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Estado de DireitoBrasil

Júri popular condena assassinos confessos de Marielle

Publicado 25 de julho de 2023Última atualização 31 de outubro de 2024

Sentença contra Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, de 78 e 59 anos de prisão, vem mais de seis anos após o crime. Processo contra mandantes, baseado em delação da dupla, ainda tramita no STF.

Público acompanha tribunal do júri que condenou assassinos confessos da vereadora Marielle Franco
"A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega", disse a juíza Lúcia Glioche ao ler a sentença contra Ronnie Lessa e Élcio QueirozFoto: Pablo Porciuncula/AFP/Getty Images

O 4º Tribunal do Júri do Rio condenou nesta quinta-feira (31/10)  os assassinos confessos da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, mortos em 14 de março de 2018.

O ex-policial militar Ronnie Lessa, autor dos disparos, foi sentenciado a 78 anos e 9 meses de prisão.

O também ex-PM Élcio Queiroz, que dirigiu o Cobalt usado no atentado, foi condenado a 59 anos e 8 meses de prisão.

A dupla, porém, firmou acordo de delação premiada que estipula um tempo bem menor de cadeia.

Pelos termos do acordo, Lessa terá que cumprir, no máximo, 18 anos em regime fechado e mais 2 anos em regime semiaberto. Já Queiroz ficará no máximo 12 anos em regime fechado.

Como os dois já estão presos desde 12 de março de 2019, os 5 anos e 7 meses de cárcere serão abatidos dessa conta.

Com isso, Queiroz poderia deixar a cadeia em 2031. No caso de Lessa, ele iria para o semiaberto antes do final de 2037 e ficaria livre em 2039. 

Os dois também foram condenados a pagar indenizações individuais, no valor de R$ 706 mil cada, a Marinete da Silva (mãe de Marielle), Mônica Benício (viúva), Luyara Franco (filha), Agatha Arnaus (viúva de Anderson) e Arthur (filho de Anderson), que por sofrer com problemas de saúde também terá direito a uma pensão até completar 24 anos —ele tem 8.

O julgamento no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro durou dois dias e ouviu nove testemunhas, além dos réus Lessa e Queiroz. 

Os dois foram condenados por homicídio triplamente qualificado – por motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima – , tentativa de assassinato de Fernanda Chaves, a assessora da vereadora que estava no veículo com duas vítimas, além de receptação do veículo usado no atentado.

Queiroz firmou acordo de delação premiada em julho de 2023. Os termos do acordo não foram divulgados. Já Lessa firmou acordo no final de 2023.

Família de Marielle se emociona ao ouvir sentença que condenou os assassinos confessos Ronnie Lessa e Élcio QueirozFoto: Pablo Porciuncula/AFP/Getty Images

Quem mandou matar Marielle?

As investigações do mais escandaloso crime político da história recente brasileira ganharam novo fôlego com a validação do acordo de delação premiada de Lessa. 

O ex-PM incriminou o conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro) Domingos Brazão e um irmão dele, o deputado federal Chiquinho Brazão (Sem partido-RJ), apontando-os como mandantes.

O anúncio da homologação da delação, assinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator das investigações na Corte, foi feito em 19 de março deste ano pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, após a prisão dos irmãos Brazão pela PF.

Além dos Brazão, a PF prendeu também o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio que assumiu o cargo um dia antes da execução da vereadora, em 13 de março de 2018. Suspeito de ajudar a planejar o crime e obstruir as investigações, Barbosa foi nomeado pelo então interventor federal no Rio durante o governo Michel Temer, o general do Exército Walter Braga Netto. 

Os mandados de prisão foram expedidos pelo STF, onde tramita um processo paralelo contra o trio. Em junho deste ano, a Primeira Turma da Corte aceitou a denúncia para torná-los réus.

Ministra Anielle Franco (esq.), irmã de Marielle Franco, e a mãe, Marinete Silva, acompanharam tribunal do júri que condenou Lessa e Queiroz Foto: Silvia Izquierdo/AP/picture alliance

Qual foi a motivação do crime?

Uma das linhas de investigação da PF é que Marielle teria sido morta por defender a ocupação de terras por pessoas pobres na zona oeste do Rio. Essa atuação da vereadora em questões fundiárias poderia ter ameaçado negócios de milicianos relacionados a construções irregulares na região.

Ao anunciar a prisão de Barbosa e dos irmãos Brazão, autoridades brasileiras reforçaram essa suspeita. Falando a jornalistas, o diretor da PF, Andrei Rodrigues, ressaltou, porém, que o assassinato não foi apenas motivado por uma disputa de terras envolvendo interesses da milícia.

Conselheiro do TCE-RJ, Domingos Brazão foi acusado de envolvimento no crime tanto por Queiroz quanto por Lessa. Segundo Lessa, a morte de Marielle foi encomendada porque ela atrapalhava a grilagem de terras pela família.

Em troca, o ex-PM diz ter recebido uma oferta para explorar como miliciano uma área na zona oeste do Rio.

