em abril e 2018, e seu ministro do Interior, Luis Arce Gómez, além do ex-presidente peruano Francisco Morales Bermúdez, seu primeiro-ministro Pedro Richter Prada, morto em julho de 2017, o ex-militar peruano Germán Ruiz e o ex-ministro do Exterior uruguaio Juan Carlos Blanco.
Somam-se a eles sete ex-militares chilenos e 11 ex-militares uruguaios. Todos foram condenados por homicídio voluntário com agravantes e deverão também arcar com os custos do julgamento. A sentença foi proferida após quatro anos de audiências, às quais compareceram parentes, especialistas e companheiros de cela das vítimas.
Os juízes do Tribunal de Apelação de Roma revertam parte da decisão de 2017, que estabeleceu oito penas de prisão perpétua e absolveu 19 acusados sob a alegação de que os crimes estavam prescritos. A nova sentença foi saudada por autoridades sul-americanas e provocou emoções entre familiares e representantes das vítimas, que assistiram à leitura da sentença.
"É uma sentença muito importante e estimulante para o Uruguai e para as vítimas", afirmou Miguel Toma, secretário da Presidência do Uruguai.
"Viemos até Roma para apoiar a luta contra a impunidade e porque temos a obrigação de não esquecer", disse o vice-ministro da Justiça da Bolívia, Javier Moncada.
As investigações sobre a estratégia dos regimes militares sul-americanos começaram há mais de 15 anos, em consequência de queixas apresentadas na Itália por familiares de italianos mortos ou desaparecidos. Entre eles estava a italiana Aurora Melloni, viúva de Álvaro Daniel Banfi, metralhado junto com outros militantes de esquerda em outubro de 1974, na Argentina.
"A condenação dos principais responsáveis por este plano é uma enorme satisfação. Com esforço e perseverança é possível obter justiça. Isso é importante para os jovens, para as gerações futuras, ante aos ventos que sopram agora", disse Melloni.
Após uma longa investigação, o promotor italiano Giancarlo Capaldo entrou com uma ação contra um grupo de 34 ex-oficiais e civis, policiais e agentes de serviços secretos de Chile, Uruguai, Bolívia e Peru, vários dos quais já morreram.
Devido a uma série de impedimentos burocráticos, a Justiça italiana decidiu julgar separadamente 50 argentinos, assim como vários paraguaios e brasileiros pelos mesmos crimes.
PV/afp/ots
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Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.