Itália se move para a direita
20 de fevereiro de 2013A Itália, como grande parte da Europa, vem apresentando muitas das condições clássicas que, no passado, fomentaram o crescimento da extrema direita: pobreza, desemprego crescente, aumento dos níveis de imigração e colapso da política tradicional. Mesmo o chamado governo "tecnocrata" do primeiro-ministro Mario Monti falhou em manter a estabilidade no Parlamento. O premiê foi forçado a convocar eleições antecipadas depois de o partido de Silvio Berlusconi ter retirado seu apoio ao governo, pouco antes do Natal.
O Produto Interno Bruto (PIB) da Itália seguiu caindo em 2012, e o prognóstico para 2013 não é dos melhores, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas (Istat). Com a incerteza política se tornando, mais uma vez, parte do cotidiano, os mercados financeiros são abalados sempre que as medidas de austeridade implementadas pelo governo de Monti parecem ameaçadas.
O número de estrangeiros residentes na Itália também vem aumentando. Em 2011, a cota subiu 7,9%, embora ainda seja de apenas 7,5% do total da população. Os residentes estrangeiros também têm mais filhos do que o resto da população italiana. Além disso, a distribuição de imigrantes na Itália é muito desigual, com 86,5% vivendo no norte. Esta é a região onde a indústria e a economia são mais fortes, e também onde os partidos populistas de direita, como a Liga Norte, mais ganharam terreno.
Nova direita na Europa
A extrema direita da Itália não é a mais forte ou a mais ativa da Europa. Contudo, uma análise sobre a "nova extrema direita" na Europa, publicada em meados de 2012 pelo jornal liberal de esquerda La Repubblica, detectou um crescimento nas adesões a organizações radicais de direita. O jornalista Paolo Berizzi descobriu que, apesar de os votos para partidos radicais de direita representarem apenas 2% do total, ou menos de 500 mil votos, as ideias promovidas por eles ganham credibilidade, mesmo entre antigos eleitores de esquerda.
Um relatório do Demos, think-tank britânico com raízes marxistas e especializado em poder e política na Europa, apontou o crescimento de alianças entre movimentos populistas de extrema direita de todo o continente. Revelou-se que esses partidos vêm se concentrando em ameaças recentes – como, por exemplo, quando os trabalhadores do cinturão industrial do norte da Itália são demitidos – a fim de ganhar terreno, por vezes à custa da esquerda tradicional.
"As visões baseadas em racismo e antissemitismo, que caracterizavam a extrema direita, são hoje coisas do passado", concluiu o relatório. "Em seu lugar, há uma ênfase na cultura e em valores, em face da crescente imigração e de uma suposta ameaça cultural representada pelo crescimento do Islã na Europa."
De certa forma, a italiana Liga Norte faz exatamente isso. Apesar de não se posicionar como de extrema direita, afirmando ser, apenas, populista e separatista, destaca-se por ser contra a "ameaça fundamentalista islâmica" que poria em perigo a "hegemonia da velha Europa".
Papel da direita no passado fascista
Como muitas coisas no país, a política italiana – e a direita em particular – é algo confuso e em constante metamorfose. Isso talvez se deva ao fato de o país, ao contrário da Alemanha, nunca ter reconhecido inteiramente o papel desempenhado pela direita em seu passado fascista.
"Em nosso país, homens que até pouco tempo atrás admiravam fervorosamente o passado fascista podem participar do governo e até mesmo assumir altos cargos", lamenta o professor de história contemporânea Ettore Cinella, da Universidade de Pisa. "Eles ainda celebram os soldados que lutaram ao lado dos alemães por aquela república fascista. Esse tipo de coisa só pode despertar preocupação quanto ao caráter moral de nossa nação."
Cinella acrescenta que a presença, na atual política, de numerosos ex-membros do Partido Comunista Italiano (PCI), incluindo o atual presidente, Giorgio Napolitano, evidencia um problema genérico italiano em encarar o passado.
