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Entrevista

30 de outubro de 2011

Um dos criadores das regras do atual mercado comum europeu afirma estar "decepcionado" com a cúpula dos líderes da zona do euro. Segundo ele, é preciso trabalhar em conjunto para conseguir superar a crise.

Delors é um dos mentores do mercado comum europeu
Delors é um dos mentores do mercado comum europeuFoto: Radike/Institut für Auslandsbeziehungen e.V.

O francês Jacques Delors é um dos maiores especialistas em União Europeia. Como presidente da Comissão Europeia, cargo que ocupou entre 1985 e 1994, Delors impulsionou decisivamente o processo de integração do bloco. Foi um dos mentores do projeto do mercado comum europeu e do Tratado de Maastricht, que em 1992 fundamentou a criação da UE.

Ele também foi integrante do Parlamento Europeu, além de ministro da Economia e Finanças da França durante o governo do presidente François Mitterand. Em 1996, Delors criou a organização Notre Europe, cujo objetivo é refletir sobre a união dos países europeus, incentivando a mesma. Na última quinta-feira (27/10), o francês de 86 anos de idade foi agraciado com o prêmio Theodor-Wanner 2011. A premiação do Instituto de Relações Internacionais (ifa), na Alemanha, homenageia personalidades que se dedicaram ao diálogo entre as culturas.

Nesta entrevista à Deutsche Welle Delors afirma estar "decepcionado" com os resultados da cúpula dos líderes da zona do euro, que na última semana estabeleceu novas medidas para tentar salvar a moeda comum. Segundo ele, a Comissão Europeia "está sendo jogada para escanteio" no processo. Ele defende ainda maior flexibilidade nas normas para que países que usam o euro possam deixar a união monterária.

Deutsche Welle: Em agosto último, o senhor via a Europa à beira do abismo. Como avalia agora os resultados da cúpula europeia para resgate do euro?

Jacques Delors: No que diz respeito aos bancos e às dívidas públicas de alguns Estados-membros, as regras são sólidas e podem funcionar. Para salvar a Grécia, os bancos aceitaram um sacrifício maior. Nas condições atuais não se poderia esperar nada melhor. Com relação às decisões sobre a futura organização institucional da zona do euro, no entanto, estou muito decepcionado. O resultado é como uma máquina com milhares de cabos emaranhados. Novos grupos, novos presidentes foram instituídos, mas o manual de instruções da máquina continua confuso.

Delors: 'A União Europeia está fragmentada'Foto: Radike/Institut für Auslandsbeziehungen e.V.

Quais os efeitos das decisões da cúpula para a união e a coesão da UE?

A decisão sobre medidas comuns na zona do euro foi estipulada entre os Estados-membros da UE com um jogo de pôquer, praticamente em oposição ao método da comunidade. A Comissão Europeia fica, com isso, jogada pra escanteio. Agora existem quatro ou cinco grupos – a União Europeia está fragmentada. Embora o trabalho em conjunto já tivesse dado provas de bons resultados anteriormente: sempre que ele funcionou, a Europa obteve avanços. Este é o único método simples e eficiente. Ele obriga os governos a tomarem decisões conjuntas.

O incêndio na zona do euro deveria ser apagado com as decisões da cúpula, mas a ideia de uma Europa unida continua seguindo ladeira abaixo. A perda de autoridade da Comissão Europeia é um sinal disso.

Em uma entrevista ao jornal francês Le Monde, em agosto último, o senhor sugeriu uma reforma do Tratado da União Europeia. Seria preciso tornar possível que membros da zona do euro pudessem sair voluntária ou mesmo forçosamente da uniao monetária. Esta opção continua sendo necessária, mesmo depois das recentes decisões?

Absolutamente necessária, por uma simples questão: os 27 países membros compartilham um mercado interno e os 17 Estados compartilham até mesmo a mesma moeda. Uma moeda comum é mais do que apenas um símbolo, é o reflexo de soberania de uma nação. As pessoas estão muito preocupadas com sua moeda. Por isso todos na zona do euro carregam uma responsabilidade muito maior do que aqueles que fazem parte apenas do grupo dos 27. Por isso acho um escândalo o fato de a Finlândia e a Eslováquia terem exigido garantias por sua solidariedade na crise do euro.

O mercado interno comum foi iniciado em 1992, sob sua gestão como presidente da Comissão Europeia. No momento a Europa ainda se encontra em uma batalha na defesa pela preservação do euro. Faltam agora à UE objetivos maiores e comuns?

Sim. Um grande problema é que o euro atualmente joga todos os outros problemas da União Europeia para baixo do tapete. Ninguém se preocupa com mais nada. Por exemplo, a Alemanha realizou um importante ajuste na sua política energética. Na esfera europeia, o que isso acarretou? Nada, claro. Ou tome como exemplo as negociações para um acordo global de livre comércio – também com isso os europeus pouco se preocupam. Ou o perigo de uma iminente recessão econômica na Europa. A União Europeia não tem os meios nem os instrumentos necessários para sustentar a economia em uma situação como essa. Parece que na Europa ainda impera a "ditadura do momento".  Um projeto como o da UE exige uma visão comum de convívio na diversidade. No momento, não percebo que isso exista.

Autora: Richard A. Fuchs (msb)
Revisão: Soraia Vilela

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