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Itália endurece na questão dos refugiados e pressiona UE

Megan Williams jps
28 de junho de 2018

Cobranças por mais ajuda são antigas, mas populista Salvini eleva o tom e reforça postura com recusas à atracagem de navios de resgate. Em jogo está a existência do projeto europeu.

Italien - Innenminister Matteo Salvini
O ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, que adotou uma posição linha-dura contra a imigração no país.Foto: Reuters/S. Rellandini

O italiano Matteo Salvini, líder do partido de extrema direita Liga, passou a dominar o debate sobre a questão da imigração desde que assumiu o cargo de ministro do Interior da Itália, no início deste mês. Ele aparece muito mais do o primeiro-ministro Giuseppe Conte ou o líder do Movimento do Cinco Estrelas (M5S), Luigi di Maio, seu parceiro de coalizão.

Logo após assumir o cargo, Salvini anunciou que a Itália começaria a impedir que navios de ajuda humanitária que resgatam imigrantes no Mediterrâneo pudessem atracar em portos italianos.

Ele recusou a atracagem do navio Aquarius. A embarcação, administrada pelas ONGs Médicos Sem Fronteiras e SOS Mediterranee, e as 600 pessoas a bordo acabaram viajando até a Espanha.

Em seguida, ele disse não ao navio operado pela ONG alemã Lifeline, que havia resgatado 234 imigrantes. E, por fim, se recusou por quatro dias a permitir que o cargueiro dinamarquês Alexander Maersk, com 113 pessoas resgatadas, pudesse atracar.

Por meio de transmissões ao vivo e de vídeos publicados em sua própria página no Facebook, assim como em comícios políticos e entrevistas na televisão, Salvini tem propagandeado que esses barcos de resgate estão funcionando como "navios de cruzeiro" para imigrantes. Ele afirma que "a festa acabou" e exige que os demais países da Europa, especialmente a França – chamada por ele de "arrogante” e "hipócrita" –, assumam mais responsabilidade.

As polêmicas regras de Dublin

Ao contrário de seus antecessores, Salvini afirma que resolverá a crise migratória da Itália barrando os imigrantes ainda no mar, instalando centros de registro de refugiados na África e fechando acordos com os países de origem para mandá-los de volta.

E, mais importante ainda, acabando com a Convenção de Dublin. Hoje, pelas regras da convenção, pessoas que chegarem à Europa e solicitarem refúgio têm que permanecer no país em que apresentaram o pedido, sendo vetadas solicitações simultâneas em outros Estados-membros. Essa situação faz com que 160 mil refugiados permaneçam em centros de detenção na Itália – mesmo que uma boa parte deseje seguir para outros países da UE.

"A verdade é que a Itália sempre pediu que o restante da Europa compartilhasse [sua carga migratória]", lembra Natalie Tocci, vice-diretora do Instituto de Assuntos Internacionais da Itália. "A única diferença agora é que Salvini está pedindo de maneira muito mais agressiva. Mas o pedido é idêntico."

Além da Convenção de Dublin, o principal ponto de discórdia para os italianos é o efeito das políticas dos seus vizinhos sobre o Acordo de Schengen, criado para garantir liberdade de movimento dentro da UE. A França, a Áustria e outras nações impuseram uma moratória ao acordo, bloqueando a entrada de migrantes em seus países, segundo eles por preocupação com o terrorismo. Essa dificuldade de encontrar uma solução para os imigrantes retidos na Itália e a incapacidade de resolver a disputa de forma conjunta vêm tornando a UE um alvo fácil para a extrema direita.

Os planos da UE de criar pontos de concentração de refugiados na Itália e na Grécia em 2015, com o objetivo final de transferir cerca de 40 mil refugiados desses dois países para outras nações da UE, também fracassou. Países como Hungria, Polônia, Eslováquia e República Tcheca se recusam a aceitar refugiados. Assim, a Europa tenta agora desesperadamente resolver a disputa fora de seu território.

UE sem um plano coeso

"É muito provável, quase garantido, que não haverá acordo sobre como administrar o movimento interno de imigrantes dentro da UE. Então, o que acontece é que todos passam a procurar implacavelmente uma solução que envolva política externa e controle de fronteiras", diz Tocci.

Especialistas dizem que os países da União Europeia podem até se acertar sobre a criação de centros de registro de refugiados em países africanos de partida ou de trânsito para imigrantes. Países como França, Itália e Alemanha já expressaram apoio. Só que esse plano não deve contar com o apoio de nenhum país africano.

Tocci apontou que, se a Europa não mostrar disposição em considerar seriamente abrir rotas legais de imigração, dificilmente os países africanos vão mudar de ideia sobre a abertura de centros de registro. "Ponha-se no lugar deles: se 95% dos pedidos de refúgio são recusados, por que esses países que estão na rota dos imigrantes ajudariam a apoiar todas essas pessoas que nós não queremos?"

Assim, o controle de fronteira se torna o palco trágico para o drama da imigração. Mesmo com uma queda de 80% nas chegadas à Itália de imigrantes pelo mar em comparação com 2017 – graças a um acordo polêmico com a guarda costeira da Líbia – o bloqueio de navios e a discurso anti-imigração de Salvini encontram eco.

Política repugnante, mas popular

Esta semana, o escritório nacional de estatísticas da Itália divulgou que o número de pessoas que vivem na pobreza no país é o mais alto em mais de uma década. Ao mesmo tempo, pesquisas indicam que o apoio ao partido de Salvini aumentou de 17% nas eleições para quase 30%. Isso coloca a Liga no encalço do partido populista Movimento Cinco Estrelas, cuja promessa de garantir renda universal para os pobres da Itália gerou forte apoio nas regiões com alto índice de desemprego.

De fato, basta falar com alguns italianos sobre a questão da imigração que a preocupação com a pobreza logo aparece. Mesmo apoiadores de centro-esquerda do M5S, que consideram a retórica de Salvini repugnante, admitem que estão dispostos a tolerá-la se isso significar a solução de outros problemas da Itália.

"A linguagem de Salvini é indecente e eu não acho que a situação dos imigrantes é pior do que antes", diz Emanuela Alloni, que dirige um pequeno hotel em Roma. "Mas eu espero que a coalizão sobreviva ao mandato de cinco anos. Se este governo for capaz de fazer as mudanças que deseja, os italianos poderão respirar mais aliviados. Eles não se sentirão ameaçados quando 400 pessoas desembarcarem. Porque o problema não são 400 imigrantes, mas 10 mil italianos pobres e sua falta de esperança no futuro."

Tocci afirma que, a não ser que a UE seja capaz de garantir a livre circulação de pessoas, a Itália corre o risco de derrubar todo o projeto europeu. "Se não resolvermos, será o fim do Acordo de Schengen", diz ela. "A Itália ficará com um acúmulo de imigrantes, e toda a UE poderá desmoronar. E tudo por quê? Porque alguns países não querem algumas dezenas de milhares de imigrantes?"

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