Mesmo que essas pessoas sejam agora respeitadas como estadistas moderados, algumas nunca fizeram as pazes com as duras realidades do regime soviético e as doutrinas pelas quais lutaram durante a juventude, argumenta Cinella. O historiador acrescenta que, enquanto a Itália não se conciliar com o próprio passado, não poderá ser considerada um "país civilizado e moral", e sua política não irá progredir.
Caso único
A atual direita é uma perfeita ilustração disso. Alessandra Mussolini, neta do líder fascista Benito Mussolini, é membro atuante do Parlamento e convidada frequente nos principais programas políticos de entrevistas. Ao mesmo tempo que defende alguns pontos de vista populistas, também é uma defensora dos direitos das mulheres, e é amplamente respeitada como um membro da direita moderada, apesar de suas associações familiares.
Mas é a Liga Norte que faz a direita da Itália ser um caso único. Não é um pequeno grupo com pouco poder político, mas um partido que já ocupou espaço no cenário nacional durante vários anos. Nos últimos dois governos de Berlusconi, a Liga Norte esteve coligada com o partido do premiê, o Povo da Liberdade (PdL).
E a Liga parece disposta a repetir a cooperação pela terceira vez. Roberto Maroni, novo líder do partido, anunciou em janeiro que irá apoiar Berlusconi. Em troca, ele será candidato único da coalizão na Lombardia, onde se espera sua vitória esmagadora.
James Walston, professor da Universidade Americana em Roma e autor de um blog sobre o panorama político italiano, avalia que, mesmo com o poder da Liga Norte, Berlusconi dificilmente irá ganhar as eleições marcadas para este domingo (24/02) e segunda-feira. Ainda assim, ele afirma que a presença do seu partido poderá desestabilizar o Parlamento o suficiente para que governar seja impossível, não importa quem vença.
Aumento do racismo
A natureza caleidoscópica da direita e da extrema direita na Itália, assim como a aceitação crescente de opiniões mais extremas, proporcionam um pano de fundo diante do qual alguns incidentes pouco surpreendem, como os slogans racistas contra Kevin-Prince Boateng e outros jogadores negros no amistoso entre o Milan de Berlusconi e o time de segunda divisão Pro Patria, em janeiro.
Segundo o jornal Il Fatto Quotidiano, entre os causadores do incidente estava um membro da Liga Norte, responsável no partido, ironicamente, por esporte e política para a juventude na comuna de Corbetta.
Naturalmente, Berlusconi e a Liga Norte foram rápidos em condenar o ocorrido. O ex-primeiro-ministro afirmou que apoiava a decisão de seu time de abandonar o gramado na ocasião, "opondo-se ao racismo inaceitável".
Futebol e política
A afirmação, entretanto, vem do mesmo político que chama o presidente norte-americano, Barack Obama, de alguém "bronzeado", e pareceu se divertir em dizer a um deputado alemão do Parlamento Europeu que este seria perfeito para interpretar o papel de um nazista num filme. Suas posições sobre o tema racismo são, na melhor das hipóteses, confusas. Em sua administração passada, a parceria com a Liga Norte resultou em ameaças aos imigrantes ilegais, de que receberiam tiros se tentassem aportar nas praias italianas.
Mas, como todo político, Berlusconi está lutando para conseguir um outro mandato e, por isso, tudo o que diz é cuidadosamente pensado. Ele é famoso por aplicar a terminologia do futebol na política e por usar seu clube, o Milan, para ajudar a polir sua imagem de político. Um exemplo é a recente compra, pelo Milan, do negro Mario Balotelli, jogador da seleção italiana que jogava no Manchester City, famoso não só pelo grande futebol, mas também por causar polêmica dentro e fora do campo. Ele é perfeito para se ganhar algumas colunas nos jornais e, se jogar bem, talvez o poder.
Palavras de ordem racistas são prova de ignorância, na melhor das hipóteses, ou, na pior, de insatisfação, raiva e violência crescente, pelo menos em corações e mentes espalhados por todo o país. Enquanto confusão, ignorância e mistificação prevalecerem na política parlamentar e na sociedade, a extrema direita vai tranquilamente ganhando terreno na Itália, trabalhando para provar que possui a chave para tirar o país da crise em que se encontra.
Autora: Emma Wallis (md)
Revisão: Augusto Valente