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Já passou da hora de homens combaterem assédio na vida real

Nina Lemos
Nina Lemos
8 de agosto de 2023

Caso de mulher estuprada em BH deveria servir de marco para que os homens entendam o papel que precisam desempenhar no combate à violência contra a mulher. Só escrever no Facebook que "está do lado das minas" não basta.

"Mas estamos sozinhas? É 'nós por nós'? Só mulher defende mulher?", questiona Nina LemosFoto: Ulrich Zillmann/FotoMedienService/picture alliance

A história é chocante e o pesadelo de qualquer mulher. Depois de curtir um show, uma garota de 22 anos, embriagada, pega um carro de aplicativo com a ajuda de um amigo, que compartilha por mensagem o trajeto da corrida com o irmão dela. Dentro do carro, a mulher desmaia.

E o resultado dessa história de horror você já deve ter lido por aí: o motorista tentou avisar o irmão da moça, mas ele não atendeu, já que estava dormindo. O motorista, então, parou em frente à casa da vítima e tocou a campainha. Como ninguém atendeu, ele teve uma ideia "brilhante". Com a ajuda de um passante (outro homem), colocou a mulher desacordada na calçada, no meio da madrugada.

Um outro homem passou no local e a tragédia aconteceu: ele carregou a mulher como se ela fosse um saco de batatas (câmeras de segurança flagraram a cena) e a estuprou.

Sim, no mínimo três homens estão envolvidos na tragédia, que aconteceu em Belo Horizonte.

Em comum, além do gênero, os participantes da cena têm o fato de terem abandonado a mulher à própria sorte.

O estuprador, claro, é um criminoso horrível. Mas e os outros, o que deu neles? Como um motorista de aplicativo larga uma mulher desacordada no meio da rua? E como outro homem o auxilia a carregá-la e abandoná-la? E as pessoas que passaram e viram a menina desmaiada? Por que elas não pararam para ajudar? E os motoristas que viram um homem carregando uma mulher desacordada como se ela fosse um saco de batatas? Eles acham isso normal?

O caso de Belo Horizonte é um alerta e um escândalo. E devia servir de marco para que os homens entendam que papel eles podem desempenhar no combate à violência contra a mulher. É muito fácil escrever no Facebook que "está do lado das minas" ou compartilhar conteúdos de violência contra mulher nas redes sociais demonstrando revolta. Outra coisa é agir quando uma mulher ao seu lado precisa de ajuda. E é disso que as mulheres precisam. Muito. E logo.

Viu uma moça bêbada sozinha na rua? Chame as autoridades, ligue para seus familiares. Faça alguma coisa.

A tragédia de BH levou a muitas discussões. Uma delas é a questão: tudo seria diferente se ela tivesse cruzado com mulheres em vez de homens naquela noite? Não tenho certeza. Mas talvez uma mulher não deixasse outra desmaiada sozinha na rua de madrugada justamente porque sabe muito bem os riscos que correm todos os dias.

Mas estamos sozinhas? É "nós por nós"? Só mulher defende mulher?

Justiça com as próprias mãos

É curioso, mas, na mesma semana, outro fato mostrou a síndrome da "inação" masculina que acontece no Brasil, dessa vez em São Paulo. Em um vídeo que viralizou, mulheres gritam e batem em um suposto assediador dentro de um ônibus na capital, enquanto homens ficam na turma do "deixa disso".

"Você é pilantra", diz uma mulher. É possível ouvir também barulhos de tapas. "Calma aí, ele é um ser humano", diz um homem. "É ser humano mas é pilantra. Vai defender? E se fosse sua filha? A gente é mulher, a gente passa por isso todos os dias", responde a mulher. "Respeita as mina, pô", grita outra, indignada.

O final da história parece um filme de justiceiras feministas. Em uma foto que circula nas redes sociais, três mulheres levaram o suposto assediador para uma delegacia, o puxando pelos braços. A Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmaram o fato.

Não estou defendendo a violência e muito menos propondo que mulheres passem a fazer justiça com as próprias mãos (inclusive porque muitos homens iam apanhar se isso acontecesse). Mas também consigo entender a indignação delas. Imagina pegar ônibus para trabalhar todos os dias e ter que desviar de assediadores? Já pensou que horror ter que colocar uma roupa especial antiassédio só porque vai pegar transporte público?

Pois saiba que em muitas cidades isso é rotina. Uma nova tendência no TikTok mostra meninas (principalmente de Nova York) vestindo camisetas enormes e masculinas por cima de seus modelos para esconder seus corpos e fugir de assédio no metrô. Isso pode surpreender os homens. Já as mulheres, infelizmente, aprendem isso muito cedo, quando ainda são crianças, com uns 11, 12 anos de idade. Sim, é triste, mas é a nossa realidade.

E acontece no mundo todo. Durante o último fim de semana, ouvi uma jovem alemã de 21 anos narrar os assédios que ela e amigas já sofreram nos trens urbanos de Berlim durante a noite. Em suas histórias, ninguém as ajudou.

O fato de ninguém fazer nada, infelizmente, não me surpreendeu. Na Alemanha, é comum que as pessoas ignorem passantes chorando ou demonstrando comportamento perturbado.

Talvez seja por isso que exista até uma lei sobre prestar assistência. Não estou dizendo que essa lei seja sempre cumprida, infelizmente, muitas vezes não é. Mas em 2017, por exemplo, três pessoas foram multadas por não ajudarem um idoso que desmaiou em um banco e faleceu uma semana depois.

De acordo com a legislação, as pessoas devem prestar assistência em caso de acidente, emergência e perigo.

Sim, é absurdo que tenha que existir uma lei sobre tal coisa, que devia ser o óbvio.

Chega de virar a cara e fingir que nada está acontecendo, gente. Seja em Berlim, Belo Horizonte ou em São Paulo.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.