Em entrevista à DW, sociólogo italiano Marco Lombardi expõe papel de seu país nas redes jihadistas: além de base estratégica, enquanto berço da Igreja Católica Itália representa a etapa final da luta contra os "infiéis".
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O tunisiano Anis Amri era o principal suspeito de haver executado o atentado com um caminhão a uma feira natalina de Berlim, em 19 de dezembro, em que 12 pessoas morreram e mais de 50 ficaram feridas. Sua morte por um policial de Milão, nesta sexta-feira, ainda deixa muitas questões em aberto, e as investigações prosseguem.
As ligações do radical islâmico de 23 anos com a Itália já datam de algum tempo: três anos antes de ir para a Alemanha, ele entrara na Europa por aquele país em 2012. Assim, há, entre outras, a suspeita de que ele procurava se reconectar com sua antiga rede criminosa.
O sociólogo italiano e pesquisador do terrorismo Marco Lombardi é professor da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e acaba de lançar o livro Il terrorismo nel nuovo millennio (O terrorismo no novo milênio).
Em entrevista à DW, ele explica o papel particular que a Itália tem para os radicais islâmicos: por um lado, é sua base logística, e portanto menos visada do que os países da Europa Setentrional. Por outro, contudo, representa "uma espécie de etapa final, de Armagedom, na luta contra os assim chamados 'infiéis'".
DW: Anis Amri foi morto a tiros em Milão. O senhor tem ideia de aonde ele pretenderia ir?
Marco Lombardi: Em torno de Milão há, de fato, algumas cidadezinhas que se transformaram um centros do fundamentalismo islâmico, sobretudo no norte na região de Varese. É muito fácil chegar lá a partir de Sesto San Giovanni, onde Anis Amri foi abatido. Essa região é um centro da cena islamista, assim como Bérgamo e Brescia, a maioria dos radicais islâmicos presos na Itália vem de lá. Há um monte de pequenas mesquitas irregulares, sob a direção de salafistas radicais. No entanto é questionável se ele queria ir para lá.
Talvez estivesse só de passagem?
O número de muçulmanos radicalizados na Itália não é, nem de longe, tão elevado como em nossos vizinhos do Norte. No momento contamos 112 "combatentes estrangeiros", ou seja, gente que foi lutar nas zonas de conflito do Oriente Médio. Destes, só de seis a oito retornaram ao país. No entanto, além deles há um número maior de pessoas que, apesar de não serem filiadas ao "Estado Islâmico" (EI), representam perigo para a Itália e a Europa. A maior parte veio como imigrantes ilegais, outros são italianos convertidos.
Mas isso não quer dizer, em absoluto, que todos os migrantes sejam terroristas. Tal ideia é absurda. No entanto há radicais que se aproveitam da situação difícil dos migrantes para seus próprios fins.
Cerca de 100 "combatentes estrangeiros" saídos da Itália é mesmo relativamente pouco. Quais os motivos para isso?
"Por que Anis Amri não foi preso?"
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Há, por exemplo, motivos demográficos: a maioria dos extremistas nos países vizinhos ao norte da Itália pertence à terceira geração de imigrantes. O melhor exemplo disso é a França, em que eles são franceses de fé muçulmana. Na Itália, essa terceira geração quase não existe, pois aqui a imigração é um fenômeno relativamente novo, que começou no início dos anos 1990. Além disso, as autoridades nacionais de segurança trabalham com muita eficácia, mesmo.
Como vê o papel da Itália na estratégia dos jihadistas?
Um grande número de indivíduos se radicalizou no país. Isso vale também para Anis Amri. Os jihadistas vão da Itália em direção ao Norte da Europa e depois voltam. Portanto a Itália é para eles uma espécie de base logística, não sendo vista tanto como alvo de atentados como outros países. Por outro lado, ela certamente tem um significado especial para os jihadistas: é conhecida a imagem da revista jihadista online Inspire que mostra a bandeira da jihad sobre a Praça de São Pedro. Nesse sentido, a Itália representa uma espécie de etapa final, de Armagedom, na luta contra os assim chamados "infiéis".
O senhor acaba de descrever a concepção de mundo dos jihadistas. Que lugar ele ocupa em relação a outros fenômenos de radicalização, como os fatores sociais ou a busca de aventura?
Esta questão vem sendo intensivamente discutida nos meios antiterroristas. Até o momento, não há qualquer indicador de que a radicalização seja impulsionada sobretudo por razões religiosas ou ideológicas. Entre os jihadistas há muitos indivíduos descontroladamente irados ou psiquicamente enfermos, psicopatas de todo tipo.
Há diversas manifestações da radicalização, as quais levamos em consideração no trabalho preventivo. Ao mesmo tempo, encaramos as ações terroristas também dissociadas de seus motivos, pois o terrorismo aposta sobretudo numa coisa: gerar medo – independentemente os motivos que impulsionem cada terrorista.
Cronologia: terrorismo na Alemanha
Há muito tempo a Alemanha já é alvo de atentados e planos de ataques de grupos extremistas. O mais recente aconteceu num mercado de Natal em Berlim, onde um caminhão avançou contra a multidão.
Foto: Reuters/W. Rattay
Dezembro de 2016: Berlim
Um caminhão invadiu a calçada e avançou contra o mercado natalino na praça Breitscheidplatz, em Berlim. Segundo a polícia, ao menos 12 pessoas morreram e 48 ficaram feridas.