Antes de ser conselheiro do Tribunal de Contas, Brazão foi deputado estadual pelo MDB e foi citado no relatório final da CPI das Milícias como um dos políticos "autorizados" pelas organizações criminosas a fazer campanha política em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. A CPI da Milícias foi presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), de quem Marielle foi assessora parlamentar.

Em 2019, a Procuradoria-Geral da República afirmou em denúncia ao STJ que Brazão "arquitetou o crime de homicídio" contra Marielle e "esquematizou a difusão de notícia falsa sobre os responsáveis pelo homicídio" – detalhes sobre a real motivação do crime, porém, permanecem desconhecidos. 

Brazão nega qualquer envolvimento no crime. Em janeiro, ele afirmou ao jornal O Globo: "Depois das famílias de Marielle e Anderson, posso garantir que os maiores interessados na elucidação do caso somos eu e minha família. Tenho fé que, se houver mesmo essa delação [de Lessa], que, graças a Deus, isso termine logo."

Assassinada em março de 2018, Marielle tornou-se símbolo da luta contra a violência política e pela representação feminina em espaços de poderFoto: Fabio Vieira/Fotorua/Zumapress/picture alliance

Por que a PF assumiu o caso?

O delegado que acompanhou o caso no primeiro ano de investigação, Giniton Lages, foi afastado logo após a prisão de Lessa e Queiroz, em 2019. O inquérito da Polícia Civil seguiu trocando de mãos, passando por outros três delegados até chegar a Alexandre Herdy. No Ministério Público, promotoras abandonaram o caso queixando-se de "interferências externas".

Apesar disso, até a eleição e posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência, a família de Marielle se opôs à federalização das investigações devido à proximidade de filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro com suspeitos do crime.

Com a entrada da PF no caso, o novo governo – do qual participa Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial – buscou demonstrar compromisso com a elucidação do crime.

Naquele ano, uma "investigação da investigação" do caso Marielle feita pela PF indicou que haveria uma estrutura de autoproteção das polícias, Ministério Público e do Judiciário no Rio.

Em fevereiro de 2023, a PF  sobre o caso, e uma operação em julho daquele ano trouxe novos elementos, mas algumas perguntas continuam sem respostas. Entenda em que pé estão as apurações e o que falta ser revelado. 

Outros suspeitos 

  • O ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel, acusado por Queiroz e preso em julho de 2023, é suspeito de ter cedido um carro para a quadrilha, vigiado a vereadora desde agosto de 2017 e participado de uma ação frustrada para matá-la. Uma vez consumado o crime, ele teria agido para ocultar provas e atrapalhar as investigações. Corrêa já tem uma condenação por tentar obstruir as investigações do caso. Ele, que foi incriminado por Élcio Queiroz, é réu pelo crime de homicídio contra Marielle e Anderson.
  • Edilson Barbosa dos Santos, o Orelha, é o dono do ferro-velho que teria feito o desmanche do veículo usado no crime, um GM Cobalt. Ele foi preso no último dia 28 de fevereiro, em Duque de Caxias, e é acusado de atrapalhar as investigações. 
  • Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio, assumiu o cargo um dia antes do crime, em 13 de março de 2018, nomeado pelo então interventor federal no Rio, o general do Exército Walter Braga Netto. É suspeito de planejar o crime e obstruir as investigações.

Outros suspeitos no radar das autoridades são o casal João Paulo Vianna Soares, o Gato do Mato, e Alessandra da Silva Farizote, que teriam descartado a arma usada no crime; e dois homens que teriam vazado informações sobre as investigações a Lessa para ajudá-lo – o PM Maurício da Conceição dos Santos Júnior, o Mauricinho; e Jomar Duarte Bittencourt Júnior, Jomarzinho, filho de um delegado federal.

Em sua delação, Queiroz apontou o possível envolvimento de mais uma figura: Bernardo Bello, já investigado como um dos líderes do jogo do bicho no Rio e procurado pela Polícia Civil do Rio. O grupo liderado pelo bicheiro, segundo Queiroz, teria fornecido o celular usado por Ronnie Lessa e o carro utilizado no crime.

Quais suspeitos foram mortos no decorrer das investigações?

  • O ex-PM Edmilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, foi apontado por Queiroz como tendo recrutado Lessa, mas acabou assassinado em novembro de 2021. Suspeito de envolvimento em atividades criminosas no Rio de Janeiro, Macalé teria, ao lado de Lessa e Corrêa, vigiado Marielle e participado de uma tentativa frustrada de assassiná-la em 2017. 
  • O miliciano Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro de 2020 na Bahia, durante ação policial que chegou a ser apontada por parentes como "queima de arquivo". Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio, Nóbrega foi assessor do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) quando o político ainda era deputado estadual. A mãe dele e uma ex-mulher também foram funcionárias do gabinete de Flávio. Nóbrega comandava o Escritório do Crime, organização que chegou a ser apontada como responsável pelo assassinato de Marielle – meses depois, uma investigação da Polícia Civil do Rio liderada pelo delegado Daniel Rosa descartou o envolvimento do Escritório do Crime no caso.

rc/ra/bl (ots)

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