Janot, o procurador que deixa a classe política em suspense
Jean-Philip Struck26 de agosto de 2015
Em seus dois anos à frente da PGR, ele deixou de lado promessa de melhorar relações com o Congresso e bateu de frente com políticos, acumulando inimigos, críticas e elogios.
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Quando Rodrigo Janot assumiu a Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2013, a maioria dos analistas só apontou que o novo titular teria pela frente a tarefa de se concentrar nos recursos do julgamento do Mensalão. Janot, por sua vez, prometia apenas reduzir o acúmulo de processos da instituição e melhorar a relação desgastada com o Congresso.
Nesses dois anos, a monotonia dos recursos acabou dando lugar às investigações da Operação Lava Jato, e Janot se transformou em um homem capaz de manter a classe política em suspense. Ele já denunciou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o senador e ex-presidente Fernando Collor por corrupção e lavagem de dinheiro. Especulações sobre quais outros nomes da "Lista de Janot” vão ter o mesmo destino tomaram as páginas dos jornais brasileiros.
Nesta quarta-feira (26/07), Janot foi sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, um dos últimos passos antes da sua recondução para mais um período de dois anos. Entre os 81 senadores que decidem o futuro do jurista, 13 são investigados pela Lava Jato.
Carreira
Nascido em Belo Horizonte, Janot, de 58 anos, se graduou em direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e ingressou no Ministério Público Federal em 1984, passando a galgar postos mais altos nos anos 90. Chegou a morar na Itália, onde estudou no final da década de 80. É casado desde 1982 e tem uma filha, que é advogada.
Na PGR, fez parte do grupo dos “tuiuiús“, o apelido dado aos procuradores que se opunham à atuação do procurador-geral Geraldo Brindeiro (1995-2003), conhecido como o infame “engavetador-geral da República“ por causa do seu hábito de arquivar denúncias durante o governo FHC.
O tuiuiú é uma ave do Pantanal conhecida por sua imponência, mas também pela sua dificuldade em levantar voo. O apelido explicitava o dilema do grupo, que era impedido de prosseguir com suas denúncias e que também não conseguia ascender ao topo da PGR, já que FHC ignorava as listas tríplices votadas pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), sempre preferindo reconduzir Brindeiro ao cargo.
Em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu acatar as listas da ANPR, e o procurador-geral passou a ser escolhido entre o mais votado da lista. Isso marcou a ascensão dos tuiuiús e o início da independência da PGR. O primeiro grande voo do grupo foi o escândalo do Mensalão, onde Janot atuou como subprocurador-geral. Agora, com a Lava Jato, os tuiuiús preparam o seu voo mais alto. Na “lista de Janot“ constam os nomes de mais de 50 políticos investigados.
Atuação
Os dois anos de Janot à frente da PGR receberam elogios de procuradores ouvidos pela DW, que o descreveram como “gentil“, “discreto“ e “habilidoso“. Ao se apresentar novamente ao cargo, Janot recebeu apoio maciço dos procuradores, conquistado 799 votos, cerca de 80% do total. A sua atuação recebe elogios até de advogados que atuam em casos da Lava Jato.
“Ele me parece uma pessoa muito ponderada e tranquila. E olha que o papel de procurador-geral é uma posição difícil, por ter que comandar tantas atividades e procuradores“, afirmou à DW o advogado Roberto Podval, que atua nas defesas dos ex-ministros José Dirceu e Aguinaldo Ribeiro, investigados na operação.
Apesar dos elogios, o procurador também acumulou algumas controvérsias à frente da PGR. Por trás do apoio dos procuradores não está só a melhoria da imagem da instituição, mas também algumas benesses que Janot conseguiu para os procuradores, como a concessão de um auxílio-moradia e o direito de viajar de classe executiva em voos internacionais. A última portaria foi recentemente cassada pela Justiça Federal, que considerou o beneficio “uma repugnante prática da autoconcessão de privilégios por parte das castas burocráticas“.
Janot também colecionou desafetos em seus dois anos à frente da PGR. A maioria se concentra no meio político. O mais barulhento deles é Fernando Collor. Antes mesmo de a denúncia contra ele chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), Collor já havia acusado o procurador de se autopromover às suas custas e chegou a chamá-lo de “filho da puta” em discurso no Senado.
Janot também comprou briga com Eduardo Cunha, e o acusou de usar a estrutura da Câmara para se blindar. O presidente já acusou publicamente Janot de conluio com a Presidência com o objetivo de prejudicá-lo.
Em resposta às polêmicas, Janot fez jus à fama de discreto e respondeu apenas: "Não vou polemizar com pessoas que estou investigando."
Antes disso, Janot já havia colecionado outras brigas. Em 2011, ainda em seus tempos de subprocurador, ele entrou em atrito com a Ordem dos Advogados do Brasil ao defender no Supremo o fim da obrigatoriedade do exame da entidade para a o exercício da profissão de advogado. Segundo escreveu Janot em um parecer, o exame configurava uma restrição ilegal e inconstitucional.
À época, membros de destaque da OAB nacional classificaram a posição de Janot como “preconceituosa“ e “equivocada“. O argumento do subprocurador, no entanto, não convenceu os ministros do STF, que votaram pela constitucionalidade do exame.
Em seus tempos de subprocurador, quando atuou na elaboração de pareceres, ele se posicionou a favor da constitucionalidade das cotas raciais. Em outro caso, que envolvia o Estatuto do Idoso, se colocou contra a possibilidade de planos de saúde aumentarem o preço de suas mensalidades com base na idade dos clientes.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.