Foto: Reuters/F. Bensch
Outubro de 2016: Leipzig
A polícia prendeu o refugiado sírio de 22 anos Jaber al-Bark após descobrir explosivos e equipamentos para fabricação de bombas caseiras no seu apartamento em Chemnitz, próximo a Leipzig, no leste da Alemanha. Ele foi acusado de planejar um ataque ao aeroporto de Berlim. Depois de dois dias na prisão, al-Bark se enforcou.
Foto: Polizei Sachsen
Julho de 2016: Ansbach
Em julho, o "Estado Islâmico" (EI) reivindicou a autoria do ataque executado pelo refugiado sírio Mohammed D., de 27 anos. D., que já havia jurado lealdade ao grupo extremista, detonou explosivos presos ao próprio corpo na entrada de um festival de música. O homem, que tinha problemas psiquiátricos, obteve instruções pelo celular até instantes antes do ataque.
Foto: picture alliance/AP Photo/D. Karmann
Julho de 2016: Würzburg
Um refugiado afegão de 17 anos atacou, com um machado e uma faca, passageiros de um trem regional em Würzburg, na Baviera. Várias pessoas ficaram feridas gravemente, incluindo quatro membros de uma família de Hong Kong. O jovem foi morto pela polícia. Embora o EI tenha reivindicado a autoria do atentado, para as autoridades não está claro se o rapaz mantinha contato com o grupo extremista.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Hildenbrand
Maio de 2016: Düsseldorf
Três suspeitos de integrar o EI foram presos nos estados de Renânia do Norte-Vestfália, Brandemburgo e Baden-Württemberg. Autoridades afirmam que dois dos homens planejavam detonar bombas presas ao próprio corpo, enquanto o terceiro integrante e um quatro jihadista, preso na França, planejavam matar pedestres com armas e explosivos. Os atentados aconteceriam em Düsseldorf, no oeste da Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Hitij
Abril de 2016: Essen
A polícia prendeu três pessoas após um ataque a bomba a um templo sikh em Essen, no oeste da Alemanha. O atentado aconteceu durante uma celebração de casamento. Três pessoas ficaram gravemente feridas. As autoridades identificaram os suspeitos a partir de imagens de câmeras de segurança. Entre os detidos está um jovem de 16 anos, que teria contato com o movimento salafista no país.
Foto: picture alliance/dpa/M. Kusch
Fevereiro de 2016: Hannover
A jovem Safia S., de 16 anos, alemã de ascendência marroquina, esfaqueou um policial na estação central de Hannover, cidade no norte da Alemanha. O agente foi gravemente ferido e precisou ser submetido a uma cirurgia. Segundo as autoridades, S. planejava se juntar ao EI na Síria.
Foto: Polizei
Fevereiro de 2016: Berlim
Numa operação simultânea em três estados, a polícia alemã desmantelou uma célula do grupo extremista EI. Os quatro suspeitos, da Argélia, planejavam um ataque na capital do país. Segundo a polícia, o plano ainda estava no início.
Foto: Reuters/F. Bensch
Abril de 2015: Oberursel
A polícia prendeu em Oberursel, no oeste alemão, um casal acusado de planejar um ataque durante uma corrida de ciclismo. Os dois, que seriam salafistas, mantinham no porão de casa uma bomba caseira. Por falta de provas de vínculo terrorista, o homem foi condenado a dois anos de prisão por falsidade ideológica e posse de arma e explosivos ilegais. As investigações contra a esposa foram arquivadas.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Dedert
Dezembro de 2012: Bonn
Uma mala com explosivos foi encontrada na estação central de Bonn, oeste do país. Para as autoridades, tratava-se de uma tentativa de ataque terrorista com motivações islamistas. Em 2013, quatro suspeitos de planejar um ataque contra o líder do grupo extremista de direita "Pro NRW" foram presos. Um deles teria colocado a bomba em Bonn. O processo contra o suspeito corre desde 2014, em Düsseldorf.
Foto: picture-alliance/dpa/Meike Böschemeyer
Abril de 2011: Düsseldorf
Três supostos membros do grupo terrorista Al Qaeda foram detidos em Düsseldorf, acusados de planejar um ataque a bomba no país. Em dezembro de 2011, um quarto suspeito foi preso. No final de 2014, os quatro homens foram condenados a vários anos de prisão.
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011: Frankfurt am Main
As autoridades conseguiram impedir um atentado islamista no aeroporto de Frankfurt. Um albanês de Kosovo matou a tiros dois soldados americanos e deixou outros dois feridos. O homem foi condenado à prisão perpétua.
Foto: AP
Setembro de 2007: Oberschledorn
Em setembro de 2007, a organização islamista Grupo Sauerland foi desmantelada no oeste da Alemanha. Em 2010, seus quatro integrantes foram condenados por planejarem ataques em discotecas, aeroportos e instituições no país. As penas chegaram a 12 anos de prisão.
Foto: AP
Julho de 2006: Colônia
Na estação central de Colônia, no oeste do país, dois homens colocaram malas com explosivos em trens regionais que iam para Hamm e Koblenz, mas as bombas não detonaram. Em dezembro de 2008, um deles foi condenado à prisão perpétua.